Acórdão nº 634/12.0TXCBR-L.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 24-01-2024

Data de Julgamento24 Janeiro 2024
Ano2024
Número Acordão634/12.0TXCBR-L.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (COIMBRA (JUÍZO DE EXECUÇÃO DE PENAS – J2))


Relatora: Cândida Martinho
1.º Adjunto: João Abrunhosa
2.ª Adjunta: Maria José Guerra

Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra

I- Relatório

1.

No Tribunal de Execução de Penas ... correm termos os autos para apreciação do pedido de adaptação à liberdade condicional do condenado AA, nos quais, por despacho de 19 de setembro de 2023, foi negada tal possibilidade.

2.

Inconformado com o decidido, veio o condenado interpor o presente recurso, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões, que se transcrevem:

“1. Ainda que tendo vindo a ser admitidos e objecto de decisão pelos Tribunais Superiores, de entre os quais o Tribunal da Relação de Coimbra, recursos interpostos de decisões dos Tribunais de execução das Penas sobre a exacta mesma matéria, sempre se consigna que, sendo, para mais, os artigos 399º e 400º (a contrario) do Código de Processo Penal claros quanto à admissibilidade do presente recurso, interpretação e aplicação do artigo 188º e/ou do artigo 235º do CEPMPL no sentido de não se admitir, enquanto direito próprio do recluso visado, poder recorrer de decisão de não concessão de período de adaptação à liberdade condicional, prevista no artigo 62º do Código Penal, representam violação dos artigos 20º, n.ºs 1 e 2, 32º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa e, mais ainda, dos artigos 10º e 11º, n.º 1, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, do artigo 6º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos; do artigo14º, n.º 1, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos; e ainda dos artigos47º e 48º, n.º 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

2. O direito a assistência jurídica efectiva do recluso aquando da realização do conselho técnico, permitindo-lhe conhecer as suas concretas avaliação e motivação, e assegurando-se plenas garantias de defesa, incluindo a possibilidade de efectivo exercício do direito de recurso, num processo que se exige pautado por equidade processual, não é arredado, antes muito pelo contrário, pelo que se prevê nos artigos 6º, 7º, alíneas l) e n), e nos artigos 174º, n.º 2, e 175º, aplicáveis ex vi artigo 188º, n.º 6, todos do Código de Execução das Penas e das Medidas Privativas da Liberdade, sendo a privação daquele direito e garantias elementares ditos mínimos incompatível com o que se consagra na Constituição da República Portuguesa e em instrumentos normativos europeus e internacionais de exigidos respeito e aplicação no (e pelo) Estado Português, e, inclusivamente, já na senda e à semelhança de entendimento em que se sustentou condenação de Portugal por violação do artigo 6º, n.ºs 1 e 3, alínea c), da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

3. São não só ilegais, com a cominação da nulidade ao abrigo do disposto no artigo 119º, alínea c), do Código de Processo Penal, como inconstitucionais e afrontosas do que são direitos humanos, reconhecidos enquanto tal, interpretação e aplicação do artigo 174º e 175º, ex vi artigo 188º, n.º 6, do Código de Execução das Penas e das Medidas Privativas da Liberdade, no sentido de se privar o recluso de assistência jurídica efectiva e, assim, de plenas garantias de defesa, incluindo o expediente fundamental do recurso, sem que seja garantida a devida equidade processual, por violação dos artigos 18º, 20º, n.º 4, 32º,n.º 1, e 208º da Constituição da República Portuguesa, e ainda dos artigos 10º e 11º, in fine, da Declaração Universal dos Direitos Humanos; do artigo 6º, n.ºs 1 e 3º, alínea c), da Convenção Europeia dos Direitos Humanos; do artigo 14º, n.ºs 1 e 3, alínea d), do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos; e dos artigos 47º § 2 e 48º, n.º 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

4. Vistos os relatórios da Técnica dos Serviços Educativos e do Técnico dos Serviços de Reinserção Social, de ambos se extrai mesmo exemplaridade por parte do ora Recorrente a todos os níveis, considerados tanto os próprios propósitos por que foi norteada a aplicação e medida da pena e, bem assim, os pressupostos de concessão de período de adaptação à liberdade condicional, constatando-se, contudo, que o primeiro é visivelmente contraditório atento tudo o que é reportado e vista a conclusão, e no segundo fazendo-se uso de argumento, a final, que não é atendível no momento actual, pelo que também incoerente e contraditório entre o que é reportado e o que vem o Sr.Técnico dos Serviços de Reinserção Social invocar, para unicamente assim sustentar ali o seu parecer, de forma desfasada da actualidade e do caso concreto.

