Acórdão nº 647/19.1PDAMD.L1-9 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-01-27

Ano2022
Número Acordão647/19.1PDAMD.L1-9
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, em conferência (art.º 419.º, n.º 3, al. c), do C.P.P.), os Juízes da 9.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1 – No Juízo Central Criminal de Sintra - Juiz 3, Processo Comum Colectivo n.º
647/19.1PDAMD, onde é arguido AA, foi imputada a este a prática, em co-autoria e em concurso, de um crime de roubo agravado, p. p. nos termos dos artºs. 210.º, nºs. 1 e 2 e 204.º, n.º 2, alíneas f) e g), de um crime de roubo, p. p. nos termos do artigo 210.º, n.º 1 e de um crime de coacção, na forma tentada, p. p. nos termos do artigo 154.º, nºs. 1 e 2, todos os dispositivos do Código Penal.
Porém, realizado o julgamento, veio o arguido a ser absolvido de todas as imputações criminosas que lhe haviam sido feitas.
Com esta decisão, na parte referente à absolvição do crime de roubo, não se conformou o Ministério Público, razão por que dela interpôs o presente recurso, o qual sustentou na deficiente valoração da prova produzida e na incorrecta interpretação dos artºs. 336.º e 1277.º do Cód. Civil, referentes à “acção directa”, bem como na verificação do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Da motivação do recurso extraiu as seguintes conclusões:
“(...)
1. O presente recurso vem interposto do acórdão proferido no âmbito dos presentes autos, em 06 de Julho de 2021, na parte em que absolveu o arguido AA da prática de um crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1 do Código Penal.
2. Para decidir pela absolvição o Tribunal a quo enquadrou a acção do arguido próxima da figura da acção directa, a que aludem, designadamente, os artigos 336.5 ou 1277.5? do Código Civil, entendendo que, não obstante a desapropriação em questão, não se tem por verificada a “ilegitimidade” da intenção de apropriação, como elemento objectivo do tipo criminal do roubo.
3. A acção directa pressupõe a verificação dos seguintes requisitos, previstos no art.º 336.º do Código Civil:
- a existência de um direito próprio do agente, que ele procura realizar ou assegurar;
- a indispensabilidade do recurso à força, pela impossibilidade de recurso em tempo útil aos meios coercivos normais, judiciais ou policiais, para evitar a inutilização prática do direito do agente;
- não exceder o agente o que for necessário para evitar o prejuízo;
- não importar a acção directa o sacrifício de interesses superiores aos que o agente visa realizar ou assegurar,
e pode ela consistir, como se dispõe no n.º 2 do citado artigo, «na apropriação, destruição ou deterioração de uma coisa, na eliminação da resistência irregularmente aposta ao exercício do direito, ou noutro acto análogo».
4. De acordo com o artigo 336.º do Código Civil, a acção directa exige que o interesse sacrificado não seja superior ao interesse defendido.
5. De salientar que, no vertente caso, o arguido nem sequer se dirigiu ao ofendido DD ou a CC, proprietária do imóvel, solicitando-lhe a entrega das novas chaves, partindo logo para a abordagem do ofendido, colocando-lhe um braço à volta do seu pescoço e apertando-o, desse modo causando-lhe dores (factualidade dada como provada no ponto 2.6).
6. Pelo que, no caso em apreciação, tudo indicia não estar verificada a impossibilidade de recurso em tempo útil aos meios normais.
7. Efectivamente, os factos ocorreram cerca das 16h45.
8. Sendo que o arguido poderia ter recorrido às forças policiais e não o fez.
9. Ou seja, por forma a tutelar um interesse patrimonial, o arguido violou a integridade física do ofendido DD, que nem sequer era o proprietário quer das chaves que lhe foram subtraídas através da força, quer do imóvel que a família do arguido
ocupava, propriedade de outrem a quem não pagavam qualquer quantia a título de renda.
10. Ora, a integridade física pessoal é mais valiosa que o património, pelo que a acção do arguido nunca poderia ser justificada pelo recurso à figura da acção directa.
11. Assim sendo, inexistindo qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, encontram-se preenchidos todos os elementos constitutivos do crime de roubo, pelo qual o arguido deverá ser condenado.
12. Efectivamente, ao contrário do entendimento tido pelo Tribunal a quo, tem que se ter por verificada a “ilegitimidade” da intenção de apropriação, como elemento objectivo do tipo criminal do roubo.
13. Pelo que o Tribunal a quo, ao não condenar o arguido AA por este tipo de crime violou o disposto no art.º 210.º do Código Penal.
14. Concluindo-se pela prática, por parte do arguido, do crime de roubo previsto e punido no artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal, impõe-se a aplicação da respectiva pena.
15. Face ao exposto, entende-se que o segmento decisório do acórdão que absolveu o arguido da acusação contra si formulada pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal deve ser revogado e substituído por outro que o condene pela prática do referido crime.
16. No entanto, o Tribunal “a quo”, ao proferir decisão absolutório, não curou de apurar dos factos relevantes para a determinação da sanção, não havendo relatório social do arguido junto aos autos.
Pelo que, julgando-se procedente o presente recurso, na ausência de relatório social e face ao vício de insuficiência da matéria de facto provada, prevista no artigo 410.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Penal, com as consequências previstas no artigo 426.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, deverá o processo ser reenviado para novo julgamento restrito à matéria da escolha e determinação da pena (arts.º 426.º e 426º-A do CPP), envolvendo o apuramento (apenas) dos factos relativos à personalidade do arguido, às suas condições pessoais e económicas. (...)”
*

O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito não
suspensivo.
*
Notificado da interposição do recurso, não apresentou o arguido qualquer “resposta”.
*
Neste Tribunal o Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu “parecer”, também, no
sentido da procedência do recurso.
*
Mantêm-se verificados e válidos todos os pressupostos processuais conducentes ao
conhecimento do recurso, o qual, por isso, deve ser admitido, havendo-lhe, também, sido
correctamente fixados o efeito e o regime de subida.
*
2 - Cumpre apreciar e decidir:
É o objecto do presente recurso, à luz da motivação do recorrente, a deficiente
valoração da prova produzida e a incorrecta interpretação feita pelo tribunal “a quo” da figura
da “acção directa”, prevista nos artºs. 336.º e 1277.º do Cód. Civil, bem como a verificação do
vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Realizado o julgamento e na parte em que a mesma releva para o conhecimento do
objecto do recurso, foi a seguinte, em termos de matéria de facto, a decisão recorrida:
“(...)
2. Fundamentação
2.1. Matéria de facto provada
Da relevante para a discussão da causa, resultou provada a seguinte matéria de
facto:
I. - 4-9-2019 -
1.1. Em 4-9-2019, cerca das 00H30, quando se encontrava no Bairro da Cova da
Moura, Amadora, no seu veículo automóvel Peugeot 308, de matrícula XXXXXX, BB foi abordado por um indivíduo, que lhe pediu boleia e que ele conduziu pelo interior desse Bairro, até ter chegado a um local onde
...

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