Acórdão nº 7034/21.0T8PRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-11-28

Ano2022
Número Acordão7034/21.0T8PRT.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo n.º 7034/21.0T8PRT.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho do Porto
______
Nélson Fernandes (relator)
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório
1. Inconformada com a decisão da Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) que lhe aplicou, pela prática de contraordenação p. e p. pelo artigo 15º da Lei nº 102/2009 de 10/09, na coima de € 6.150,00, apresentou a arguida, S..., S.A., impugnação judicial.

Seguindo os autos os seus termos subsequentes, realizada a audiência de julgamento, veio a ser proferida sentença, de cujo dispositivo consta:
“Pelo exposto, julgo o presente recurso improcedente por não provado e em consequência mantém-se a decisão proferida pela Autoridade para as Condições do Trabalho, quanto à condenação dos arguidos (pessoa colectiva e respectivos responsáveis), de forma solidária, pela prática da contra-ordenação p. e p. pelos artigos 15º da Lei nº 102/2009 de 10/09 e 554º do Cód. do Trabalho, na coima de € 6.150,00 (seis mil cento e cinquenta euros) e na sanção acessória de publicidade desta decisão.
Custas pela aqui recorrente – cfr. art. 59º da Lei nº 107/2009 de 14/09.
Após trânsito da presente decisão proceda à aplicação da sanção acessória acima indicada.
Registe e notifique.”

