Acórdão nº 7074/15.8T8LSB-E.L1-PICRS de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-04-12

Ano2023
Número Acordão7074/15.8T8LSB-E.L1-PICRS
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam em conferência, na Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão, do Tribunal da Relação de Lisboa

Despacho recorrido

1. Por despacho de 29.9.2022 com a referência citius 419036901 (junto aos presentes autos através de certidão com a referência citius 422161279) que aqui se dá por integralmente reproduzido, proferido na acção popular com o número 7074/15.8T8LSB, que corre no 6º Juízo Central Cível de Lisboa, em que são autora a OdC Observatório da Concorrência, Associação e ré a Sport TV Portugal SA, o Tribunal a quo (Tribunal de primeira instância ou Tribunal recorrido) ordenou à recorrente, Controlinveste Media SGPS, SA, terceira naqueles autos, o seguinte:
“(…) Destarte, e não obstante o afastamento do regime dos artigos 12.º a 18.º da Lei n.º 23/2018, de 5 de junho, pelas razões acima explicitadas (aplicação no tempo), deverá a entidade terceira impetrante solicitar cópia dos documentos em falta junto da Autoridade da Concorrência (AdC), sob pena de, não o fazendo, incorrer na violação do dever geral de cooperação e ser condenada em multa, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 417.º, n.º 2, 432.º, 433.º e 437.º, todos do Código de Processo Civil, na sua articulação com o preceito 27.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais.”

Alegações da recorrente

2. Do despacho mencionado no parágrafo anterior, veio a Controlinvest Media SGPS, SA., interpor o presente recurso de apelação, pedindo a sua revogação.

Invocou em síntese, nas suas conclusões:

§ O Tribunal recorrido incorreu em erro na interpretação do artigo 432.º do Código de Processo Civil (CPC), à luz dos critérios previstos no artigo 9.º do Código Civil (CC) e foi além do dever de cooperação previsto no artigo 417.º do CPC;
§ A recorrente não é possuidora, nem detentora dos documentos em causa, à luz, respectivamente, dos conceitos de posse, previsto no artigo 1251.º do CC e de detenção, previsto no artigo 1253.º do CC;
§ Os documentos em crise estão juntos ao processo CCent n.º 4/2013 instaurado pela AdC e findo há mais de oito anos, que, sendo um procedimento prévio de controlo de concentrações, não teve por objecto qualquer infracção ao direito da concorrência, sendo, por isso, o acesso a tal processo regulado pelo regime de acesso aos processos administrativos e não pelo regime de acesso aos processos de contraordenação;
§ A AdC recusou à autora o acesso aos documentos constantes do processo CCent n.º 4/2013, por falta de indicação objectiva e concreta das informações pretendidas e de indicação do um interesse suficientemente relevante para aceder a essa informação identificada como confidencial;
§ Tanto a autora/recorrida ODC – Observatório da Concorrência, Associação, como o Tribunal a quo, dispõem de mecanismos legais para obter os documentos pretendidos.

Contra-alegações da primeira recorrida

3. A recorrida, ODC – Observatório da Concorrência, Associação, contra-alegou, pedindo:

“(i) Seja determinada a não admissão do presente recurso de apelação por a Recorrente carecer de legitimidade material para os efeitos do artigo 631.º(2), por não se enquadrar em nenhuma das previsões do artigo 644.º do CPC e por se tratar de despacho irrecorrível ao abrigo do disposto no artigo 630.º(1) do CPC; e, caso assim não se entenda,
(ii) Seja atribuído ao recurso em apreciação efeito devolutivo por não se verificarem os pressupostos de que depende a aplicação do artigo 647.º n(4) do CPC;
(iii) Seja o presente recurso julgado totalmente improcedente por falta de fundamento legal e, em consequência, seja integralmente mantido o Despacho recorrido.”

Invocou, em síntese, nas suas conclusões, argumentos que o Tribunal agrupa como se segue:

Inadmissibilidade do recurso

§ O presente recurso não deve ser admitido porque não preenche os requisitos da legitimidade previstos no artigo 631.º n.º 2 do Código de Processo Civil e não se enquadra na previsão do artigo 644.º, designadamente porque o despacho recorrido não admite meios de prova nem aplica cominação processual ou multa;
§ O despacho recorrido em nada colide com a conformação dos interesses das partes e por isso, nos termos do artigo 630.º do CPC, não é recorrível;
§ O recurso não deve ter efeito suspensivo pois não se enquadra no disposto no artigo 647.º do CPC, a recorrente não deduz incidente de prestação de caução, nem alega ou demonstra que a execução da decisão em crise é susceptível de lhe causar prejuízos;
Improcedência do recurso
§ O despacho recorrido teve na origem outro, proferido em 21.4.2022, com a referência citius 415091903, que ordenou à recorrente a junção aos autos do processo de notificação para concentração CCent n.º 4/2013 que correu termos na AdC, no qual a recorrente foi parte notificante;
§ A AdC recusou dar acesso ao processo CCent n.º 4/2013, à autora/recorrida, com base em razões de confidencialidade, que podem ser afastadas mediante o consentimento da recorrente;
§ A recorrente informou o Tribunal que não conseguiu encontrar o processo por ser muito antigo, contudo, tal processo está arquivado na AdC e a recorrente pode aceder ao mesmo;
§ O conceito de posse previsto no artigo 1251.º do CC não se aplica no caso previsto no artigo 432.º do CPC, em que basta que o documento esteja no domínio material e de direito do terceiro;
§ A falta de identificação do documento e de especificação dos factos que com ele se quer provar, como exige o artigo 429.º do CPC, não são objecto do presente recurso, pois o despacho de 21.4.2022 que determinou a admissão do meio de prova em questão, não foi objecto de impugnação.

