Acórdão nº 673/18.8PAOLH.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-03-28

Ano2023
Número Acordão673/18.8PAOLH.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora


Acordam em Conferência na Secção Criminal (2ª subsecção)

I – Relatório

1. No âmbito do processo nº ... da Comarca de ... - Juízo de Competência Genérica de ... - Juiz ..., por sentença proferida em 01/07/2019, transitada em julgado em 31/07/2019, foi o arguido AA, melhor identificado nos autos (fls. 206), condenado pela prática, como autor material de um crime de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152º, nºs 1, alínea b) e 2 do CPenal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão suspensa na sua execução por igual período, subordinada à frequência, com acompanhamento da DGRSP, de programa com vista à prevenção da violência doméstica.

2. No seguimento de incumprimentos por parte do arguido, e na sequência da sua audição a tal respeitante, o Digno Mº Pº, requereu a revogação da suspensão da execução da pena (cfr. fls. 476), sendo que por despacho proferido a 30 de novembro de 2022 foi determinada a prorrogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, pelo período de mais um ano.

3. O Digno Mº Pº notificado deste despacho veio interpôr o presente recurso pedindo a revogação da decisão recorrida, mantendo que a suspensão da execução da pena deve ser revogada, para o que apresenta as seguintes conclusões que extrai da sua motivação: (transcrição)

1)O arguido foi condenado, pela prática de um crime de violência doméstica, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, subordinada à frequência, com acompanhamento da DGRSP, de programa com vista à prevenção da violência doméstica.
2)O arguido não frequentou esse programa e o tribunal a quo prorrogou a suspensão da execução da pena de prisão pelo período de um ano com a condição de o arguido frequentar o aludido programa.
3)Mais uma vez, o arguido voltou a não frequentar esse programa, tendo o tribunal o quo, novamente, decidido prorrogar a suspensão da execução da pena de prisão por mais um ano.
4)Em conformidade com o disposto no artigo 55.º, do Código Penal, “se, durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção”, pode o tribunal: a) fazer uma solene advertência; b) exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão; c) impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção; d) prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.º 5 do artigo 50.º.
5)Em alternativa, pode o Tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 56.º, n.º 1, do Código Penal, revogar a suspensão da execução da pena de prisão, nomeadamente nos casos em que o condenado infringe grosseira ou repetidamente os deveres impostos ou o plano de reinserção social ou comete crime pelo qual venha a ser condenado e revele que as finalidades que estavam na base da suspensão não foram alcançadas, ou ainda, nos termos do n.º 1, do artigo 57.º, do Código Penal, declarar a pena extinta se, decorrido o período da sua suspensão, não houver motivos que possam conduzir à sua revogação.
6)A prorrogação da suspensão da execução da pena de prisão só pode ser aplicada uma única vez.
7)No caso vertente, uma vez que foi já determinada a prorrogação do período da suspensão, fica arredada a possibilidade de ser determinada uma segunda prorrogação, pelo que as hipóteses admissíveis nos presentes autos são a extinção da pena ou a revogação da suspensão com o consequente cumprimento efectivo da pena de prisão em que o arguido foi condenado.
8)O arguido decidiu não frequentar o aludido programa e optou por empreender uma conduta totalmente oposta: em vez de frequentar um programa que o poderia capacitar, de algum modo, para não voltar a incorrer na prática do mesmo ilícito criminal, o arguido decidiu voltar a praticar factos semelhantes, tendo existido nova ocorrência pela prática do crime de violência doméstica e decidiu ainda dedicar-se ao tráfico de estupefacientes.
9)A plena reintegração do arguido passa, necessariamente, pelo cumprimento do regime de prova imposto nos presentes autos e o arguido decidiu, de forma dolosa e sem qualquer arrependimento ou motivo justificativo, não frequentar o Programa para Agressores de Violência Doméstica e decidiu dedicar o seu tempo livre a praticar semelhantes factos e a dedicar-se ao tráfico de estupefacientes.
10)Das declarações do arguido resulta, com total clareza, que o arguido não pretende cumprir esse o Programa para Agressores de Violência Doméstica, focando-se apenas na sua situação laboral e descurando por completo as exigências impostas aos condenados pela prática do crime de violência doméstica.
11)O arguido incumpriu de forma dolosa e consciente o plano de reinserção social e não se arrepende da sua conduta, adoptando um comportamento censurável, uma vez que, de forma intencional, provocou uma situação de incumprimento das imposições subjacentes à suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado.
12)Ao decidir por prorrogar mais uma vez a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, o tribunal a quo violou o disposto nos artigos 55.º, al. d) e 56.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, ambos do Código Penal.
13)No respeito por estas disposições legais, e diante os fundamentos invocados, a decisão a proferir pelo tribunal recorrido apenas poderia ser a decisão de determinar a revogação da suspensão da execução da pena de prisão e, consequentemente, determinar que o arguido cumpra 2 anos e 6 meses de prisão.
14)Deve, assim, ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, determinando-se, consequentemente, que o arguido cumpra 2 anos e 6 meses de prisão.

