Acórdão nº 702/19.8SMPRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 22-02-2023

Data de Julgamento22 Fevereiro 2023
Ano2023
Número Acordão702/19.8SMPRT.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. 702/19.8SMPRT.P1
X X X
Acordam em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

1 – Nos autos de processo comum com intervenção de Tribunal Singular que correu termos no Juízo Local Criminal do Porto, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, foi proferida sentença julgando-se:
“Por todo o exposto, decide-se:
A) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.ºs 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 1, al. b), por referência ao art.º 202.º, al. a), todos do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão efectiva.
B) Condenar o arguido nas custas criminais, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s.”.
*
Não se conformando com a sentença o arguido veio interpor recurso, com os fundamentos constantes da motivação e com as seguintes CONCLUSÕES:
I. Não pode o recorrente concordar com a afirmação do Tribunal a quo de que não há viabilidade face ao percurso criminal do recorrente de lhe ser aplicado o regime de permanência na habitação pois nada nos autos leva a tal conclusão uma vez que falamos de realidade distintas.
II. Considera o recorrente que é hora de experimentar na pessoa do recorrente uma reacção penal diversa da reclusão, uma vez que estamos perante alguém integrado familiar, social e profissionalmente e que indubitavelmente o recorrente não deixaria de aproveitar a oportunidade que decorre da aplicação do regime de permanência na habitação sujeito a vigilância eletrónica.
III. Embora reconhecendo que as necessidades de prevenção geral e especial são grandes, o certo é que nos parece que existem condições para que o arguido possa vir a beneficiar de uma última oportunidade, cumprindo essa pena de prisão nos termos do art°43º do C.P., em regime de permanência na habitação, sujeito a fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.
IV. Tal forma de cumprimento da pena de prisão, poderá vir a satisfazer de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e ao mesmo tempo possibilitar ao recorrente a necessidade de interiorização do mal cometido e da necessidade de consolidar a alteração do rumo da sua vida.
V. É indubitável que estamos perante alguém que teve já condenações anteriores, porém parece-nos que ainda estará a tempo de conhecer uma outra realidade em termos de pena antes de ser encarcerado numa prisão (assente que o cumprimento de uma pena de prisão efectiva será a última “ratio” da política criminal).
VI. Pois que a luta contra as penas curtas de prisão tal mesmo dita.
VII. Será, não o ignora o recorrente, uma derradeira oportunidade que lhe será oferecida de inverter o caminho trilhado.
VIII. E tal pena permitirá ao recorrente, mais uma vez, refletir sobre as sérias e graves consequências que para si advirão se repetir o seu comportamento delituoso.
IX. Além disso, esta forma de se cumprir uma pena de prisão permite que não se quebrem totalmente os laços sociais do recorrente com o filho menor assim impedindo a potenciação do efeito criminógeno particularmente activo nas penas de privação da liberdade de curta duração.
X. Pelo que entende o recorrente, que a sentença recorrida deverá ser revogada no segmento decisório respeitante à pena efectiva de 10 meses de prisão, devendo a mesma ser cumprida em regime de permanência na habitação (por este regime ser, neste caso, o adequado e preferível dentro do leque das penas de “substituição” detentivas disponíveis, sendo essa pena “ainda comunitariamente suportável à luz da necessidade de tutela de bens jurídicos e da estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada”), assim se respeitando as normas dos artigos 43.º, 70.º, 71.º, n.º 1, 50, n.º 1 e 53.º, n.3, todos dos Código Penal.
Princípios e disposições legais violadas ou incorretamente aplicadas:
* Artigos 40.º, 43.º, 50.º, 52.º, 53.º, 54.º, 70.º, 71.º, 72.º, 73.º e 77.º do Código Penal;
Nestes termos e nos mais de direito, que V. Exas. Doutamente melhor suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via disso, ser alterada a, aliás, Douta decisão recorrida, substituindo-a por outra que contemple as conclusões atrás aduzidas, tudo com as legais consequências.
Decidindo deste modo, farão V. Exas., aliás como sempre um ato de INTEIRA E SÃ JUSTIÇA.
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O Digno Procurador Adjunto apresentou contra-motivação, sumariando da seguinte forma:
