Acórdão nº 66/22.2PAOVR-B.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-12-14

Data de Julgamento14 Dezembro 2022
Número Acordão66/22.2PAOVR-B.P1
Ano2022
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo: 66/22.2PAOVR-B.P1


Acordam, em conferência, na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

1. RELATÓRIO

O arguido AA veio interpor recurso:
- do despacho que lhe indeferiu a emissão de guias para pagamento da pena de multa; e
- do despacho que lhe indeferiu o reconhecimento de nulidade por omissão de notificação pessoal na revogação de pena de multa e consequente cumprimento da pena de prisão;
o que faz com os fundamentos descritos na respetiva motivação e contidos nas seguintes
“conclusões”, que se transcrevem:
I- O Tribunal, na sequência da promoção do Ministério Público para revogar a pena de multa de substituição em que o arguido foi condenado, por não ter pago aquela, ou ordena a sua audição, ou a sua notificação pessoal, não bastando, apenas, a do defensor oficioso, para querendo se pronunciar, uma vez que tal implica ou pode vir a implicar uma alteração do seu estado para cumprimento de uma pena privativa da liberdade;
II- A falta de audição prévia (ou sua notificação pessoal e não apenas do defensor oficioso) do arguido fere de nulidade insanável a decisão de conversão da pena de multa em prisão subsidiária, implicando tal nulidade (al. c) do Art.119º. Do CPP) a invalidade de todos os atos subsequentes (Artº. 122º. Do CPP);
III- Tendo o arguido juntado aos autos requerimento a pedir a junção de documento da Segurança Social, também, na modalidade de nomeação e pagamento de honorários a defensor, destinado a interpor recurso da sentença e notificado para juntar o comprovativo de tal pedido, pese embora o não tenha feito, deve o Tribunal oficiosamente indagar junto daquele Organismo do estado do pedido de modo a poder certificar-se do trânsito em Julgado daquela decisão;
IV- Na situação dos autos, a manter-se pendente na SS o pedido de proteção jurídica, a Sentença, ainda, não transitou em julgado;
V - A omissão da liquidação da pena de multa não determina a sua imediata revogação e consequente cumprimento da pena de prisão, outrossim, em conformidade com o que dispõe o Artº. 49º nº. 1 do CP, torna-se necessário, ainda, que se não tenha conseguido o seu pagamento coercivo, que tal esteja documentado no processo;
VI- No caso dos autos, apenas, temos nota, na aludida promoção e despacho, que não foi possível o cumprimento coercivo, sem sequer existir nos autos qualquer prova, designadamente, documental ( certidão da respetiva execução) que o demonstre e consequente comprovativo de que o arguido disso foi notificado;
VII- Verificado o não pagamento voluntário ou coercivo da pena de multa e, ainda, mais, no caso, pelo facto de o Tribunal ter concluído que a pena de multa não foi cobrada por se mostrar inviável obter o pagamento coercivo daquele quantitativo pecuniário, tal implicava, forçosamente, que o Tribunal ponderasse a suspensão da execução da pena de prisão e, não, desde logo, o cumprimento efetivo da mesma;
VIII- Depois da realização de tais diligências, deve o tribunal pronunciar-se sobre a conversão da pena de multa em prisão subsidiária (por decisão fundamentada em termos substantivos), sendo que, caso se prove que o não pagamento da multa não se deveu a culpa do arguido, deve o tribunal ponderar a possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão subsidiária ( suspensão subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta), nos termos do preceituado no artigo 49º, nº 3, do Código Penal ( e ainda que o arguido se encontre preso, porquanto a prisão subsidiária suspensa só iniciará a sua execução quando o arguido for restituído à liberdade);
IX- O condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado, sendo que, não nos parece já atual a jurisprudência fixada no Ac. De fixação de jurisprudência nº. 12/2013, pois, com o devido respeito, que o aí concluiu, consubstancia, aliás, uma verdadeira afronta aos princípios da igualdade e proporcionalidade, pois, não compreendemos a razão de um arguido o poder fazer quando tenha sido condenado em pena de multa convertida em prisão subsidiária e o não possa fazer no seu oposto;
