Acórdão nº 7084/19.6T8GMR–A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 29-02-2024

Data de Julgamento29 Fevereiro 2024
Ano2024
Número Acordão7084/19.6T8GMR–A.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

AA e BB, na qualidade de pais do falecido sinistrado CC, intentaram a presente ação especial para efetivação de direitos emergentes de acidente de trabalho contra a EMP01... – Companhia de Seguros, S.A., pedindo a sua condenação no pagamento de:
€ 2.624,50 a titulo de danos patrimoniais resultantes das despesas com o funeral;
€140.000,00 a titulo de indemnização por Dano morte do sinistrado CC;
€20.000,00 titulo de indemnização por Dano pré-morte do sinistrado, ou seja, danos não patrimoniais sofridos pela vítima imediatamente antes da morte;
€ 80.000,00 a titulo de danos não patrimoniais/morais sofridos pelos Autores com a morte do seu filho,
Juros de mora à taxa legal de 4% a contar desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.
Tal como se sintetiza na decisão recorrida, alegam em resumo que são pais e únicos herdeiros de CC, falecido em ../../2019 no âmbito de um acidente de trabalho ocorrido nessa data, causado por atuação culposa da sua entidade empregadora, “EMP02..., Lda.”, nomeadamente, pela violação grave e grosseira de normas de segurança e saúde no trabalho.
Na tentativa de conciliação realizada em 24.02.2022, participaram, entre os demais, os ora autores, com “Entidade Responsável: EMP01... - Companhia de Seguros, SA”, e “Entidade Empregadora: EMP02..., Lda.”, tendo os primeiros declarado que “o seu filho CC, no dia 11 de Dezembro de 2019, pelas 09:10 horas, em ..., ..., quando se encontrava na obra de construção de umas moradias, segundo lhes foi dito, uma parede de alvenaria que tinha sido construída, de uma forma imprevista, tombou e atingiu o seu filho e um colega, tendo o seu filho tido morte imediata no local”.
Face ao exposto e uma vez que não preenchem os requisitos previsto no artº 49º, nº 1, al. d), 2 do Lei 98/09 de 04/09, reclamam: a) As despesas com funeral que tiveram que suportar; b) a quantia ainda não valorizada a título de danos morais e patrimoniais, uma vez que entendem ter havido violação gravosa e culposa das regras de segurança higiene e saúde no trabalho por parte da entidade empregadora e, c) - a quantia de € 40,00 a título de despesas de transportes (…).”
“A entidade responsável aceita o pagamento por subsídio de despesas de funeral até ao máximo de € 1.917,34 mediante a imprescindível exibição do respetivo recibo”.
A entidade empregadora disse que “(…) não aceita o pagamento de qualquer quantia uma vez que não houve violação das regras de segurança e saúde no trabalho” da sua parte.”
Regularmente citada a Ré Seguradora apresentou contestação e invoca as exceções da ineptidão da petição inicial por falta ou ininteligibilidade da causa de pedir e a incompetência absoluta em razão da matéria. Quanto a esta última exceção defende a Ré que os Autores não têm a qualidade de beneficiários legais do seu malogrado filho como sinistrado de acidente de trabalho, pelo que deveriam formular os seus pedidos no tribunal cível, comum ou, caso exista, no processo crime em que sejam arguidos a entidade patronal e seus legais representantes.
Conclui pela incompetência absoluta, em razão da matéria, deste Tribunal, e em decorrência da sua absolvição da instancia.
Os Autores vieram responder pugnando pela improcedência das invocadas exceções, sendo que no que respeita à incompetência material, a relação material controvertida, descrita na petição inicial, comporta os AA. (familiares da vítima mortal no acidente de trabalho) e a seguradora (responsável por transmissão obrigatória - artigo 79.º da Lei n.º 98/2009), cuja resolução jurídica a Lei n.º 62/2013, de 26.08, atribui aos Tribunais/Juízos do Trabalho, no exercício da sua competência especializada, citando a este respeito o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 25-02-2021, processo n.º 2547/20.3T8BRG.G1.
Foi proferido despacho saneador-sentença no qual se julgou o Juízo do Trabalho absolutamente incompetente para conhecer dos pedidos, com exceção do respeitante às despesas de funeral, tendo a Ré Seguradora sido absolvida da instância.