Desde logo cumpre-nos referir que se considera a douta sentença recorrida se mostra devidamente fundamentada quanto à ponderação e determinação concreta da pena aplicada. Salvo o devido respeito não foram violados nenhum dos preceitos invocados pelo recorrente. Com efeito e dado o elevado número de condenações pela prática de crimes contra o património e de outra natureza (crime de ofensa à integridade física qualificada; crimes de roubo na forma tentada; crimes de roubo simples; crimes de furto simples e qualificado; crimes de condução sem habilitação legal), bem andou o Tribunal a quo em optar pela pena de prisão. Quanto à substituição da pena de prisão, cumpre referir que para aplicação do regime de permanência na habitação é exigido o consentimento do arguido - artigo 43.º n.º 1, do Código Penal. Ora, não tendo o arguido comparecido a julgamento, não foi viável preencher um dos pressupostos necessários para a sua aplicação. Por outro lado, a substituição da prisão por cumprimento em regime de permanência na habitação apenas se mostra ser aplicável, sempre que o tribunal concluir que, por este meio, se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades de execução da pena, tudo nos termos expostos no artigo 43.º, n.º1 do Código Penal.
Acresce que o Tribunal a quo afastou desde logo a sua aplicação por força do exposto no relatório social, ou seja, por causa do arguido não ter uma vida estável, nem ter o necessário apoio familiar. Assim face ao elevado número de condenações, cumpre salientar que para além de não se ter o consentimento do arguido para aplicação do Regime de Permanência na Habitação (RPH), acresce ainda que as exigências de prevenção geral e especial, não seriam alcançadas com a aplicação do regime de permanência na habitação. Parafraseando o douto acórdão da Relação de Évora de 23.Março.2021 podemos ler que : “São requisitos formais para a aplicação do regime de cumprimento na habitação a verificação de qualquer uma das situações previstas nas alíneas do nº 1 do artº 43º e o consentimento do condenado; é requisito material a adequação da pena às finalidades da punição, isto é, só as exigências de prevenção geral e especial podem justificar a opção pelo regime de permanência na habitação. Inferindo-se da matéria de facto assente como provada que o arguido não criou a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e, por isso, devem ser cumpridas, e que é portador de uma personalidade avessa aos interesses tutelado pela lei, não é possível formular um juízo de prognose favorável quanto ao seu comportamento futuro, pelo que a sua pretensão no sentido de cumprir a pena em regime de permanência na habitação não se mostra adequada à satisfação das exigências de prevenção geral e especial e por isso, se impõe o cumprimento da pena em estabelecimento prisional.” Ora, no caso em concreto, não tenho o arguido comparecido em Tribunal para o julgamento, nem demonstrado estar inserido; ou sequer justificado o seu comportamento anterior e posterior, não se mostra possível ao Tribunal efectuar um juízo de prognose favorável em relação ao cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, sendo certo, que as actuais condições se vida conhecidas à data e mencionadas na douta sentença afastam até a sua aplicação.
Pelo exposto, concluímos que a douta sentença recorrida não padece de qualquer vício e fez correcta interpretação e aplicação da lei quanto a aplicação da pena concreta, e, consequentemente, pugnamos pela improcedência do recurso interposto com a manutenção da pena aplicada. Contudo V.ªs Ex.ªs, farão, como sempre Justiça
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Neste tribunal de recurso o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, pugnando pela improcedência do recurso.
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Cumprido o preceituado no artigo 417º número 2 do Código Processo Penal, nada foi acrescentado de relevante.
Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência.
Nada obsta ao conhecimento do mérito.
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II. Objeto do recurso e sua apreciação.

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pela recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar (Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, nomeadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do CPP.

Pretende-se o cumprimento da pena de 10 meses de prisão em regime de permanência na habitação.
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Do enquadramento dos factos.
Da sentença recorrida constam como factos provados os seguintes:
O Ministério Público deduziu acusação para julgamento em processo comum com intervenção do tribunal singular contra o arguido: AA, filho de BB e de CC, natural do Porto - ..., nascido em .../.../1997, solteiro, lavador de carros, residente na Rua ..., Bloco ..., Entrada ..., Casa ..., ... Porto, e titular do cartão de cidadão n.º .... Imputando-lhe a prática, em autoria material e na forma consumada, um crime de furto qualificado p. e p. pelos artigos 203º, nº 1, e 204º, n.º 1, al. b), ambos do Código Penal. Notificado nos termos e para os efeitos previstos no art.º 315.º do Código de Processo Penal, o arguido veio oferecer o merecimento dos autos e invocar factos abonatórios, tendo arrolado testemunhas. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com a presença dos arguidos, que decorreu com observância de todas as
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