2.. Inconformada, apresentou a Arguida requerimento de interposição de recurso, finalizando as alegações com as seguintes conclusões (transcrição):
1. DA NULIDADE DA SENTENÇA
1.1. Da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão
(A) A sentença recorrida considerou provados factos absolutamente contraditórios entre si, incorrendo, por isso, numa contradição insanável da fundamentação – cfr. art. 410.º, n.º 2, al. b), 1.ª parte, do CPP ex vi art. 41.º, n.º 1, e 74.º, n.º 4, do RGCO e art. 50.º, n.º 4, do RJCOL.
(B) Com efeito, os factos referidos em 5.º e 6.º lugar (“[5] – […] não foi disponibilizado à trabalhadora acima referida calçado de protecção, ou outro, considerado adequado pelos serviços de segurança no trabalho. / [6] - A arguida não identificou nem avaliou todos os riscos previsíveis em todas as actividades da empresa com vista à sua eliminação ou à redução dos seus efeitos, sobretudo quanto ao risco de choque/pancada com objectos; não identificou, nem disponibilizou equipamento de protecção individual considerado adequado e suficiente para a eliminação /redução/ prevenção do risco de choque/pancada com objectos”) contrariam frontal e insanavelmente os referidos em 8.º, 10.º, 12.º, 13.º, 14.º e 15.º lugar (“[8] - As Instruções Operativas da R. preveem que os trabalhadores devem, no âmbito das regras gerais de higiene, segurança e saúde no trabalho, “utilizar calçado adequado ao tipo de trabalho que se realiza (calçado de proteção na manipulação de materiais, calçado antiderrapante em locais molhados, etc.) / [10] - Objetos imóveis e que não se movimentam (tais como mesas, cadeiras, etc.) não representam um perigo, por si só, e existem em todos os espaços. / [12] - Acresce que, antes do sinistro, em 07.05.2015, a Recorrente ministrara formação à trabalhadora AA sobre o sistema de gestão integrado utilizado na Empresa, que versou sobre os perigos, riscos e medidas de controlo associadas ao seu posto de trabalho / [13] - Depois do acidente, em 30.07.2015, a Recorrente ministrou nova formação à trabalhadora AA sobre os cuidados a ter de modo a evitar o choque contra objetos / [14] - A Recorrente organizou ainda uma iniciativa de sensibilização sobre a necessidade de utilização de calçado (próprio) adequado às tarefas a realizar, o que, no caso vertente, passará pela utilização de calçado fechado. / [15] - A sensibilização para a utilização de calçado adequado revela-se como a única medida adequada, necessária e proporcional ao “risco” identificado, pois que, como veremos melhor infra, nenhuma outra medida deveria (ou poderia) ser adotada pela Recorrente”).
(C) Se, por um lado, a sentença considerou que a sensibilização para a utilização de calçado adequado se revela como a única medida adequada, necessária e proporcional ao risco identificado (ponto 15) e que a existência de objetos imóveis não representam, por si só, um perigo que devesse ser acautelado (ponto 10), nunca poderia ter concluído que a Recorrente não identificou todos os riscos da atividade e não forneceu calçado adequado à trabalhadora.
(D) E mesmo que assim se não entendesse, sempre a decisão incorreria em contradição insanável entre a fundamentação e a decisão – cfr. art. 410.º, n.º 2, al. b), 2.ª parte, do CPP ex vi art. 41.º, n.º 1, e 74.º, n.º 4, do RGCO e art. 50.º, n.º 4, do RJCOL, já que, ao concluir que a sensibilização para a utilização de calçado adequado se revela como a única medida adequada, necessária e proporcional ao risco identificado (ponto 15) e que a existência de objetos imóveis não representa, por si só, um perigo que devesse ser acautelado (ponto 10), nunca poderia concluir que a Recorrente violou o disposto no art. 15.º do RJSST por não ter incluído o risco de embate contra objetos na respetiva Matriz e por não ter fornecido calçado adequado à trabalhadora.
1.2. Da condenação por factos diversos
(E) A sentença recorrida enferma de nulidade, já que condena por factos diversos dos descritos na decisão da ACT, nos termos do disposto no art. 379.º, n.º 1, al. b), do CPP, ex vi art. 41.º, n.º 1, e 74.º, n.º 4, do RGCO, e art. 50.º, n.º 4, do RJCOL.
(F) Com efeito, na parte em que mantém a coima aplicada por violação do disposto no art. 15.º, do RJSST, por a Recorrente ter alegadamente permitido “que uma sua trabalhadora estivesse a executar o seu serviço de limpeza envergando calçado manifestamente desadequado”, a sentença proferida afasta-se da decisão proferida pela ACT, que imputou à Recorrente a violação da mesma disposição, mas por não ter sido fornecido à trabalhadora AA calçado de proteção, concretamente, botas de biqueira de aço.
(G) A alteração em causa consubstancia uma alteração não substancial dos factos pois, apesar de dela não resultar uma agravação do mesmo tipo incriminador nem a modificação deste (art. 359.º do CPP), os factos (novos) tiveram relevo na apreciação da causa.
(H) Não tendo sido dado cumprimento ao disposto no art. 358.º do CPP, a sentença proferida enferma de nulidade, e deverá ser anulada nesta parte, concluindo-se pela absolvição da Recorrente.
2. DA SUBSUNÇÃO DOS FACTOS E PRÁTICA DA INFRAÇÃO
(I) Em qualquer caso, mesmo se assim não se entenda, sempre se dirá que a sentença recorrida aprecia incorretamente os factos provados e incorre em erro sobre a interpretação e aplicação do disposto no art. 15.º do RJSST.
(J) Os factos provados sob os pontos 10 e 15 - “[10] - Objetos imóveis e que não se movimentam (tais como mesas, cadeiras, etc.) não representam um perigo, por si só, e existem em todos os espaços. / [15] - A sensibilização para a utilização de calçado adequado revela-se como a única medida adequada, necessária e proporcional ao “risco” identificado, pois que, como veremos melhor infra, nenhuma outra medida deveria (ou poderia) ser adotada pela Recorrente.” – implicam que se considere que a Recorrente não teria de incluir o perigo de existência de objetos e o risco de choque contra os mesmos na Matriz respetiva.
(K) Com efeito, a lei demanda que o empregador identifique os perigos e avalie os riscos de uma determinada atividade reportando-se aos perigos e riscos associados aos componentes materiais do trabalho dessa atividade específica, como resulta das definições de “perigo”, “risco” e “componentes materiais do trabalho”, constantes das als. g), h) e f) do art. 4.º, do RJSST, devendo nortear-se por critérios de razoabilidade e normalidade (cfr., neste sentido, o Acórdão da Relação de Coimbra, de 22.05.2020, Proc. n.º 2403/19.8T8VIS.C1, http://www.dgsi.pt).
(L) Na atividade em causa nestes autos, será, designadamente, o caso da exposição a agentes químicos ou de queda em pavimentos molhados, mas não o embate contra objetos, que não representa um risco específico da atividade de limpeza neste contexto.
(M) Acresce que a medida adequada a prevenir o risco – a sensibilização do trabalhador para a utilização de calçado adequado – já se aplicava na empresa, pois que as Instruções Operativas em vigor previam a necessidade de utilização desse calçado, tendo a trabalhadora sido sensibilizada, antes da ocorrência do acidente, para tal circunstância – cfr. os factos provados referidos sob os n.os 5, 7, 8 ,12 e 15.
(N) Quanto ao facto de a Recorrente ter alegadamente permitido que a trabalhadora executasse a sua atividade com calçado desadequado, refira-se que [i] não resultou provado que a Recorrente tivesse permitido o uso de sandálias, sendo certo que se demonstrou – e resulta dos factos provados –, pelo contrário, que [ii] a Recorrente previa, nas suas Instruções Operativas, a utilização de calçado adequado, tendo inclusivamente sensibilizado a trabalhadora sinistrada para a necessidade da utilização deste tipo de calçado – cfr. os factos provados referidos sob os n.os 5, 7, 8 ,12 e 15
(O) Assim, conclui-se que a sentença recorrida aplicou mal o Direito aos factos provados, não resultando dos mesmos uma violação do disposto no art. 15.º do RJSST, devendo a sentença recorrida ser integralmente revogada, concluindo-se pela absolvição da Recorrente.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, deverá o presente recurso ser julgado provado e procedente e, em consequência, deverá a sentença proferida:
(i) Ser declarada nula por contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão; ou, assim não se entendendo,
(ii) Ser declarada nula na parte em que condenou por factos diversos dos constantes da decisão proferida pela autoridade administrativa e, em qualquer caso,
(iii)
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