Acórdão nº 692/22.0GCSTS.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-07-12

Ano2023
Número Acordão692/22.0GCSTS.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo n.º: 692/22.0GCSTS.P1
Origem: Juízo de Instrução Criminal de Matosinhos (Juiz 3)
Recorrente: Ministério Público
Referência do documento: 17126888



I
1. O Ministério Público impugna, no presente recurso, decisão proferida no Juízo de Instrução Criminal de Matosinhos (Juiz 3) do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, que julgou ilegal a detenção do arguido nos autos, operada com fundamento em mandado emitido por autoridade policial.
2. É esta a factualidade que, de acordo com o Tribunal recorrido, se encontra indiciada nos autos (corrigiram-se as indicações horários, tendo em consideração o teor do auto de notícia constante do processo), ou que resulta dos elementos que lhes estão juntos (designadamente a certidão complementar que se solicitou à 1.ª instância) e que se mostra relevante para a apreciação do presente recurso:
1) No dia 26/11/2022, um sábado, pelas 11 horas e 20 minutos, o arguido deslocou-se ao estabelecimento comercial denominado «A... Unipessoal, Lda.», sito na Rua ..., ..., Trofa, e perguntou à funcionária da loja, AA, se naquele estabelecimento efetuavam gravações em peças ouro, à qual a mesma respondeu negativamente;
2) De imediato, o arguido começou a descrever um suposto medalhão em ouro, tentando negociar a aquisição da mesma peça por parte do estabelecimento em epígrafe, referindo que iria à sua residência buscar o medalhão e que, entretanto, voltava;
3) Volvidos cerca de 30 minutos, ou seja, pelas 11 horas e 50 minutos, o arguido entrou novamente na loja, e aproveitando-se da circunstância da aludida funcionária se encontrar na zona dos escritórios, acedeu ao espaço físico reservado aos funcionários da loja;
4) Ao visualizar a entrada do cliente, a funcionária AA dirigiu-se à zona do atendimento ao público, tendo nesse instante o arguido retirado do bolso do casaco uma faca de cozinha, com cerca de 20 cm de comprimento, sendo o cabo de cor castanha escura, e a lâmina em cor cinzento metal;
5) Ato contínuo, o arguido, empunhando a referida faca, partiu de forma brusca para cima da referida funcionária, dirigindo a faca para a zona do pescoço desta;
6) AA, num instinto de defesa, colocou as mãos em frente da faca para se proteger, tendo sido atingida pela lâmina da faca que lhe provocou ferimentos/cortes ligeiros no dedo polegar da mão esquerda, e no dedo anelar da mão direita;
7) Já no solo, a referida AA pediu socorro, tendo o arguido ordenado, repetidamente, que a mesma se calasse;
8) Subsequentemente, a mesma AA tentou fazer uma chamada telefónica, tendo sido impedida pelo arguido que lhe retirou o telemóvel das mãos;
9) Nesse momento, face à reação da aludida AA e ao facto de se tratar de uma zona com bastante movimento de pessoas, o arguido viu-se obrigado a não dar cumprimento total aos seus intentos, tendo fugido na direção da Rotunda ...;
10) Em circunstâncias não concretamente apuradas, o proprietário de um estabelecimento comercial próximo do mencionado no parágrafo 1), de nome BB, avistou o arguido nos autos na Rua ..., na Trofa, dirigindo-se para a Estação da mesma localidade, tendo disso dado conhecimento ao Posto da Guarda Nacional Republicana da Trofa, pelas 14 horas e 05 minutos;
11) Na sequência da informação recebida, elementos da Guarda Nacional Republicana da Trofa deslocaram-se de imediato para a Estação da mesma localidade;
12) Apercebendo-se da presença dos referidos militares da Guarda Nacional Republicana, o arguido atirou o casaco desportivo, de cor cinzenta, que então trajava, para um caixote do lixo, localizado no interior da estação, de forma a não ser associado à prática dos factos supra descritos.
13) Os aludidos militares da Guarda Nacional Republicana acabaram por abordar e identificar o arguido, tendo então concluído – como referem a fls. 176 dos autos – tratar-se de «indivíduo (…) sobejamente conhecido do efetivo deste Núcleo, pela prática de ilícitos da mesma natureza, tendo inclusive sido detido no âmbito do processo 681/18.9GCSTS, na sequência de uma investigação pela prática de um crime de Roubo»;
14) Depois de os mencionados militares da Guarda Nacional Republicana lhe terem indicado os factos que se suspeitava ter ele praticado, e já descritos, o arguido nos autos assumiu a autoria dos mesmos, tendo, designadamente informado do destino que havia dado ao casaco atrás referido, que foi assim recuperado pelas autoridades policiais, e posteriormente sujeito a apreensão (cfr. fls. 16-17 e 18 e segs. deste apenso e 179 e segs. do processo principal);
15) Para além disso, e sujeito a revista, foi o arguido nos autos encontrado na posse de uma faca de cozinha, com cabo em plástico endurecido, de cor preta, com lâmina de cor cinzento metal, a qual correspondia à arma utilizada no crime em epígrafe (cfr. auto de apreensão de fls.16-17 deste apenso);
16) Com vista à realização de ulteriores diligências de investigação, foi o arguido nos autos convidado a acompanhar os agentes policiais que o abordaram ao Posto da Guarda Nacional Republicana da Trofa, onde foram realizadas diligências de reconhecimento (tudo a que o arguido nos autos acedeu), na sequência das quais foi aquele reconhecido como o autor dos factos atrás descritos (sendo que durante estas diligências esteve o arguido nos autos sempre acompanhado de defensora);
17) Para além disso, militares da Guarda Nacional Republicana visualizaram e analisaram as imagens colhidas a partir do sistema de CCTV existente no estabelecimento comercial mencionado, supra, no parágrafo 1), a partir das quais puderam igualmente assegurar-se que o arguido nos autos era realmente o indivíduo que praticou os factos já descritos;
18) As autoridades policiais elaboraram, então, o relatório constante de fls. 175 e segs. dos autos, onde, designadamente, narraram os factos e diligências atrás descritos e concluíram, a dado ponto (cf. fls. 178 dos autos e, posteriormente, 180):

