Acórdão nº 666/18.5PAVNG.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-04-19

Ano2023
Número Acordão666/18.5PAVNG.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo n º 666/18.5PAVNG.P1

Relator Paulo Costa
Adjuntos: Nuno Pires Salpico
Paula Natércia Rocha




Acórdão, julgado em conferência, na 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto:


O recorrente M.P. a fls. 297 e ss não se conformando com a decisão proferida na sentença em processo comum do Tribunal Judicial da Comarca de Porto - Juízo Local Criminal de Porto-J7, que nos autos à margem referenciados decidiu:
“Julgar improcedente o pedido de declaração de perda a favor do Estado do valor €1.536,80, nos termos do disposto no artigo 110º, nº 1, al. b) e nº 4 do Código Penal.”, veio recorrer nos termos que ali constam, que ora aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os legais efeitos, concluindo pela forma seguinte (partes relevantes): (transcrição)

“1 - O Ministério Público, nos termos do disposto no art. 110º, nºs 1, al. b), e 4, do Código Penal, em sede de acusação, promoveu, sem prejuízo dos direitos do lesado, a declaração da perda das vantagens obtidas pelo agente que praticou o facto ilícito típico, quantificando essa vantagem.
2 - O tribunal a quo proferiu decisão condenatória optando, no entanto, por não declarar a perda da vantagem patrimonial, uma vez que foi deduzido pedido de indemnização civil por uma das ofendidas, julgado procedente, e não deduzido pela outra.
3 – Sucede que a apresentação e procedência do pedido de indemnização civil não impõem qualquer limite ao confisco das vantagens decorrente da prática de um facto ilícito típico.
4 – A perda da vantagem deverá ser sempre declarada, ela é exclusivamente determinada por necessidades de prevenção do perigo da prática de novos crimes, imposta pelo ius puniendi do Estado, e visa impor uma ordenação dos bens adequada ao direito, restituindo a situação patrimonial do arguido às circunstâncias existentes em momento anterior ao da prática do facto antijurídico.
5 - Questão diversa é a que se prende, a posteriori, com a efectivação do ressarcimento do ofendido/lesado. Caso se declare perdida a vantagem do crime e paralelamente tenha havido vítima prejudicada pela prática do mesmo, a declaração de perda não terá eficácia prática se existir uma equivalência entre , e aquilo que vier a reverter para a vítima do crime, através do pedido de indemnização apresentado, daí que os direitos da vítima sempre estejam salvaguardados.
6 – A declaração de perda das vantagens do crime nunca prejudica o direito indemnizatório do lesado/demandante, nem obriga o arguido ao pagamento sucessivo da mesma quantia.
7 - Donde, ao contrário do sustentado pelo tribunal recorrido na decisão em crise, não há qualquer conflito entre o instituto do confisco da vantagem do crime e os direitos patrimoniais do lesado, ou os direitos do próprio condenado.
8 – Atento o que precede, deveria ter sido declarada a perda a favor do Estado da vantagem patrimonial decorrente da prática do facto ilícito típico, quantificada na acusação, sem prejuízo da satisfação dos interesses do lesado/demandante e de eventuais terceiros de boa-fé.
9 - Ao proferir decisão de sentido inverso, violou a douta decisão em crise o disposto nos arts. 110º, nºs 1, al. b), e 4, e 130º, nº 2, do Código Penal.”

A este recurso ninguém respondeu.

Neste tribunal de recurso a Digna Procuradora-Geral Adjunta no parecer que emitiu e que se encontra a folhas 321 e ss pugnou pela total procedência do recurso.

Cumprido o preceituado no artigo 417º número 2 do Código Processo Penal nada veio a ser acrescentado de relevante no processo.

Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência.

Nada obsta ao conhecimento do mérito.

II. Objeto do recurso e sua apreciação.
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pela recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar ( Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, nomeadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do CPP.


Matéria de direito.

Perda da vantagem patrimonial a favor do Estado e a sua compatibilidade com pedido de indemnização cível.
Deferimento da pretensão do Ministério Público da perda de vantagem patrimonial, obtida com a prática do crime em questão.

Dos factos.

