Acórdão nº 682/22.2T8AVR-B.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-03-14

Data de Julgamento14 Março 2023
Ano2023
Número Acordão682/22.2T8AVR-B.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo n.º 682/22.2T8AVR-B.P1
Comarca: [Juízo de Comércio de Aveiro (J3) - Comarca de Aveiro]

Relatora: Lina Castro Baptista
Adjunta: Alexandra Pelayo
Adjunto: Pedro Damião e Cunha (vencido)


SUMÁRIO
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - RELATÓRIO
Na sequência da decretação da insolvência de “A..., S.A.”, pessoa colectiva com sede na Rua ..., ..., foi fixado prazo para a respectiva reclamação de créditos.
Entre outros credores, a “B..., S.A.”, o “INSTITUTO DE EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL, I.P.” e vários TRABALHADORES vieram atempadamente reclamar os respectivos créditos.
Decorrido o prazo fixado para reclamação de créditos na sentença de insolvência, o Sr. Administrador da Insolvência veio apresentar a lista definitiva de créditos e, no prazo legal, não foi apresentada qualquer impugnação.
Foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos, com a seguinte parte decisória:
“Pelo exposto homologo a lista definitiva de créditos apresentada pelo administrador da insolvência e em consequência decido graduar os créditos reconhecidos da seguinte forma:
I - Relativamente ao produto da venda do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...12 e descrito na CRP ... sob o n.º ...70 da freguesia ...:
1) Os créditos laborais reconhecidos com privilégio creditório imobiliário especial;
2) Os créditos com privilégio creditório imobiliário reconhecidos ao Instituto de Emprego e Formação Profissional, I.P.;
3) Os créditos comuns, em igualdade de circunstâncias e rateadamente, caso não seja possível a sua plena satisfação, incluindo os acima referidos na parte não coberta por privilégio ou garantia;
4) Os créditos subordinados pela ordem segundo a qual são indicados no artigo 48.º do CIRE.
II – Relativamente ao produto da venda das acções com penhor:
1) Os créditos com privilégio creditório mobiliário geral reconhecidos ao Instituto de Emprego e Formação Profissional, I.P.;
2) Os créditos garantidos por penhor reconhecidos à credora B..., S.A.;
3) Os créditos laborais reconhecidos com privilégio creditório mobiliário geral;
4) Os créditos comuns, em igualdade de circunstâncias e rateadamente, caso não seja possível a sua plena satisfação, incluindo os acima referidos na parte não coberta por privilégio ou garantia;
5) Os créditos subordinados pela ordem segundo a qual são indicados no artigo 48.º do CIRE.
III - Relativamente ao produto da venda das mercadorias que estão na possa da credora C..., S.A. (caso venham a ser apreendidas para a massa insolvente e liquidadas):
1) Os créditos com privilégio creditório geral reconhecidos ao Instituto de Emprego e Formação Profissional, I.P.;
2) Os créditos garantidos por direito de retenção reconhecidos à credora C..., S.A.;
3) Os créditos laborais reconhecidos com privilégio creditório mobiliário geral;
4) Os créditos comuns, em igualdade de circunstâncias e rateadamente, caso não seja possível a sua plena satisfação, incluindo os acima referidos na parte não coberta por privilégio ou garantia;
5) Os créditos subordinados pela ordem segundo a qual são indicados no artigo 48.º do CIRE.
IV - Relativamente ao produto da venda dos demais bens móveis apreendidos para a massa insolvente:
1) Os créditos laborais reconhecidos com privilégio creditório mobiliário geral;
2) Os créditos com privilégio mobiliário geral reconhecidos ao Instituto de Emprego e Formação Profissional, I.P.;
3) Os créditos comuns, em igualdade de circunstâncias e rateadamente, caso não seja possível a sua plena satisfação, incluindo os acima referidos na parte não coberta por privilégio ou garantia;
4) Os créditos subordinados pela ordem segundo a qual são indicados no artigo 48.º do CIRE.”
Inconformada com esta decisão, a Reclamante “B..., S.A.” veio recorrer, tendo formulado as seguintes
CONCLUSÕES:
i. A douta sentença recorrida deve ser revogada, porque nela se fez errada interpretação dos factos e inadequada aplicação do Direito.
ii. O presente recurso é interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo que, face à conjugação dos n.º 1 e 2 do artigo 204.º da Lei n.º 110/2009, de 16 de Setembro com o artigo 333.º, n.º 2, a) do Código do Trabalho e artigos 666.º e 747.º, n.º 1, do Código Civil, entendeu que o crédito garantido reclamado pela Segurança Social deveria prevalecer sobre o crédito garantido por penhor e sobre os créditos laborais.