5. No caso do ora Recorrente, foram aferidos um “arrependimento genuíno” e a interiorização, com autocrítica, da sanção, mas, ainda assim e a contrario do que se pretende com a própria adaptação à liberdade condicional, como prevista e admitida no artigo 62º do Código Penal em prol da própria ressocialização do recluso e em prossecução vincada deste propósito, entendeu-se que deverá o mesmo continuar privado da liberdade afecto a um estabelecimento prisional, como se da permanência em meio prisional, mediante reclusão até potencialmente nociva se para além do tempo visto necessário, adviesse mais e melhor do que o que lhe é propiciado mediante período de adaptação à liberdade condicional, junto da sua companheira e dos seus dois filhos menores, demonstrado que está ser mais do que justificado e adequado no caso (e, precisamente, para casos como o do Recorrente).

6. Para além do que se afigura ser falta de plena noção do que se visa com o antecipação da liberdade condicional, mediante período profícuo e até aconselhável de adaptação a este instituto, como previsto e admitido no artigo 62º do Código Penal, ainda se constata no relatório do Técnico dos Serviços de Reinserção Social, e reflectido na decisão recorrida, estigma do recluso por força de um passado já muito longínquo, padecendo tal parecer, a final, de alheamento da actualidade e do que deverá estar sob ponderação, a título de pressupostos e requisitos para efeitos do requerido e que, atento o relatado –extremamente positivo a todos os níveis -, claramente se verifica no caso do Recorrente

7. Sendo esse o argumento do Técnico dos Serviços de Reinserção Social, e também o fundamento para a decisão de não concessão de período de adaptação à liberdade condicional, se é verdade que o recluso vivenciou uma outra única reclusão há 10 anos atrás(há uma década atrás),importa, então, também com rigor e em elementar justiça atentar-se em que os factos porque foi anteriormente punido com pena de prisão suspensa na sua execução remontavam (e remontam) a 2006, quando tinha apenas 18 anos de idade, não se estando, de forma alguma, em face de reincidência como prevista no artigo 75º do Código Penal (como se extrai do Acórdão por que foi condenado na pena ora sob cumprimento e execução); e sem que a revogação da suspensão de execução daquela pena de prisão anterior tenha resultado sequer da prática de qualquer crime.

8. Tal como se verifica também face ao que consta da decisão sob recurso e o que unicamente obstou, no entendimento do Tribunal a quo, a que fosse deferido o requerido pelo condenado, visto tudo o que é relatado pelo Técnico dos Serviços de Reinserção Social e que realmente importa à aferição daqueles que são os pressupostos e requisitos de concessão de período de adaptação à liberdade condicional, ao abrigo do já aludido artigo 62º e também 61º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e b), do Código Penal, estão – e até de forma evidenciada – verificados no caso, sendo, de resto, benéfica para o condenado e coadunando-se com a sua plena ressocialização ser-lhe propiciada aquela adaptação junto da sua família nuclear, composta de companheira e dois filhos menores.

9. O Exmo. Senhor Procurador da República – que, estando de turno, não era já (por isso) o mesmo Magistrado que esteve presente na audição do recluso - emitiu parecer de 4 de Agosto de 2023 nos presentes autos, fê-lo, mediante parcas considerações vagas e mediante perceptível lapso, porque de forma desencontrada do que consta do processo e mesmo do que é referido nos relatórios da Técnica dos Serviços Educativos e do Técnico dos Serviços de Reinserção Social, invocando, o Ministério Público, que o “recluso apresenta postura passiva em meio prisional”, como fundamento para não ser favorável à concessão de período de adaptação à liberdade condicional, o que, de forma alguma, corresponde à realidade, tal como relatada e demonstrada nos autos, antes muito pelo contrário, e até nisso o Recorrente revelando, por actos e diariamente, a postura e o sentimento de arrependimento genuíno e de interiorização da sanção que lhe foram efectivamente reconhecidos.

10.Dizendo-se no parecer que o Ministério Público se pronuncia em “em consonância com o Parecer unânime do Conselho Técnico”, a verdade é que tendo sido outro o Magistrado do Ministério Público a estar presente, porque de turno, na realização do conselho técnico de 31 de Julho de 2023, naturalmente que o Exmo. Senhor Procurador que estava de turno no dia 4 de Agosto de 2023 desconhece, por si próprio, o que tenha sido dito e/ou esclarecido naquela diligência, pelo ficando também privado do conhecimento de informações e/ou respostas, para que se pudesse depois, efectivamente e com devido rigor, pronunciar e emitir parecer.

11. Quanto ao que se consigna a título de factualidade no ponto 17 da decisão sob recurso, o ora Recorrente teve uma licença de saída jurisdicional e já duas licenças de saída administrativas, sempre bem sucedidas, tal como o é o seu desempenho e o seu comportamento em RAI nos espaços abertos da Quinta ..., desde 7 de Novembro de 2022 (por decisão de 3 de Novembro de 2022) e não 7 de Novembro do corrente ano de 2023 (data ainda por advir), como seria objectivamente impossível, mas que, por lapso perceptível, se fez constar do ponto 25 da...

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