Acórdão nº 642/21.0GBSSB-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-06-28

Data de Julgamento28 Junho 2023
Ano2023
Número Acordão642/21.0GBSSB-A.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:



I. RELATÓRIO


A –
Nos presentes autos de Processo Comum Singular, com o nº 642/21.0GBSSB-A, correm termos no Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Juízo de Competência Genérica de Sesimbra - Juiz 2, por decisão judicial datada de 10 de Março de 2023, foi decidido alterar a medida de coacção aplicada para prisão preventiva ao arguido AA, filho (…) Azeitão e, actualmente em prisão preventiva à ordem dos presentes autos, desde 10-03-2023.

Inconformado com esta decisão, que determinou a sua sujeição à medida de coacção de prisão preventiva, dela recorreu, o arguido aa, extraindo da respectiva motivação de recurso as seguintes (transcritas) conclusões:

1. O tribunal “a quo” proferiu despacho decretando ao arguido a medida de coação de prisão preventiva e proibição de contactos com a vítima.
2. O tribunal “a quo” fundamentou a sua decisão, com o perigo da continuação da actividade criminosa, face ao seu descontrolo emocional e que o facto de ter dado entrada numa clínica de reabilitação não altera esse perigo, ademais foi expulso da mesma por comportamento agressivo.
3. Mais refere que os familiares não autorizaram o cumprimento da obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica e que esta medida de coação não pode ser cumprida em instituição por não configurar uma habitação e que o mesmo não padece de anomalia psíquica.
4. O arguido consome drogas desde os 17 anos de idade.
5. Consumo que conduziu a uma anomalia psíquica, conforme consta da perícia forense realizada ao arguido e junta aos autos.
6. Pese embora o arguido seja toxicodependente e padeça de anomalia psíquica, tal não torna o arguido inimputável, mas diminui a sua culpa.
7. O arguido adoptou estes comportamentos não conformes ao direito por estar sobre o efeito das drogas, caso contrário jamais o teria feito.
8. Foi a toxicodependência que esteve na base de todo este seu comportamento, uma vez que estando sob o efeito de drogas o arguido estava mais impulsivo, frágil emocionalmente, mais vulnerável psicologicamente, com falta de controle mental e sobretudo o seu problema psiquiátrico.
9. O arguido tem feito um esforço para se tratar, embora com muitas recaídas e retrocessos, este não é um caminho fácil.
10. O arguido iniciou um programa terapêutico de recuperação na associação vale da Acôr em 1 de Fevereiro de 2023, com previsão terapêutica entre 12 a 18 meses.
11. O arguido foi expulso ao fim de 27 dias porque se envolveu numa altercação com outro utente, mas cujos pormenores se desconhecem.
12. No dia 8 de Março o arguido ingressou noutro centro terapêutico em Abrantes, “Projecto Homem” e onde estava aquando da aplicação da medida da qual se recorre, o que demonstra o seu interesse em ser tratado.
13. O arguido foi retirado desse centro para ir para o Estabelecimento Prisional de Setúbal.
14. Ao aplicar a prisão preventiva, o tribunal “a quo” não teve em conta o problema de adição do arguido e o seu problema psiquiátrico, impedindo-o de fazer o tratamento que tanto necessita.
15. Ao aplicar esta medida de coação, o tribunal “a quo” não teve em conta a necessidade, adequação e proporcionalidade que esta medida de coação requer.
16. Ademais, subsumindo os factos ao crime em causa, não é aplicada ao mesmo uma pena de prisão superior a 5 anos, pelo que não estava verificado este requisito, nem tampouco se encontram preenchidas as restantes alíneas do artigo 202º do CPP.
17. Mas ainda assim sempre se dirá que, de entre o leque das medidas de coação existentes, existe também o tratamento médico, em regime fechado, que se encontra previsto na alínea f) do nº 1 do artigo 200º e 201º nº 1 segunda parte, ambos do CPP.
18. O artigo 201º nº 1 do CPP estabelece a obrigação de permanência na habitação ou em instituição adequada a prestar apoio social e de saúde, com a utilização de meios técnicos de controlo à distância.
19. O artigo 200º alínea f) do CPP também estabelece como proibição e imposição de condutas, o tratamento da dependência de que o arguido padeça e haja favorecido a prática do crime, em instituição adequada.
20. Ambos os artigos preveem a possibilidade de aplicar ao arguido uma medida de coação de internamento com tratamento, que acautela também a proibição de contactos com a vítima.
21. Com esse tratamento o arguido vai ser melhor reintegrado na sociedade, o que atenua as necessidades de prevenção especial, pois vai fazer com que o arguido se liberte da toxicodependência ou consiga de algum modo atenuar a presença da mesma na sua vida, assim iniciando ou retomando o caminho dos valores do direito e da vida em sociedade.
22. No estabelecimento prisional o arguido não consegue a sua cura nem a sua integração na sociedade, até porque não é feito ao arguido qualquer tratamento para a toxicodependência, assim como também não é acautelada a toma da medicação adequada ao seu quadro clínico.
23. Desde que entrou no estabelecimento prisional o arguido ainda não foi visto por um médico psiquiatra nem ministrada a medicação de que necessita.
24. O arguido necessita urgentemente de tratamento e só numa instituição vocacionada para o efeito consegue a desejada cura.
25. Assim, e por tudo quanto supra se expendeu, deve ser revogado o despacho que aplicou a prisão preventiva ao arguido, com substituição desta por medida menos gravosa, designadamente, permanência na instituição de reabilitação, sujeita a controlo eletrónico.
Com tais fundamentos e demais de Direito, contando-se com o douto suprimento de V. Exas, deve ser dado provimento ao presente recurso e, assim, far-se-á a costumada Justiça.

Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 413º, do Código de Processo Penal, o Ministério Público, pronunciou-se no sentido da improcedência, concluindo por seu turno, (transcrição):

1. Por sentença proferida em 10-02-2023, ainda não transitada em julgado, foi o arguido condenado pela prática, além do mais, de 1 (um) crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº 1, alínea b), 4 e 5 do Código Penal na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão efetiva e, ainda, nas penas acessórias de proibição de contactos com a vítima pelo período de 1 (um) ano e 6 (seis) meses (cfr. artigo 152º, nº 4 do Código Penal) e na pena acessória de frequência de um programa de violência doméstica, a indicar pela DGRSP (cfr. artigo 152º, nº 4 do Código Penal).
2. Na sequência da emissão de mandados de detenção pela Meritíssima Juiz do Tribunal a quo foi o arguido submetido a interrogatório judicial no pretérito dia 10-03-2023.
3. Na sequência da realização do interrogatório judicial o Tribunal a quo, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 191º a 196º, 200º, nº 1, alínea a), 202º, nº 1, alínea a) e 204º, alínea c) todos do Código de Processo Penal, determinou que o arguido aguardasse os ulteriores termos do processo sujeito às seguintes de coacção:
- Termo de identidade e residência já prestado nos autos;
- Prisão preventiva; e
- Proibição de contactos com a vítima, vedando-se qualquer comunicação com aquela, seja direta ou por interposta pessoa, e independentemente do meio utilizado (presencial ou à distância, verbal ou escrito, englobando, naturalmente, o envio de mensagens, públicas ou privadas, através de qualquer rede social e, bem assim, a realização de publicações que visem a transmissão de informação à Ofendida).
4. Inconformado com a decisão do tribunal a quo que lhe aplicou a medida de coacção mais gravosa, o arguido veio recorrer da mesma alegando que o crime de violência doméstica não admite a aplicação de prisão preventiva e pugnou pela aplicação, em sua substituição, de uma medida de coação menos gravosa, designadamente, permanência na instituição de reabilitação, sujeita a controlo electrónico.
5. O arguido, ora recorrente, não contesta a existência de um concreto perigo de continuação da actividade criminosa verificado pelo Tribunal a quo que justificou o agravamento do seu estatuto coactivo.
6. Diversamente do que alega o recorrente, não é verdade que o crime pelo qual o foi condenado não admite a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva.
7. Com efeito, o crime de violência doméstica, p. e p. nos termos do artigo 152º, nº 1, alínea b), do Código Penal com pena de prisão de 1 a 5 anos integra o conceito de criminalidade violenta, nos termos do artigo 202º nº 1, alínea b) do Código de Processo Penal e artigo 1º, alínea j) do mesmo diploma. Da leitura último preceito normativo convocado, retira-se que cabem no conceito de criminalidade violenta as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos. Em consequência, é forçoso concluir que o tipo legal em causa, admite a aplicação da medida de coacção mais gravosa, devendo, em consequência, improceder a posição do recorrente.
8. Acresce que após a prolação da sentença, conforme resulta da factualidade contida no despacho de aplicação da medida de coacção, o arguido contactou não só a ofendida, mas também, com outras testemunhas que depuseram em audiência de julgamento, culpabilizando-as da pena que lhe foi aplicada nos presentes autos e até dirigindo-lhes ameaças de morte.
9. Andou bem o Tribunal a quo quando refere os factos ora elencados consubstanciam, sem margens para dúvidas, a continuação das perseguições que caraterizaram o ilícito de violência doméstica praticado pelo Arguido na pessoa de BB. Sinalizam, portanto, a efetiva continuação da atividade criminosa cometida no decurso do trânsito em julgado da sentença proferida nestes autos e denunciam a ineficácia da medida de coação de termo de identidade e residência aplicado em sede de sentença. Ora, o descontrolo
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