X- Afigura-se-nos, pois, que um apego ao elemento literal da lei quando diz ( ... ) a execução da prisão subsidiária e, por conseguinte, afastada a hipótese da prisão como pena principal, consubstancia uma flagrante violação dos direitos liberdades e garantias do condenado, sem que a prevenção geral e especial o justifique.
XI- Eis, pois, que no nosso modesto entender, se mostra violado o nº. 2 do aludido incisivo legal, ao impossibilitar o condenado de evitar a pena de prisão liquidando a pena de multa de substituição da pena de prisão;
XII- Não tendo o Tribunal dado cumprimento ao acima, sumariamente, expendido, violou, de entre os mais, no entender da defesa as normas dos Artº.s 49º. do Código Penal, 113º. Nº. 10, 119º. al. c), 122º. e 491 º. nº. 3 do Código do Processo Penal”
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Por despacho foi o recurso apresentado pelo arguido regularmente admitido a subir imediatamente com efeito devolutivo.
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O Ministério Público (MP) na 1ª instância respondeu à motivação do recurso interposto pelo condenado, pugnando pela sua improcedência e consequente manutenção do decidido.
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Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no qual, acompanhando os considerandos constantes da resposta anterior, pugna pela improcedência dos recursos, com a consequente manutenção das decisões recorridas.
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Na sequência da notificação a que se refere o art. 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, o arguido renovou o teor das suas conclusões de recurso, após o que foi efetuado exame preliminar e, colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
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2. FUNDAMENTAÇÃO
Conforme jurisprudência constante e assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior. Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem de forma condensada as razões de divergência do recorrente com a decisão impugnada,
as questões submetidas ao conhecimento deste tribunal são:
1ª Da nulidade do despacho que reverteu a multa na prisão principal e dos atos subsequentes:
- por falta de prévia audição ou notificação pessoal do arguido;
- por falta de comprovação da impossibilidade de cobrança coerciva da multa;
- por omissão de pronuncia quanto à ponderação da suspensão da execução da pena de prisão previamente à conversão da multa em prisão;
2ª Da não comprovação do trânsito em julgado da sentença condenatória, por se encontrar pendente o pedido de proteção jurídica, na modalidade de nomeação e pagamento de honorários a defensor.
3ª Da possibilidade de pagar a todo o tempo a pena de multa para evitar o cumprimento da prisão principal.
4ª Da execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação
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Com relevo para a resolução das questões objeto do recurso importa,
conhecer as ocorrências processuais relevantes em torno das decisões recorridas:
Por sentença de 10-02-2022, o arguido AA foi condenado nestes autos, além do mais, pela prática, como autor material, de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo art. 347.º, nº1, do Cód. Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão, substituída por 360 (trezentos e sessenta) dias de multa, à taxa diária de 6,00€ (seis euros), perfazendo um total de 2.160,00€ (dois mil cento e sessenta euros).
Por não ter sido paga voluntaria nem coercivamente essa multa, foi por despacho datado de 5/7/2022, Referência: 122598270, determinado que o arguido cumprisse a pena de um ano de prisão, nos termos do art.45º, nº2, 1ª parte, do Código Penal.
Deste despacho não foi interposto recurso, tendo transitado em julgado.
Consequentemente, foram oportunamente emitidos mandados de detenção, com vista ao cumprimento, pelo arguido, daquela pena.
Na sequência da detenção, veio o arguido requerer a emissão de guias para pagamento imediato, sustentando-se no disposto no art.49º, nº2, do C. Penal, que dispõe que «o condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado».
Tal possibilidade foi-lhe indeferida, por despacho datado de 13/10/2022 - Refª 123910432
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