«Na sequência do explanado foi solicitado ao Exmo. Sr. Comandante de Destacamento, Tenente CC, que na qualidade de Autoridade de Polícia Criminal determinasse a detenção de DD, fora de flagrante delito, nos termos do Art.º257 do C.P.P., tendo em conta os seguintes factos:
- Existe um claro perigo de continuidade da atividade criminosa, tendo em conta os seus antecedentes criminais e policiais e a sua atual situação económica (n. º1 do Art.º 257 do C.P.P.);
- É admissível a aplicação da medida de coação de prisão preventiva ao arguido que pratique o crime em investigação, (alínea a) do n.º 2 do Art.º 257 do C.P.P.);
- Existem elementos fundados do perigo de fuga, dado que o mesmo não possuí residência fixa, encontrando-se temporariamente a residir com um irmão, conforme cota de fls. 56 (alínea b) do n.º 2 do Art.º 257 do C.P.P.);
- Face à hora das diligências, e à urgência das mesmas, seria de todo impossível, esperar pela intervenção de Autoridade Judiciária, (alínea e) do n.º 2 do Art.º 257 do C.P.P.);
[...]
Na sequência do solicitado, o Exmo. Sr. Comandante de Destacamento acedeu à solicitação do signatário, emanando o mandado em questão, (cf. fls. 39 e 40), sendo que em acto imediato se procedeu à detenção do mesmo, conforme Auto de Detenção que segue anexo ao presente Relatório, tendo de acordo com os procedimentos preconizados na lei sido constituídos arguido, nos termos da d) do nº 1 do Art.º 58 do CPP, sendo-lhe explicados os seus direitos e deveres enquanto arguidos, constantes no Art.º 61 do mesmo código. Sendo os mesmos sujeito a Termo de Identidade e Residência nos termos do Art.º 196 do CPP, conforme expediente inerente que se junta
[…]
CONSIDERAÇÕES FINAIS
I. O arguido não desenvolve qualquer atividade profissional, e tem um extenso registo criminal, existindo por isso um claro perigo de continuação de atividade criminosa;
II. O arguido tem antecedentes pela prática dos mesmos crimes;
III. Este tipo de crimes têm provocado grande alarme social nos Concelhos da Trofa e Santo Tirso».

19) Nesse mesmo relatório descreveram as autoridades policiais, a partir de fls. 181 dos autos, os factos que eram imputados ao arguido, procederam à sua qualificação jurídica (um crime de roubo, sob a forma tentada, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 210.º, n.º 2, alínea b), e 204.º, n.º 2, alínea f), ambos do Código Penal: cf. fls. 183) e elencaram toda a prova (documental e testemunhal) que sustentava a reconstrução proposta para os factos em causa no processo:
20) No essencial, é o seguinte o texto do aludido mandado de detenção:

«MANDADO DE DETENÇAO FORA DE FLAGRANTE DELITO
(Nos termos do nº 2 do Artigo 257º do Código de Processo Penal)

Local Rua ..., ... - Santo Tirso, Data 26/11/2022, Hora de emissão 18H15.

A Autoridade de Polícia Criminal CC, Tenente de Cavalaria, Comandante do Destacamento Territorial da GNR de ... em suplência.

A Autoridade de Policia Criminal acima referida, fazendo uso das faculdades previstas pelo nº 2 do Artigo 257º do Código de Processo Penal, de harmonia com o preceituado no Artigo 258º do mesmo Diploma legal, com observância das demais formalidades legais, ordena que seja detido:
[...]

FACTOS QUE MOTIVARAM A DETENÇÃO (alínea c do nº 1 do Artigo 258º do CPP)
A detenção é motivada por haver fortes indícios da prática do crime de Roubo previsto e punido pela b) do n.º 2 do Artigo 210, com referência alínea f) do n.º 2 do Art. 204 do C.P.
O mesmo encontra-se indicado pela prática de 1 crimes de Roubo, NUIPC 692/22.0GCSTS.

A detenção é legalmente fundamentada por se verificarem cumulativamente as seguintes circunstâncias:
- Trata-se de caso em que é admissível a prisão preventiva;
- Existem elementos que tornam fundado o receio de fuga ou de continuidade da actividade criminosa;
- Não é possível, dada a situação de urgência e de perigo na demora, esperar pela intervenção da Autoridade Judiciária.

Mais se ordena que o agente detentor, dê cumprimento ao estatuído no nº3
...

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