Inconformada com esta decisão, dela vieram os Autores interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães tendo terminado as suas alegações com as seguintes
CONCLUSÕES:
1. Interpõe-se o presente recurso, nos termos dos artigos 79.º, al. b), e 79.º - A, n.º 2, al. b), ambos do CPT, e 629.º do CPC, para impugnação do douto despacho proferido pelo Tribunal a quo, que julgou “este tribunal incompetente em razão da matéria para conhecer dos identificados pedidos, absolvendo da instância a ré Seguradora EMP01... – Companhia de Seguros, S.A., relativamente aos mesmos.”
2. Segundo o Tribunal a quo, os Recorrentes poderão ter direito aos pedidos que deduziram na petição inicial - Danos patrimoniais resultantes das despesas com o funeral no montante de 2.624,50€; Dano morte do sinistrado CC num montante nunca inferior a 140.000,00€; Dano pré-morte do sinistrado, ou seja, danos não patrimoniais sofridos pela vítima imediatamente antes da morte, num montante nunca inferior a 20.000,00€; Danos não patrimoniais/morais sofridos pelos Autores com a morte do seu filho, num montante nunca inferior a 80.000,00 euros; Juros de mora à taxa legal de 4% a contar desde a data da citação da Ré Seguradora até efetivo e integral pagamento; E ainda ser condenada a Ré em custas -, mas entende que o Juízo do Trabalho não é o Juízo competente para conhecer deles, porquanto estes pedidos não se enquadram no âmbito das prestações reparatórias tipificadas no regime de reparação de danos emergentes de acidente de trabalho, estabelecido na Lei n.º 98/2009, de 04.09, na medida em que os Recorrentes não foram reconhecidos como beneficiários legais do sinistrado falecido - porque auferem rendimentos acima do valor da pensão social.
3. Contudo, e no nosso entendimento, é precisamente neste ponto que reside o equívoco da douta decisão proferida pelo Tribunal a quo, pois, e ao contrário do defendido pelo Tribunal a quo, o facto de aos Recorrentes não ter sido reconhecido a qualidade de beneficiários legais do falecido sinistrado, em nada interfere com a determinação da competência material do Tribunal a quo para o conhecimento da presente ação.
4. Neste sentido, o Tribunal a quo procedeu a uma interpretação errada das normas que constituíram o fundamento da sua decisão, violando as seguintes normas jurídicas: artigos 38º, nº 1, e 126.º, n.º 1, al. c), ambos da LOSJ, e artigo 18.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 04.09.
5. Nos termos do disposto no artigo 38º, nº 1, da LOSJ, a competência fixa-se no momento em que a ação é proposta, face aos contornos que o litígio apresente à data da propositura da ação.
6. É entendimento jurisprudencial pacífico que a competência dos tribunais em razão da matéria (ou jurisdição), como pressuposto processual que é, afere-se em função da relação material controvertida, ou seja, em função dos termos em que é formulada a pretensão do Autor, incluindo os seus fundamentos - cfr. Acórdãos do STJ de 18.11.2004 (Relator Salvador da Costa), 07.04.2005 (Relator Araújo de Barros), 28.02.2008 (Relator Fonseca Ramos), 13.03.2008 (Relator Sebastião Póvoas), 12.02.2009 (Relator Paulo Sá), 06.05.2020 (Relator Santos Bernardino), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
7. Dispõe o normativo inserto no artigo 64° do CPC (em consonância com o artigo 211º da CRP) que “São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.”, acrescentando o artigo 65°, do mesmo diploma legal, que, “As leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais judiciais dotados de competência especializada.”.
8. Dito isto, preceitua o artigo 126º, n.º 1, al. c), da LOSJ, no que respeita à competência cível dos tribunais de trabalho, que “1 - Compete aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível: (…) c) Das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais;” (negrito e sublinhado nossos).
9. No caso dos acidentes de trabalho, a Lei n.º 98/2009, de 04.09, tem plasmada a regulamentação do regime de reparação dos acidentes de trabalho e de doenças profissionais, encontrando-se impresso no artigo 18.º n.º...

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