1. Da sentença.
Da audiência de julgamento resultou provada a seguinte factualidade:
Da acusação:
1. Entre o início do ano de 2018 e o dia 14 de Abril de 2018 a arguida AA prestava serviços, enquanto empregada doméstica, a BB, na sua residência sita na Avenida ..., ..., ..., Vila Nova de Gaia, e a CC, na sua residência sita na Rua ..., ..., Vila Nova de Gaia;
2. Por essa razão dispunha de chaves de acesso àquelas residências, às quais acedia livremente nos dias combinados;
3. Aproveitando-se dessa circunstância, e da confiança que já lhe era votada por aquelas, entre dia não concretamente apurado do início do ano 2018 e o dia 14/04/2018, determinou-se a arguida a fazer seus os objectos que serão identificados, pertencentes àquelas, dos quais se apoderou, dando-lhes destino não concretizado e/ou vendendo ou empenhando parte de tais objectos;
4. No que concerne a BB, a arguida apoderou-se, fazendo seus:
a. Do interior do quarto da proprietária, três libras, sendo duas delas meias libras em ouro e na forma de moeda, e a outra, uma libra em ouro em forma rectangular/barra de ouro (valendo cada uma entre os €225,00 e os €250,00); e
b. Um anel de curso de Direito, com rubi (valendo €1.000);
c. Um anel de noivado com diamantes pretos e brancos (valendo €2.000);
d. Um anel de ouro branco com diamantes (valendo €1.500);
e. Uma aliança em ouro (valendo €900);
f. Um anel em prata (valendo €60);
g. Do móvel sito no hall de entrada, num mealheiro ali existente, pelo menos €300 em moedas;
h. Do quarto dos filhos, numa gaveta ali existente, €40 em numerário;
tudo perfazendo o valor total de €6.550,00 (seis mil quinhentos e cinquenta euros);
5. Em momento posterior, a arguida vendeu alguns de tais bens a DD, no estabelecimento comercial por este explorado,
sito na Rua ..., B, ..., Vila Nova de Gaia, recebendo em troca o valor de €300;
6. No caso de CC, a arguida apoderou-se, fazendo seus:
a. Do interior de uma cómoda existente no quarto da proprietária, um anel grosso em ouro (valendo €700); e
b. Um anel grosso em ouro em forma de nó (valendo €800);
c. Um anel fino em ouro com pedra bordeaux (valendo €250);
d. Quatro pulseiras em ouros (valendo €100 cada);
e. Um par de brincos em ouro, em forma de bola (valendo €50);
f. Um par de brincos em ouro ligeiramente trabalhados (de valor não apurado);
g. Dois fios em ouros (de valor não apurado);
h. Um fio em prata com pendente árvore da vida em dourado (valendo €55);
i. Um fio em prata simples (valendo €25);
j. Um colar rígido de prata tipo fita (valendo €60);
k. Um par de brincos de prata com brilhantes (valendo €25), ainda, sem prejuízo dos indicados infra, e no valor total de €2.365,00 (dois mil trezentos e sessenta e cinco euros);
7. Em momento posterior, a arguida AA deu em penhor os seguintes objectos – que foram posteriormente reconhecidos por CC -, na Companhia ..., sita na Praça ..., Porto, recebendo os créditos (líquidos) de €350,98 e €602,71, respectivamente:
a. Duas voltas em ouro de 800 mm tipo aos elos com 11,1 gramas;
b. Uma pulseira em ouro de 800 mm tipo trabalhada com 5,8 gramas;
c. Um anel em ouro de 800 mm com 6,00 gramas;
d. Uma pulseira em ouro de 800 mm c/ pedras vermelhas com 4,4 gramas;
e. Uma volta em ouro com 800 mm tipo batida com 12,5 gramas;
f. Uma cruz em ouro de 800 mm com 2 gramas;
8. A arguida agiu com o propósito concretizado de fazer seus os bens descritos, como fez, apesar de saber que os mesmos lhe não pertenciam, e que agia contra a vontade das suas proprietárias;
9. Representou a possibilidade, de os bens pertencentes à ofendida BB terem valor superior a €5.100,00, com o que se conformou;
10. A arguida agiu livre, deliberada, e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Do pedido de indemnização civil:
11. A arguida encontrava-se a trabalhar na residência da demandante BB, à data sita na Av. ..., ..., há menos de dois meses e a título experimental;
12. Ficava sozinha na residência da ofendida, por ter sido referenciada por uma amiga sua, a aqui também ofendida EE;
13. Nesse período a demandante ofereceu várias peças de roupa à arguida e frequentemente, lhe dava comida para si e para as filhas;
14. A demandante não recuperou quaisquer bens;
15. Recebeu €5.800,00 de DD, valor acordado entre ambos e relativo ao valor aproximado dos bens que lhe foram vendidos pela arguida, a saber o anel de curso e o anel de ouro branco com diamantes, e aos danos morais causados pela conduta daquele;
16. Todavia, desconhece o destino dados aos demais objectos e dinheiro, encontrando-se ainda lesada em, pelo menos, €3.500,00;
17. A ofendida ao aperceber-se do furto ocorrido na sua residência, ficou em pânico, sendo que era já tarde, perto das 23h00m, encontrando-se a ofendida em casa, com os seus dois filhos menores, à data com 6 e 11 anos de idade e um amigo destes com 11 anos, e acompanhada da sua mãe, à data com 73 anos;
18. As crianças ficaram muito assustadas, tendo a mãe da ofendida de ficar com elas toda a noite, acalmando-os, enquanto a ofendida e o seu, à data, ex-marido, FF, foram ao encontro da arguida;
19. A ofendida passou toda a noite a tentar reaver o ouro, tendo falado com DD, tendo ido à PSP com a arguida, a casa desta e efectuado outras diligências, aguardando pelas 7h da manhã para se deslocar ao estabelecimento de DD, a fim de tentar reaver alguns dos objectos, sem
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