Acórdão nº 622/22.9GDMFR.L1-5 de Tribunal da Relação de Lisboa, 23-05-2023

Data de Julgamento23 Maio 2023
Ano2023
Número Acordão622/22.9GDMFR.L1-5
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, em conferência, na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório
1. No processo sumário n.º 622/22.9GDMFR, A, melhor identificado nos autos, foi condenado pela prática de um crime de desobediência, previsto e punido pelos artigos 152.º, n.º 1, al. a) e 3, do Código da Estrada, e 348.º, n.º 1, al. a), e 69.º, n.º 1, alínea c), ambos do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de €7 (sete euros), perfazendo a quantia total de € 840,00 (oitocentos e quarenta euros), tendo sido logo ordenado o desconto de um dia de detenção na pena de multa aplicada, nos termos do disposto no artigo 80.º, n.º 1 e 2, do Código Penal, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 1 (um) ano.
2. O arguido recorreu da sentença, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
I
O arguido vem interpor o presente Recurso da douta Sentença que condenou o arguido num crime de desobediência , na Pena de Multa no valor de 833 euros (oitocentos e trinta e três euros, descontado um dia de detenção) e da pena acessória de 1 (um) ano de proibição de conduzir veículos a motor.
II
No dia 27 de outubro de 2022 o arguido numa operação de fiscalização de transito realizada na estrada nacional 247 em Mafra, realizada pela GNR, foi-lhe ordenado que fizesse o teste de despiste qualitativo de álcool através do aparelho Drager Alcotest 6810 tendo feito 4 tentativas todas elas com sopro insuficiente, todavia obedeceu sempre às ordens do militares da GNR, quando foi mandado parar, estacionou logo no local onde podia estacionar, fez várias tentativas para soprar no Drager Alcotest e não tem culpa de que houve sopro foi insuficiente, além disso a testemunha B referiu que o arguido foi sempre colaborante e não consegue afirmar que o sopro insuficiente foi intencional (declarações do arguido e da testemunha). Neste conspecto,
III
O arguido entende que estas afirmações da testemunha, elencadas no artigo anterior, não foram tidas em conta na douta Sentença de primeira instância, são afirmações que indicam que o arguido foi sempre colaborante e a testemunha também não consegue afirmar que o sopro insuficiente do arguido foi dolosamente intencional. Por consequência,
IV
O princípio do in dubio pro reo está posto em causa pois a testemunha ao afirmar que o arguido foi sempre colaborante e ao não conseguir afirmar que o sopro insuficiente foi dolosamente feito, o arguido devia ter absolvido, pois levam à dúvida e em caso de dúvida absolve-se.
V
Ora, o Recorrente por toda a matéria de facto e de direito supra elencada o arguido deve ser absolvido do crime de desobediência em que foi condenado e consequentemente da Pena de Multa no valor de 833 euros em que foi condenado e da sanção acessória de proibição de conduzir veículos a motor por o período de 1 ano.
3. O Ministério Público junto da 1.ª instância apresentou resposta, em que concluiu (transcrição):
1. Da audição da sentença proferida, resulta que o MM.º Juiz a quo, cumpriu a exigência legal de fundamentação conforme dispõe o artigo 389.°-A, do Código de Processo Penal, descrevendo os factos que considerou provados e, seguidamente, descrevendo o raciocínio que o levou a considerar tais factos provados.
2. O raciocínio do Tribunal ao apreciar a prova produzida foi devidamente explicado na sentença e seguiu as regras da experiência e do senso comum, não existindo qualquer anomalia no processo lógico seguido.
3. A circunstância do recorrente entender que o Tribunal não deveria ter dado como provado que o arguido obstaculizou à realização do exame de pesquisa de álcool no sangue, porquanto na sua perspectiva tal não resulta do depoimento do militar da GNR autuante, não fere a sentença de qualquer vício.
4. O que se verifica é que, pura e simplesmente o recorrente discorda da forma como o Tribunal analisou a prova produzida.
5. Nesta sede, há que recordar que, nos termos do artigo 127.°, do Código de Processo Penal, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
6. O princípio constitucional da presunção de inocência (previsto no artigo 32.°, n.°2, da Constituição da República Portuguesa), do qual decorre o princípio do in dubio pro reo apenas prevalece sempre que da apreciação da prova resulte uma dúvida insanável acerca da prática dos factos descritos na acusação. E, tal dúvida, não existiu na mente do Mm.º Juiz a quo, pois que o Tribunal chegou a uma convicção não se vislumbrando da argumentação expendida na sentença qualquer falta de objectividade e lógica na apreciação feita.
7. Por todo o exposto, afigura-se-nos que a decisão encontra-se devidamente fundamentada, sendo inatacável o processo lógico formado pelo Tribunal a quo para chegar à decisão.
4. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que se reporta o artigo 416.º do Código de Processo Penal (diploma que passaremos a designar de C.P.P.), emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º2, do C.P.P., procedeu-se a exame preliminar. Foram colhidos os vistos, após o que os autos foram à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º3, do mesmo diploma.
II – Fundamentação
1. Dispõe o artigo 412.º, n.º 1, do C.P.P., que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
Constitui entendimento constante e pacífico que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2.ª ed. 2000, p. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 2007, p. 103; entre muitos, os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271; de 28.04.1999, CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, p. 196).
Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem de forma condensada as razões de divergência do recorrente com a decisão impugnada, as questões a apreciar são:
- erro de julgamento / violação do princípio in dubio pro reo.
2. Da sentença recorrida
Ouvida a gravação da sentença oralmente proferida (artigo 389.º-A, do C.P.P.), constata-se que o tribunal considerou provados os seguintes factos, no que toca à matéria da acusação:
No dia 27-10-2022, pelas 02:00, o arguido conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros, matrícula ... NA Estrada Nacional 247, Mafra, quando, no âmbito de uma operação de fiscalização de trânsito aleatória da GNR, foi mandado parar.
No âmbito da fiscalização, foi ordenado ao arguido que se submetesse a teste de despiste qualitativo de álcool por ar expirado através de aparelho Drager Alcoteste 6810, tendo-lhe sido explicados os procedimentos para a realização do referido teste.
O arguido efetuou por duas vezes o referido teste, que apresentou resultado "sopro insuficiente".
Foi, então, expressamente advertido pelo Guarda autuante das
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