Acórdão nº 671/13.8TYLSB-I.L1-1 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-01-24

Ano2023
Número Acordão671/13.8TYLSB-I.L1-1
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa,
1. Por apenso aos autos de declaração de insolvência com o nº 671/13.8TYLSB em que foi declarada insolvente a sociedade “N.”, vieram os respectivos credores reclamar os seus créditos.
O Administrador da Insolvência apresentou a sua relação de créditos prevista no artigo 129º do CIRE.
Cumpridos os trâmites legais, foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos em 13/04/2022 (Refª nº 414442764).
Inconformada com esta decisão, no que especificamente se refere à graduação dos créditos garantidos por penhor sobre 5.000 acções, pelo montante de 202.831,02€, veio a credora, “L., S.A.”, interpor o presente recurso, que foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
Termina as respectivas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
A. O crédito da ora Recorrente beneficia e foi reconhecido como crédito garantido por penhor sobre ações representativas do respetivo capital.
B. O penhor é uma garantia real que confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito, bem como dos juros, se os houver, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel, ou pelo valor de créditos ou outros direitos não suscetíveis de hipoteca, pertencentes ao devedor ou a terceiro (art.º 666.º, n.º 1 do CC).
C. Constituindo-se o penhor de valores mobiliários pelo registo na conta do titular dos valores mobiliários, com indicação da quantidade de valores mobiliários dados em penhor, da obrigação garantida e da identificação do beneficiário (art.º 81.º, n.º 1 do Código dos Valores Mobiliários).
D. O penhor é oponível erga omnes, preferindo aos privilégios mobiliários gerais, os quais, não constituindo verdadeiros direitos reais de garantia (de gozo, de aquisição ou de preferência) sobre coisa certa e determinada, devem ceder perante os direitos reais de garantia de terceiros, individualizados sobre bens concretos, sendo graduados depois daquele quanto aos bens empenhados, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 666.º, 749.º, n.º 1 e 822.º, todos do Código Civil.
E. No concurso entre o direito de crédito garantido pelo direito de penhor e o direito de crédito da titularidade de instituições da Segurança Social garantido por privilégio mobiliário geral, atualmente, e após bastante discussão na doutrina e jurisprudência, tem-se vindo a entender que deve graduar-se em primeiro o direito de crédito garantido pelo direito de penhor.
F. Para tal foi relevante o acórdão do Tribunal Constitucional nº 363/02, de 17.9.2002, onde se decidiu, com força obrigatória geral, serem, por violação do princípio da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito democrático consagrado no art.º 2º da Constituição, inconstitucionais as normas contidas nos art.º 2º do Decreto-lei nº 512/76, de 3 de Julho, e 11º do Decreto-lei nº 103/80, de 9 de Maio, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral neles conferido prefere à hipoteca, nos termos do art.º 751º do Código Civil.
G. Tendo presente o princípio da proteção da confiança e da segurança do comércio jurídico, interpretando-se restritivamente a norma do art. 204º e 205º da Lei nº 110/09, de 19 de setembro, há que adotar a regra geral da inexistência de relação ou conexão entre o crédito e os bens que o garantem que os privilégios especiais pressupõem.
H. Também ao nível do Supremo Tribunal de Justiça, mais recentemente podemos notar uma inversão da posição que em tempos foi a maioritariamente adotada, pronunciando-se no sentido da prevalência dos créditos garantidos por penhor sobre os créditos de impostos e da Segurança Social, (Acórdão de 10.12.2009, proc. 864/07.7TBMGR-I.C1.S1; cfr. também acórdãos do STJ de 30.05.2006, proc. 06A1449 e de 08.06.2006, proc. 06B998).
I. Importa, por um lado atentar à natureza dos dois institutos em análise e ao animus do legislador na construção de todo o esquema de garantias: os privilégios gerais, não constituindo verdadeiros direitos reais de garantia sobre coisa certa e determinada, devem ceder sobre os direitos de garantia de terceiros, individualizados sobre bens concretos – como é o caso do penhor.
J. Por outro, ao facto de, em caso de dúvida, a solução ter de ser encontrada com recurso aos princípios gerais: não fornecendo a Lei um sistema coerente, as previsões do Código Civil, que valem como princípios gerais nesta matéria, deverão sempre prevalecer.
K. Como tal, o crédito da recorrente deveria ter sido graduado em primeiro lugar, em exclusivo, para ser pago pelo produto da venda dos valores mobiliários apreendidos.
L. Acresce ainda que, quando para além do crédito pignoratício e do crédito privilegiado da Segurança Social, concorram igualmente créditos laborais (ordenação concursal trilateral), como é o caso, verificando-se uma impossibilidade de conciliação de todas as normais envolvidas, tanto ao nível desta Relação, como ao nível do STJ, se tem entendido que a prevalência do crédito pignoratício saí reforçado, havendo que interpretar restritivamente o art.º 204.º, n.º 2 do CRCSPSS, conforme resulta do recentíssimo Acórdão proferido em 9 de Novembro de 2021 por este Tribunal da Relação de Lisboa – 1.ª Secção, no processo 211/11.3TYLSB-C.L1, e do também muito recente Acórdão proferido em 22 de setembro de 2021 pelo STJ, no processo 775/15.2T8STS-C.P1.S1.
M. Não tendo entendido e decidido conforme exposto, a sentença recorrida fez incorreta interpretação e aplicação ao caso das pertinentes disposições legais, designadamente dos artigos 47.º, 140.º, n.º 2 e 174.º do CIRE, 666.º, 749.º e 822.º do Código Civil.
N. Pelo que, no provimento do presente recurso, deve revogar-se a sentença recorrida e, em sua substituição, ser proferida outra que gradue, relativamente às ações representativas do capital social da “L., S.A.” apreendidas nos autos, em
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