Acórdão nº 6643/20.9T8VNG.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 07-02-2022

Data de Julgamento07 Fevereiro 2022
Ano2022
Número Acordão6643/20.9T8VNG.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo n.º 6643/20.9 T8VNG.P1
Comarca do Porto
Juízo de Comércio de V.N. de Gaia (Juiz 6)


Acordam na 5.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto


IRelatório
Em 13 de Outubro de 2020, AA, melhor identificada nos autos, intentou esta acção especial de fixação judicial de prazo contra “N..., L.DA.”, alegando, em síntese, o seguinte:
A sociedade requerida foi constituída entre a requerente e BB por escritura pública outorgada a 11.04.2012, com o capital social de €5.000,00, dividido em duas quotas de igual valor nominal de €2.500,00, de que cada um passou a ser titular, tendo por objeto social a compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, promoção imobiliária, arrendamento de imóveis e construção civil.
Foi a requerente quem, ao longo dos anos, financiou a sociedade requerida para fazer face aos investimentos por esta efectuados e às despesas do seu funcionamento.
Desde 30.04.2012 até 31.12.2019, fez empréstimos à requerida que atingiram o montante de €3.809.950,51, conforme revela o extrato da sua conta de sócia na sociedade, e o retorno foi de, apenas, €149.063,80, pelo que o saldo a seu favor é de €3.660.886.71.
Não são controvertidas a natureza dessas entregas de dinheiro e a obrigação de restituição à requerente do respectivo saldo, mas não foi acordado entre as partes qualquer prazo para a restituição.
Por carta datada de 20.07.2020, que dirigiu à requerida e por esta foi recebida a 21.07.2020, solicitou-lhe o pagamento daquela quantia (€3.660.886.71) no prazo máximo de trinta dias, mas em vão.
Daí a necessidade de fixação judicial de um prazo para o reembolso do que lhe é devido.
Para a fixação desse prazo, deve ser ponderado que a sociedade está paralisada pelo grave desentendimento entre os sócios e que é dona de um considerável património, que pode e deve servir para a satisfação dos seus créditos, pelo que entende como razoável a estipulação de um prazo de 90 dias.
Citada, a requerida apresentou extensíssimo articulado de resposta em que não põe em causa os fundamentos da pretensão formulada pela requerente e, apenas, discorda do prazo por esta indicado para o reembolso.
Alega a requerida que a requerente criou a expectativa séria que só seria reembolsada a muito longo prazo da quantia que aplicou na sociedade, pois que, se não se tivesse incompatibilizado com o sócio BB, estaria muitos e longos anos sem pedir o reembolso de qualquer suprimento.
O Reembolso dos suprimentos no prazo pretendido pela requerente implicará o fim da “N...” nesse mesmo prazo.
Por isso considera que há abuso do direito na actuação da requerente.
Concluiu contrapondo o seguinte:
«Deverá o Tribunal fixar um prazo, para o reembolso dos suprimentos aos sócios nunca inferior a 15 prestações anuais. Ou seja:
a) À Requerente, 15 anuidades de €220.569,48, vencendo-se a 1ª um ano após a decisão da fixação do prazo.
b) Ao sócio BB, 15 anuidades de €3.665,32, vencendo-se a 1ª um ano após a decisão da fixação do prazo.»

A requerente apresentou articulado de resposta em que, além do mais, refuta a imputação de abuso do direito.
Com data de 08.04.2021, foi proferida sentença[1] com o seguinte dispositivo:
«Assim sendo e face ao exposto, decide-se fixar em 9 meses o prazo para a Ré proceder ao reembolso à Autora dos suprimentos por esta última realizados à Ré, no valor de Eur 3.308.542,20 (três milhões, trezentos e oito mil, quinhentos e quarenta e dois euros e vinte cêntimos).»
Inconformada com essa decisão, a requerida dela interpôs recurso com os fundamentos explanados na respectiva alegação e formulou as seguintes conclusões:
«1.- O Tribunal a quo decidiu fixar em 9 meses o prazo para a Ré N... proceder ao reembolso de €3.308.542,20 à sua sócia gerente AA.
2.- Para tal decisão, não fez o Tribunal a quo, a ponderação necessária, prevista no artigo 245º, nº1 do Código das Sociedades Comerciais, segundo o qual “na fixação do prazo o Tribunal terá, porém, em conta as consequências que o reembolso acarretará para a sociedade, podendo, designadamente, determinar que o pagamento seja fracionado em certo número de prestações”.
3.- A Recorrente alegou que os exercícios de 2014 a 2019 foram sempre negativos e que por isso o reembolso de suprimentos, no prazo pretendido pela recorrida implicava o fim da N..., tendo solicitado que fosse fixado um prazo de 15 prestações anuais. Mas o tribunal a quo olvidou em absoluto as condições económico financeiras da Ré e as consequências que o reembolso dos suprimentos acarreta para a sociedade.
4.- o Tribunal a quo decidiu apenas com o alegado pelas partes nos seus articulados, não tendo promovido, para alicerçar a sua decisão, qualquer inquérito à sociedade nem sequer ouviu testemunhas para prova do alegado da Ré na sua contestação.
5.- Não obstante ser um processo de jurisdição voluntária e “nas providências a tomar, o Tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna”. Não estava o Tribunal a quo dispensado de fazer uma melhor ponderação sobre as consequências que o reembolso acarretará para a recorrente e nomeadamente, antes da decisão, deveria investigar livremente os factos invocados pela Recorrente, coligir provas e ordenar inquérito à sociedade, porque tudo lhe seria permitido nos termos do disposto no nº2 do artigo 986 do Código de Processo Civil
6.- O Tribunal a quo, na sua decisão, considerou apenas aos interesses da Autora, não cuidando minimamente das consequências que o reembolso dos suprimentos, em 9 meses, tem para a Recorrente. Decide com este fundamento: “Na fixação do prazo, impõe-se ponderar que a atividade da sociedade está a sofrer um forte revés pelo grave desentendimento entre os sócios, sendo que a mesma é dona de um considerável património, que pode e deve servir para a satisfação dos créditos da Autora”.
7.- Mas o Tribunal a quo, não investigou, e devia tê-lo feito, para saber qual era o valor do património da Ré, se o mesmo era suficiente para o reembolso dos suprimentos, e como ficava a Ré, económica e financeiramente, depois de, em nove meses, vender o património.
8.- O Tribunal a quo, sempre com todo o respeito, de forma não ponderada, diz que a Ré, para pagar os suprimentos à Autora, pode e deve vender o seu património em 9 meses!... Mas não tem qualquer conhecimento sobre o valor real do património da Ré.
9.- É da experiência comum que, para se fazer uma venda a preços justos, o vendedor não pode mostrar pressa na venda. Vender, tudo se vende, mas a que preço!... Se quiser vender depressa, a preço de saldo, vende-se. Mas não é isso que a Autora quererá, no seu próprio interesse.
10.- Mas terá que se considerar que não há só a Autora como credora da Ré. Além de outros credores, o sócio BB também já solicitou à Ré o pagamento de suprimentos no montante de €54.979,81. Não é razoável que, em 9 meses, a Ré venda ao desbarato o seu património, entregue o produto da venda à Autora e, no final, nem ela receberá a totalidade do seu crédito, nem os outros credores verão satisfeitos
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