Âmbito do recurso

4. São as seguintes as questões objecto do presente recurso:
Suscitadas pelas partes
A. Inadmissibilidade do recurso
B. Erro na interpretação do artigo 432.º do CPC
De conhecimento oficioso
C. Responsabilidade pelas custas

Factos que o Tribunal julga provados para decidir o recurso

5. O teor da certidão junta ao presente recurso com a referência citius 422161279, que aqui se dá por integralmente reproduzido, designadamente os autos, termos e peças processuais nela incluídos, alguns dos quais serão a seguir sintetizados nos parágrafos 6 a 10 para facilitar a análise do recurso.

6. Por ofício de 23.3.2022 cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido a AdC recusou o pedido de acesso feito pela autora/primeira recorrida, aos documentos aqui em crise, relativos ao processo Ccent. 4/2013 (entre outros).

7. Por despacho de 21.4.2022 (com a referência citius 415091903 nos autos principais), que aqui se dá por integralmente reproduzido, o Tribunal recorrido pronunciou-se sobre os requerimentos da autora de 21.03.2022 e 28.03.2023 e sobre o requerimento da ré de 4.4.2022, que aí menciona, ordenando à terceira/recorrente a junção dos seguintes documentos:

“(...) Nesta conformidade, perante a indicação da Autora de que os documentos em causa se encontram na posse da Controlinvest, a fim de que a Autora, com o conhecimento do exato conteúdo desses excertos e documentos, possa requerer cópias ou certidões apenas dos excertos e documentos que se revelem efetivamente necessários à prova de factos alegados e em discussão na presente ação popular (que deverão ser indicados nos termos anteriormente determinados na alínea c) do nosso despacho de 26/11/2021), e com prévia salvaguarda de que os documentos em causa podem ser remetidos a título devolutivo e ficarão sujeitos a um regime de confidencialidade caso ainda se justifique podendo apenas ser consultados pelas partes e seus mandatários, determina-se a notificação da Controlinvest para, com referência à decisão da AdC no processo CCent nº 4/2013, juntar aos autos os excertos e documentos identificados nas linhas 2, 7, 9, 11, 17, 18, e 19 do Anexo I ao req. probatório da Autora de 30/09/2021.
Prazo: 15 dias.
Remeta cópia do req. probatório da Autora de 30/09/2021 e respectivo Anexo I.
Face à natureza dos documentos que possam vir a ser juntos, deixa-se consignado que doravante o processo apenas poderá ser consultado pelas partes e respectivos mandatários, devendo qualquer outro pedido de acesso ser alvo de despacho prévio.”

8. Por requerimento de 11.7.2022 junto aos autos principais a terceira/recorrente declarou que, para além da decisão da Autoridade da Concorrência (AdC), cuja versão juntou, não possuía os restantes documentos relativos ao processo Ccent. 4/2013, cuja junção aos autos lhe foi ordenada, indicando, além do mais, os seguintes motivos justificativos:
“(...) 6. A (anterior) holding do grupo Controlinveste (Controlinveste, SGPS, SA) foi objeto de liquidação em processo de insolvência, conduzindo à dissolução do grupo Controlinveste, e reorganizadas as atividades que se mantiveram, designadamente através da constituição de uma nova empresa exterior ao anterior grupo (a Olivemedia) e reestruturação da Olivedesportos, SGPS, SA, e para as quais transitaram parte das atividades ainda subsistentes.
7. Tanto para deixar claro o que anteriormente já se havia avançado, isto é, (i) o de que não se pode continuar, hoje, a idealizar a “Controlinveste” como o anterior grupo Controlinveste, e (ii) que a Controlinveste Media foi, também, abrangida e afetada por tal profunda reestruturação.
8.A Controlinveste Media é, hoje, uma empresa sem atividade comercial, sem recursos humanos, sem ativos e infra-estruturas, sem servidor(es), sem contas de email, e sem instalações físicas, para além de uma mera sede formal, mantendo-se “viva” apenas e exclusivamente por ainda se acharem pendentes relações jurídico-fiscais que impedem a sua extinção. (...)
12. Isto dito, e mau grado os esforços desenvolvidos durante todo o período concedido pelo Ilustre Tribunal, não foi efetivamente possível reconstituir o acervo documental integral relacionado com o processo Ccent. 4/2013, para além da decisão da AdC em si.
13. Na verdade, foi
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