Acórdão nº 713/13.7 BEALM de Tribunal Central Administrativo Sul, 2023-06-01

Data de Julgamento01 Junho 2023
Ano2023
Número Acordão713/13.7 BEALM
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio recorrer da sentença proferida a 04.10.2018, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Almada, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por C… e A… (doravante Recorridos ou Impugnantes), que teve por objeto a liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) atinente ao ano de 2008.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a FP apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“1. Não concorda a Representação da Fazenda Pública com a, aliás, Douta Sentença, na qual se decidiu pela procedência da presente Impugnação, ordenando a anulação do ato tributário – liquidação de IRS referente ao ano de 2008 -, por ter considerado que a Administração Tributária não logrou demonstrar que as quantias pagas como ajudas de custo não estavam relacionadas com a comprovada deslocação para as obras de M.C.A.V. em Monfalcone, Itália, e em Pont-Sur-Sambre, França, ou ainda que excediam as despesas normalmente suportadas com tais deslocações, em termos de integrarem o conceito de retribuição;

2. Caso se conclua que os pagamentos realizados não têm carater compensatório, mas meramente remuneratório, não há sequer que ir para aquela alínea d) do n.º 3 do artigo, pois trata-se apenas de aplicar a regra geral prevista nos n.ºs 1 e 2, dos quais se subsume que os pagamentos realizados pela entidade patronal ao seu trabalhador (independentemente da forma que revistam) se enquadram na categoria de rendimentos de trabalho. Pelo que, salvo melhor opinião, caberia sempre a quem paga os rendimentos e quem os recebe fazer prova de que os mesmos não revestem natureza remuneratória, mas antes compensatória;

3. Seguindo a regra geral do ónus da prova que percorre todo o direito português, com expressão no art.º 342.º do Código Civil (CC), e tendo em atenção o regime fixado no CIRS, não existem quaisquer dúvidas que, como referido no Douto Acórdão do STA de 08.11.2006, proc.º 01082/04, cabe à Administração Tributária provar o excesso dos pagamentos de carater compensatório, os quais passam então a ser tributados como se revestissem natureza remuneratória;

4. Cabe, no entanto ao sujeito passivo da relação tributária fazer prova necessária e logicamente anterior – a de que os pagamentos realizados revestem a natureza de ajudas de custo, assim eximindo tais pagamentos ao disposto nos n.ºs 1 e 2 do art.º 2.º do CIRS. E parece que é curto fundamentar o caráter compensatório dos pagamentos realizados na mera qualificação feita pelas partes, sem mais;

5. Ainda que tendo verdadeira natureza compensatória, os pagamentos, a partir de determinados limites, passam a ser tributados como se de natureza remuneratória se tratassem. Mas se os rendimentos têm natureza remuneratória ab initio são sempre tratados tendo em conta essa natureza, e portanto tributados;

6. Por outro lado, e trata-se de diferente requisito, a alínea d) do n.º 3 do art.º 2.º do CIRS, aplicável apenas nas situações de pagamento de ajudas de custo, faz depender a sua tributação, não apenas do cumprimento dos limites legais, mas também da observação dos pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado;

7. Quanto ao ónus da prova, suporta-se o tribunal no disposto no n.º 1 do art.º 75.º da LGT, afirmando que só passa a competir ao contribuinte a prova de que declarou todos as situações a que estava legalmente vinculado quando, efetivamente, a AT tenha carreado elementos de facto que sejam suscetíveis de abalar a dita presunção da escrita. E como entende que a AT não reuniu os indícios suficientes não terá cumprido com aquele ónus;

8. Ainda que acedendo, sem conceder, não se concorda, no entanto, pois ainda assim se entende que, no caso, reuniu a Autoridade Tributária prova indiciária suficiente a fazer abalar a presunção prevista no n.º 1 do art.º 75.º da LGT;

9. Refere a Douta Sentença que valores pagos a título de ajudas de custo de forma regular não os qualifica como remuneração, e por si só assim será. No entanto, esse não foi o único argumento utilizado pela Autoridade Tributária em sede Inspetiva para fundamentar as suas correções e, por outro lado, o facto de se tratarem de pagamentos regulares muito menos os qualifica como ajudas de custo – e caberia ao contribuinte fazer essa prova. Não pode também deixar de se relevar o facto de, mensalmente, os valores pagos pela empresa ao seu trabalhador e qualificados como ajudas de custo serem em montante bastante superior ao rendimento do trabalho – o que será sempre de estranhar utilizando um argumento de normalidade social (ou laboral) – o qual, se por si só vale o que vale, juntamente com os demais argumentos que fundamentaram as correções não pode deixar de revestir força probatória;

