Acórdão nº 69/21.4SVLSB.L1-5 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-04-11

Data de Julgamento11 Abril 2023
Ano2023
Número Acordão69/21.4SVLSB.L1-5
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam em conferência na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa


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I–Relatório


1.O Processo 69/21.4SVLSB foi distribuído para julgamento como processo comum ao Juízo Local Criminal de Lisboa (Juiz 1), após acusação do Ministério Público que imputou ao arguido GR, com os demais sinais dos autos, a prática, em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 2º, nº 1, al. ap), 3º, nº 2 al. e), e 86º, nº 1, al. d), da Lei nº 5/2006, de 23 de fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei nº 50/2013, de 24 de julho.

2.Por despacho proferido em 3 de outubro de 2022, foi decidido:

“Da nulidade insanável
Dispõe o art. 276º nº1 do Código de Processo Penal que o Ministério Público encerra o inquérito, arquivando-o ou deduzindo acusação (…).
E de acordo com o art.277º nº1 do mesmo diploma legal, o Ministério Público procede, por despacho, ao arquivamento do inquérito logo que tiver recolhido prova bastante de se não ter verificado crime, de o arguido não o ter praticado a qualquer título ou de ser legalmente inadmissível o procedimento.
Por último dispõe o art.283º nº1 do Código de Processo Penal que se durante o inquérito tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se ter verificado crime e de quem foi o seu agente, o Ministério Público, no prazo de 10 dias deduz acusação contra aquele.
Os presentes autos tiveram início com uma participação datada de 01-10-2021 na qual se dava conta de que o ora arguido, na qualidade de suspeito, se teria dirigido, no dia 29-09-2021, a uma dependência da empresa Gestão do Arrendamento da Habitação Municipal de Lisboa (Gebalis) e que no decurso de uma discussão com um dos funcionários, teria ostentado uma arma de fogo “fazendo questão de a mostrar de forma intimidatória para conseguir os seus intentos”.
Perante o teor desta participação, e com base no relatório da PSP elaborado a fls. 15 a 17 dos autos, o Magistrado do Ministério Público, promoveu, junto do Exmo. Sr. Juiz de Instrução Criminal, a emissão de mandados de busca domiciliária. O que veio a ser deferido.
Ora, quanto àqueles factos, o Ministério Público no despacho de encerramento de inquérito o Ministério Público não se pronuncia.
Dispõe o art. 119º al. b) do Código de Processo Penal que constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que forem cominadas em outras disposições legais, a falta de promoção do processo pelo Ministério Público, nos termos do artigo 48º, bem como a sua ausência a actos relativamente aos quais a lei exigir a respectiva comparência.
A não pronúncia do Ministério Público quanto aos factos denunciados, constitui nos termos da disposição legal citada, uma nulidade insanável.
As nulidades tornam inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aqueles puderem afectar (art.122º nº1 do Código de Processo Penal).
Assim, declaro a nulidade do acto processual de encerramento do inquérito, bem como os trâmites subsequentes dele dependentes.
Deposite.
Notifique.
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Dê a competente baixa.
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Oportunamente, remetam-se os autos aos serviços do Ministério Público.”.

3.–Inconformado com essa decisão, dela interpôs recurso o Ministério Público, pedindo que seja revogada a decisão proferida e substituída por outra que receba a acusação pública deduzida nos autos.