iii. Por aplicação do artigo 666.º e 749.º do Código Civil, o crédito garantido por penhor prevalece sobre i) o crédito com privilégio mobiliário geral dos trabalhadores (artigo 333.º do Código do Trabalho) e ii) os créditos do Estado por impostos (mencionados na referida alínea a) do n.º 1 do artigo 747.º do Código Civil).
iv. Segundo o n.º 2 do artigo 204.º da Lei n.º 110/2009, o privilégio geral de que goza o crédito da Segurança Social/IEFP,IP “prevalece sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior”.
v. Pela mera aplicação da letra da lei, no confronto – exclusivo – entre um crédito da Segurança Social/IEFP,IP com privilégio geral e um crédito garantido por penhor terá de prevalecer o primeiro.
vi. A solução poderá não ser a mesma quando, na graduação, estejam em concurso outros créditos com privilégio mobiliário geral (in casu, os créditos privilegiados dos trabalhadores e os créditos do Estado por impostos), sob pena de graves e arbitrárias distorções e incoerências jurídicas.
vii. A graduação levada a cabo pelo Tribunal a quo não resolve adequadamente o concurso de credores, especificamente o concurso entre os créditos que gozam de privilégios mobiliários gerais e o crédito garantido por penhor.
viii. Individualmente considerados, o crédito privilegiado dos trabalhadores prevalece sobre o crédito privilegiado da Segurança Social/IEFP,IP (cfr. artigo 333.º, n.º 2, a) do Código do Trabalho e artigo 204.º, n.º 1 da Lei n.º 110/2009) mas cede perante o crédito garantido por penhor (artigo 666.º e 749.º, n.º 1, do CC); o crédito privilegiado da Segurança Social prevalece sobre o crédito garantido por penhor (artigo 204.º, n.º 2 da Lei n.º 110/2009); o crédito garantido por penhor prevalece sobre os créditos dos trabalhadores e sobre os créditos do Estado por impostos (artigo 666.º e 749.º do Código Civil).
ix. Na categoria dos privilégios mobiliários gerais, o legislador conferiu uma força especial aos privilégios laborais, uma vez que estes devem ser graduados antes dos restantes créditos privilegiados, nomeadamente os do Estado e os da Segurança Social/IEFP,IP (artigo 333.º, n.º 2, a), do Código do Trabalho).
x. Todavia, no confronto entre os privilégios mobiliários gerais e o penhor (garantia real) apenas o crédito privilegiado da Segurança Social/IEFP,IP prevalece, por aplicação da norma absolutamente excepcional do n.º 2 do artigo 204.º, da Lei n.º 110/2009, mas já não os privilégios laborais.
xi. Ao conjugar os normativos aplicáveis (n.º 1 e 2 do artigo 204.º da Lei n.º 110/2009, de 16 de Setembro com o artigo 333.º, n.º 2, a) do Código do Trabalho e artigos 666.º, 747.º, n.º 1, do Código Civil) de forma a graduar em primeiro lugar o crédito da Segurança Social/IEFP,IP, em segundo o crédito pignoratício da B..., em terceiro o crédito dos trabalhadores, o Tribunal a quo não interpretou adequadamente a lei.
xii. À luz dos critérios estipulados no artigo 9.º do Código Civil, a unidade do sistema jurídico e a realização da justiça do caso reclamam uma interpretação correctiva-restritiva da norma do n.º 2 do artigo 204.ºda Lei n.º 110/2009, de 16 de Setembro, segundo a qual quando concorram em exclusivo, este privilégio prevalece sobre qualquer penhor, ainda que de constituição posterior.
xiii. Quando concorrem outros créditos com privilégio mobiliário geral (nomeadamente os créditos dos trabalhadores) a prioridade conferida pelo artigo 204.º, n.º 2, da Lei n.º 110/2009, de 16 de Setembro não opera, uma vez que há uma contradição insanável entre todos os dispositivos aplicáveis.
xiv. O princípio da prevalência do penhor sobre os privilégios mobiliários gerais, deve, assim, enformar a decisão a proferir pelo Tribunal, por ser um princípio geral nesta matéria, respeitando-se, ainda, a coerência do sistema jurídico.
xv. Esta é a única solução que: i) Respeita a ordem geral de graduação dos privilégios mobiliários gerais, estabelecida no artigo 747.º, n.º 1, a) do Código Civil, artigo 204.º, n.º 1, da Lei n.º 110/2009 e artigo 333.º, n.º 2, a) do Código do Trabalho; ii) Cumpre os princípios gerais do direito, mormente a natureza real e a característica da sequela do penhor, nos termos dos artigos 666.º do Código Civil; iii) Privilegia o substantivo em relação ao processual, na medida em que respeita o princípio do substantivo, plasmado no artigo 749.º do Código Civil, de que “o privilégio geral não vale contra terceiros, titulares de direitos que, recaindo sobre as coisas abrangidas pelo privilégio, sejam oponíveis ao exequente”, como é o caso do penhor.
xvi. A decisão a quo viola os artigos 9.º
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