10. Mais fundamenta a Douta Sentença que o Impugnante foi contratado para exercer funções em Amora, sendo admissíveis as importâncias pagas como ajudas porque se deslocou para as obras de M.C.A.V. em Monfalcone, Itália, e em Pont-Sur-Sambre, França. No entanto, suporta-se factualmente o Tribunal na cláusula 4 do contrato de trabalho outorgado entre o Impugnante e a respetiva entidade patronal, o qual faz parte integrante do Relatório inspetivo (assim como todos os recibos referentes ao sujeito passivo no ano de 2008), mas, com o devido respeito, os contratos de trabalho em causa não são constituídos apenas por aquela cláusula, mas por outras (algumas delas nem sequer levados á factualidade fixada), havendo que proceder à análise do mesmo num todo sistemático;

11. Assim, consta daqueles contratos, que o Impugnante é contratado para as oficinas na sede da CMN, mas desde logo, fica também ali fixado que, com o início da execução do contrato, exerce as suas funções nas instalações/obra da M.C.A.V. em Monfalcone, Itália, e em Pont-Sur-Sambre, França. E todas as deslocações que ocorram dentro e fora do território nacional ficam a cargo da entidade contratadora. Não deixa de ter relevância o facto de, pela Cláusula Segunda, os contratos de trabalho serem a termo incerto, motivado por acréscimo excecional de atividade da empresa, o qual obriga a reforço do trabalho temporário. E estes contratos de trabalho, a termo incerto, duram por todo o tempo necessário para a substituição do trabalhador ausente ou para a conclusão da atividade, tarefa, obra ou projeto cuja execução justifica a celebração – nos termos do disposto no art.º 144.º da Lei n.º 99/2003, de 27.08, na redação à data;

12. A Douta Sentença agora recorrida, conclui que da leitura dos aludidos contratos não se retira que o Impugnante foi contratado para exercer funções fora de Portugal. No entanto, não pode deixar de se extrair das várias cláusulas daqueles contratos de trabalho que o local de trabalho do Impugnante – contratado a termo incerto por “todo o tempo necessário para a substituição do trabalhador ausente ou para a conclusão da atividade, tarefa, obra ou projeto cuja execução justifica a celebraçãoé obra da M.C.A.V. em Monfalcone, Itália, e em Pont-Sur-Sambre, França. E, pela cláusula Sexta dos referidos contratos, estes “caduca com a conclusão do trabalho para que o 2.º Outorgante é contratado ou mediante comunicação da CMN de cessação do mesmo (…)”.

13. É, a obra de M.C.A.V. em Monfalcone, Itália, e de Pont-Sur-Sambre, França o local de trabalho que consta de todos os recibos de vencimento do Impugnante referentes ao ano de 2008 e juntos no Relatório Inspetivo. Pelo que, não pode deixar de se considerar como domicílio necessário do Impugnante o local no qual ficou acordado que iria exercer funções, e durante o tempo em que tais funções durassem, cessando de imediato o contrato com o fim destas;

14. Por fim, cabe questionar como poderia a Autoridade Tributária trazer algo aos Autos que pudesse assegurar que o valor pago fosse superior ao das despesas efetivamente suportadas pelo Impugnante, quando o próprio Impugnante não faz prova de ter efetivamente suportado qualquer despesa. Algo que o Tribunal “a quo”, com o devido respeito, parece olvidar;

15. Ao decidir, como decidiu, a Douta Sentença fez errada apreciação dos factos que fixou e omitiu factualidade relevante, como algumas das cláusulas contratuais – erro de julgamento de facto;

16. Fez também errada aplicação do direito – erro de julgamento de Direito - , tendo violado o disposto nos n.ºs 1, 2 e 3 do art.º 2.º do CIRS e Decreto-Lei n.º 106/98, de 24.04, assim como o disposto no art.º 342.º do CC.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue totalmente improcedente a presente Impugnação, tudo com as devidas e legais consequências”.

Os Recorridos apresentaram contra-alegações, nas quais formularam as seguintes conclusões:

“A. A sentença ora recorrida determinou a anulação da liquidação de IRS do ano de 2008 por vício de violação de lei consubstanciada na insuficiência da fundamentação e errónea interpretação da citada norma de incidência no que respeita à desconsideração dos rendimentos auferidos pelo Recorrido marido a título de ajudas de custo por parte da AT.

B. 0 objecto de recurso do Ilustre Representante da Fazenda Pública considera que a liquidação adicional se deverá manter atendendo a que o montante pago a título de ajudas de custo ao Recorrido marido constitui remuneração proveniente de trabalho por conta de outrem e, nessa medida, considerado como rendimento de trabalho dependente de acordo com o disposto na alínea a} do n.Q 1 do artigo 2° do CIRS.

C. Considerou o Tribunal a quo, e bem, que sempre caberia à Autoridade Tributária (AT) demonstrar que as ajudas de custo não correspondem a efectivas...

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