Acórdão nº 6863/19.9T9PRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-01-12

Data de Julgamento12 Janeiro 2022
Ano2022
Número Acordão6863/19.9T9PRT.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo 6863/19.9T9PRT.P1
Relatora: Amélia Catarino

Acordam, em conferência, na 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. RELATÓRIO
1. No âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) n.º 6863/19..., a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca …, Juízo Local Criminal …, Juiz …, veio o Ministério Público, recorrer da decisão, datada de 03 de Maio de 2021, que absolveu o arguido AA… da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de Falsidade de testemunho, perícia, interpretação ou tradução, p. e p. pelo art. 360.º, n.º 1 do Código Penal.

Apresenta os fundamentos de recurso que constam da respectiva motivação, com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“1. No âmbito dos presentes autos foi proferida sentença, absolvendo o arguido da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de falsidade de testemunho, perícia, interpretação ou tradução, previsto e punível pelo artigo 360.º, n.º 1, do Código Penal, por que vinha acusado.
2. Na decisão proferida, o Tribunal a quo deu como não provados os factos integradores do elemento subjetivo do tipo, dado existir dúvidas se no momento de alguma das declarações (em janeiro de 2018 ou novembro do mesmo ano) o arguido, ao mentir, estivesse no uso de suas faculdades mentais, dado ter sido sujeito a um internamento compulsivo em agosto de 2018 e a sua postura apresentada em Tribunal.
3. Acresce que o Tribunal a quo entendeu que não restou provado em qual das declarações feitas pelo arguido o mesmo mentiu e “não se fazendo tal prova não se pode afirmar que o agente prestou depoimento falso apenas porque há divergência entre os dois depoimentos prestados, sem que se apure em qual deles o agente mentiu”.
4. A sentença objeto do presente recurso contém um erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal.
5. Não foi realizada prova pericial que confirme uma eventual situação de inimputabilidade do arguido no momento da prática dos factos.
6. Embora o arguido tenha sido sujeito a um internamento compulsivo, entendemos, e com o devido respeito pela opinião contrária, que não basta a comprovação de que agente sofre de uma anomalia psíquica – por mais grave que ela se apresente.
7. Do n.º 1 do artigo 20.º do Código Penal, extrai-se ser sempre necessário determinar, para além da comprovação da doença psíquica, se aquela anomalia é uma tal que impossibilite o agente de compreender a ilicitude do facto no momento da sua prática.
8. E essa determinação, a nosso entender, somente poderá ser feita mediante perícia médica, dado o preceituado no artigo 151.º do Código de Processo Penal.
9. Por seu turno, retira-se do artigo 151.º do Código de Processo Penal que, exigindo-se conhecimentos especiais para análise, o facto somente poderá ser avaliado mediante prova pericial.
10. Por outro lado, o elemento subjetivo dado como não provado pode ser considerado provado com base em inferências a partir dos factos materiais e objetivos apurados e analisados à luz das regras de experiência comum.
11. A testemunha ouvida em sede de julgamento (o agente policial que inquiriu o arguido no ato realizado a janeiro de 2018) deu conta da espontaneidade das declarações do arguido (já que o mesmo respondeu a diversas questões sem grandes hesitações).
12. O arguido foi devidamente advertido do dever de dizer a verdade, sob pena de incorrer em responsabilidade criminal, pelo que sabia que a sua conduta era punida por lei penal.
13. Assim sendo, atenta a prova produzida nos autos, deveriam os factos considerados como não provados ser dados como provados.
14. No que tange à dúvida sobre o momento em que o arguido faltou à verdade aquando da tomada de suas declarações, dos factos provados retira-se que as declarações prestadas pelo arguido são claramente contraditórias entre si, pelo que uma delas exclui forçosamente a outra – resultando, assim, provado que em pelo menos um dos momentos o arguido não disse a verdade.
15. Com efeito, sendo inequívoco que o arguido mentiu numa das declarações, existe prova suficiente para que seja imputado ao arguido a prática do ilícito-típico previsto no artigo 360.º, n.º 1, do Código Penal.
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência:
a) Revogada a decisão recorrida, substituindo-a por outra por outra que julgue provada a matéria factual acima referida; e
b) O arguido condenado pela prática, em autoria material, de um crime de falsidade de testemunho, perícia, interpretação ou tradução, previsto e punível pelo artigo 360.º, n.º 1, do Código Penal, fazendo-se assim a necessária justiça.”

Admitido o recurso, não foi apresentada resposta.

O Exmo. Senhor Procurador Geral Adjunto nesta Relação, na intervenção a que se refere o artigo 416.º do Código de Processo Penal, emitiu parecer arguindo expressamente a nulidade da decisão, porquanto tendo-se suscitado dúvidas insuperáveis acerca da imputabilidade do arguido durante a audiência, o tribunal a quo em lugar de as tentar dissipar mediante a realização de uma perícia psiquiátrica pela Delegação do Norte do …, IP, como lei impõe, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 151º, 159º e 351º do CPP, bastou-se com a sua observação direta da atitude do arguido durante o julgamento e na circunstância de o mesmo, no intervalo entre aqueles dois momentos em que prestou depoimentos contraditórios, ter sido internado compulsivamente, para suportar uma dúvida que considerou insuperável acerca da sua (in)imputabilidade e, estribada nessa dúvida e no princípio do in dúbio pro reo, dar como não provados os factos atinentes ao elemento subjetivo do tipo incriminador, seja quanto à consciência da ilicitude, seja quanto aos elementos intelectual e volitivo do dolo.
Alega que, tal opção judicial, que configura uma verdadeira omissão de diligência legalmente obrigatória, afigura-se antes integradora do vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão, conforme previsto no artigo 410º, n.º 2, al. a), do CPP, cuja verificação, tal como a de qualquer dos outros dois vícios previstos nas suas alíneas b) e d), é de conhecimento oficioso a todo o tempo e por qualquer instância judicial e acarreta a nulidade da sentença, obrigando ao reenvio do processo à primeira instância para novo julgamento na sua totalidade, após realização da perícia médico – legal para aferição da (in)imputabilidade do arguido, por referência aos factos que lhe foram imputados na acusação, em conformidade com
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