Vossas Ex.ªs, porém, decidirão como for de
JUSTIÇA

4. O arguido respondeu ao recurso, defendendo a manutenção do despacho recorrido, tendo invocado, em síntese: (transcrição)

1) Nos presentes autos, foi proferida a decisão de prorrogar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, AA, pelo período de mais um ano, com a condição do arguido frequentar o programa com vista a prevenção da violência domestica.
2) O Ministério Publico veio interpor recurso de tal decisão alegando que a prorrogação da suspensão da execução da pena de prisão só é admissível uma única vez.
3) Tendo o Ministério Publico ainda alegado que o arguido incumpriu de forma dolosa e consciente o plano de reinserção social, pelo que, in casu, apenas é admissível a revogação da suspensão da pena de prisão.
4) Nos termos do disposto no artigo 55º do Código Penal: “Se, durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de readaptação, pode o tribunal: a) Fazer uma solene advertência; b) Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão; c) Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de readaptação; d) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de 1 ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no nº 5 do artigo 50º”.
5) Do artigo 55º do Código Penal não resulta qualquer limite ao numero de vezes em que a suspensão da execução da pena pode ser prorrogada, pelo que o facto da suspensão da execução da pena já ter sido prorrogada uma vez, nada impede que o seja novamente.
6) A opção pela revogação da suspensão da execução da pena, só deve ser acolhida, em especial se estiver em causa a pena de prisão, se se verificarem ineficazes ou esgotadas as restantes medidas e o comportamento do arguido se revelar culposo ou gravemente culposo.
7) In casu, não se verificou uma injustificada infração grosseira, ou repetida dos deveres, ou regras de conduta impostos, ou o plano de reinserção social, tendo as condutas omissivas do arguido sido devidamente justificadas.
8) O arguido, apesar das condutas omissivas, justificou a sua conduta, não tendo demonstrado uma total desconsideração para com o programa de prevenção da violência domestica.
9) Atentas as circunstâncias pessoais e profissionais do arguido é, ainda, possível fazer um juízo de prognose favorável, podendo ser alcançadas as finalidades da suspensão, através da prorrogação da suspensão da pena de prisão.
10)Perante os factos demonstrados, a interpretação e análise dos mesmos à luz das normas jurídicas aplicáveis, nada obsta a que a suspensão da execução da pena seja prorrogada uma segunda vez.
11)Devendo, portanto, o recurso interposto pelo Ministério Publico ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão de prorrogar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, AA, pelo período de mais um ano, com a condição do arguido frequentar o programa com vista a prevenção da violência domestica.
POIS SÓ ASSIM SE FARÁ JUSTIÇA!

5. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Ex.ma Senhora Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que alude o artigo 416.º do Código de Processo Penal (diploma que se passa a designar de CPPenal), pronunciou-se no sentido de não ser dado provimento ao recurso, devendo ser confirmada a decisão recorrida[1].
Não houve resposta ao Parecer.

6. Efetuado exame preliminar e colhidos que foram os vistos legais, cumpre agora, em conferência, apreciar e decidir.

II – Fundamentação

1.Questões a decidir

Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que ainda possam ser objeto de apreciação, o âmbito do recurso é dado, nos termos do artigo 412º, nº 1 do CPPenal, pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, nas quais sintetiza as razões do pedido - jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das secções do STJ de 19/10/95 in D.R., I-A de 28/12/95.
Assim, a questão...

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