Extraiu o recorrente da sua motivação de recurso as seguintes conclusões:
1ª-O presente recurso vem interposto do despacho proferido a 3/10/22 (refª 419181029) nestes autos que conheceu e declarou uma nulidade insanável de inquérito dizendo que o Ministério Público não proferiu despacho de arquivamento quanto a parte dos factos objeto do inquérito.
2ª-Considerou aquele douto despacho como questão prévia ao recebimento da acusação o facto de o arguido ter exibido uma arma de fogo nas circunstâncias descritas na participação, afirmando estar verificada uma nulidade insanável, prevista no artigo 119º, alínea b) do Cód. de Processo Penal.
3ª-O despacho recorrido não se encontra em conformidade com as normas legais aplicáveis ao caso concreto, tendo procedido a uma incorreta interpretação e aplicação do direito, violando, desta forma, as normas constantes nos artigos 32.º, n.º 5 e 219.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP), 48.º, 53.º, n.º 2, alínea b), 119.º, alínea b), 262.º, 276.º, n.º 1, 283.º, nºs. 1 e 3, alínea c), e 311.º do Código de Processo Penal.
4ª-Dos artigos 48º, 49º, 50º do Cód. de Processo Penal resulta a legitimidade do Ministério Público em processo penal, a quem compete colaborar com o tribunal na descoberta da verdade e na realização do direito, obedecendo em todas as intervenções processuais a critérios de estrita objetividade e, em especial, receber as denúncias, as queixas e as participações e apreciar o seguimento a dar-lhes; dirigir o inquérito e deduzir acusação e sustentá-la efetivamente na instrução e no julgamento (cfr. artigo 53º, n.ºs 1 2 do Cód. de Processo Penal).
5ª-No âmbito do conjunto de diligências de inquérito, o único acto obrigatório de inquérito é o interrogatório do arguido quando aquele corre contra pessoa determinada (artigo 272º, n.º 1 do Cód. de Processo Penal e AUJ 1/2006).
6ª-Da conjugação das normas acima citadas decorre que o Ministério Público é o titular do exercício da acção penal, competindo-lhe promover o processo penal, com as limitações dos artigos 49.º, a 52.º e, em especial, receber as denúncias, as queixas e as participações e apreciar o seguimento a dar-lhes, dirigir o inquérito, deduzir acusação e sustentá-la efetivamente na instrução e no julgamento.
7ª-Daqui decorre que o magistrado titular do inquérito deverá levar a cabo todas as diligências que visem obter prova de um crime e de quem são os seus agentes em ordem à decisão de acusação. As diligências a realizar são decididas de forma discricionária em ordem às respetivas finalidades, sendo que, o único acto obrigatório será o interrogatório de arguido.
8ª-Efetivamente, nos termos que resultam do princípio do acusatório, consagrado no artigo 32.º, n.º 5 da C.R.P., deve existir uma rígida separação entre a entidade que promove o processo penal e que fixa faticamente o seu objecto com vista a sua submissão a julgamento, e a entidade que, de forma imparcial quer com a acusação, quer com a defesa, julga esse mesmo objecto (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 3ª Edição Revista, p. 205 e 206).
9ª-Daqui decorre que, sob pena de total postergação deste princípio, que, apenas haverá falta de promoção do processo por parte do Ministério Público, quando, no plano da legitimidade, não seja esta magistratura a promovê-lo, nomeadamente através da abertura do competente inquérito, ou quando não seja este a deduzir a acusação que lhe compete, designadamente quando estejam em causa crimes de natureza pública ou semi-pública (artigos 48º a 50º do Cód. de Processo Penal, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 9/09/2020, proferido no processo n.º 45/18.4SYLSB.L1-3, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 24/03/2021, proferido no processo n.º 167/18.1T9STS.P1, todos disponíveis em dgsi.pt).
10ª-Conforme decorre da estrutura acusatória do processo penal constitucionalmente consagrada, ao Ministério Público cabe investigar e apreciar toda a factualidade denunciada ou noticiada, dando-lhe o respetivo enquadramento jurídico, caso tenha constituído arguidos e tomar posição expressa quanto a esses arguidos.
11ª-Ora, no caso dos autos, o Ministério Público fê-lo, acusando o arguido após aquele ter assumido a qualidade de arguido, desse modo cumprindo a lei, pelo que, inexiste qualquer nulidade insanável ou nulidade dependente de arguição.
12ª-Assim sendo, tendo o Ministério Público apreciado toda a factualidade que constituía o objeto do processo e subsumido a mesma a um crime de detenção de arma proibida, impunha-se que aquela acusação fosse recebida, nos termos do artigo 311.º do Código de Processo Penal, e fosse proferido despacho nos termos dos artigos 312.º e 313.º do Código de Processo Penal, o que não sucedeu.
13ª-Quanto aos restantes factos que poderiam ter sido praticados pelo arguido, resulta evidente do acima já exposto que não se verifica a nulidade insanável prevista no artigo 119.º, alínea b) do C.P.P.
14ª-Ainda que assim não se entenda, sempre se diria que, uma eventual omissão quanto a eventuais diligências que se reputassem “essenciais para a descoberta da verdade”, poderia levar a uma insuficiência do inquérito, o que, salvo melhor entendimento, implicaria uma nulidade dependente de arguição (artigo 120.º, n.º 2, al. d) do CPP), sendo certo que, uma tal nulidade nunca poderia ser oficiosamente apreciada pelo Tribunal ‘a quo’ no início da audiência de julgamento (artigo 120º, n.º 3 do CPP).
15ª-Em suma, uma vez que foi deduzida acusação por magistrado do Ministério Público contra o arguido como tal constituído nos autos, não se verifica nenhuma nulidade insanável de inquérito por falta de promoção do processo, sendo certo que não cabe à Mmª Juiz de julgamento pronunciar-se sobre as diligências a levar a cabo em sede de inquérito, sob pena de uma violação inaceitável do princípio do acusatório.
16ª-Termos em que, não se verificando nenhuma nulidade de inquérito, deverá o douto despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que receba a acusação deduzida.

4.–O recurso foi admitido, por ser tempestivo e legal.

5.–A defesa do arguido GR, notificada do recurso, não ofereceu resposta.

6.–Neste Tribunal, o Sr. Procurador-Geral Adjunto, teve vista dos autos e emitiu parecer, no sentido da procedência do recurso, com o seguinte teor:
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