Acórdão nº 615/13.7PBBRG-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2024-03-19

Data de Julgamento19 Março 2024
Ano2024
Número Acordão615/13.7PBBRG-B.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – RELATÓRIO:

I.1 No âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) nº 615/13...., do Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo Local Criminal de Braga – Juiz ..., no dia 17.03.2023, pelo Exmo. Juiz foi proferido despacho com o seguinte dispositivo (referência ...65):

«Pelo exposto, nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal e sem necessidade de audição prévia do arguido, declaro extinta a pena de prisão aplicada ao arguido AA.»

I.2 Inconformado com tal decisão, dela veio o assistente BB interpor o presente recurso, que na sua motivação culmina com as seguintes conclusões e petitório (certidão para instrução do recurso com referência ...99):

“1.O tribunal recorrido, por despacho proferido em 17 de março de 2023, com data de elaboração eletrónica de 21 de março de 2023, o qual se considera notificado no dia 24 de março de 2023, decidiu:
“Pelo exposto, nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal e sem necessidade de audição prévia do arguido, declaro extinta a pena de prisão aplicada ao arguido AA.”
2.O Assistente/Recorrente não se pode conformar com o despacho proferido, merecendo o mesmo censura, pelo que o recurso versará sobre a matéria de direito, concretamente sobre a extinção da pena de prisão aplicada ao arguido AA, como veremos infra.
3.Antes de mais, importa salientar que a decisão recorrida deveria ser fundamentada, contendo uma exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção, originando que a decisão recorrida padeça de nulidade por violação do n.º 2, do artigo 374.º, 379.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.
4.Ora, a fundamentação das decisões é efectivamente uma exigência constitucional, tal como decorre do disposto no artigo 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa: “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.
5. Ora vejamos, segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira “o dever de fundamentação é uma garantia integrante do próprio conceito de Estado de Direito Democrático, ao menos quanto às decisões judiciais que tenham por objecto a solução da causa em juízo, como instrumento de ponderação e legitimação da própria decisão judicial e de garantia do direito ao recurso. Nestes casos, particularmente, impõe-se a fundamentação ou motivação fáctica dos actos decisórios através da exposição concisa e completa dos motivos de facto, bem como das razões de direito que justificam a decisão (…)” (cfr., Constituição da República Portuguesa Anotada, 2.º Vol., 3.ª ed., Coimbra Editora, págs. 798 e 799 e Magistrados do Ministério Público, Código de Processo Penal Comentários e Notas Práticas, Coimbra Editora, 2009, pág. 951).
6. Sendo que, o despacho recorrido não se encontra, com o devido respeito, fundamentado, nem justifica de forma clara como chegou à decisão de extinção da pena de prisão aplicada ao Arguido, o que significa que estamos perante uma insuficiente fundamentação do despacho de que se recorre, determinando que o mesmo seja nulo nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, al. a), com referência ao artigo 374.º, n.º 2, ambos do CPP, cuja nulidade expressamente se argui para todos os devidos efeitos legais.
7.Pelo exposto, entendemos que a DECISÃO RECORRIDA É NULA por violação do
disposto nos artigos artigo 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1 al. a) do Código de Processo Penal (CPP).
8. Por sentença transitada em julgado em 19/02/2018 foi o ora arguido condenado pela prática de um crime de pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, alínea a), e 132.º, n.º 2, alínea h), todos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, sujeita a regime de prova e condicionada ao cumprimento dos seguintes deveres:
a) ressarcir o demandante civil BB do valor ali fixado a título de indemnização civil no montante de 5.000,00€ (cinco mil Euros), no prazo de 18 (dezoito) meses a contar do trânsito em julgado daquela sentença, devendo o arguido disso fazer prova nos presentes autos mediante a junção do respetivo recibo;
b) responder a convocatórias do magistrado responsável pela execução e do técnico de reinserção social;
c) receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência;
d) informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência e de emprego, bem como sobre qualquer deslocação superior a oito dias e sobre a data do previsível regresso;
e) obter autorização do magistrado responsável pela execução para se deslocar ao estrangeiro.
9. Ora, entende o Meritíssimo juiz a quo que não deverá a pena suspensa ser revogada, no entanto não poderemos concordar com tal posição.
10. Na verdade, os presentes autos transitaram em julgado a 19/02/2018, tendo o Arguido o prazo de 18 meses para proceder ao pagamento da quantia de €5.000,00, condição da suspensão da pena de prisão.
11. Sucede que, já decorreram mais de três anos desde a data que o pagamento já deveria ter ocorrido.
12. De facto, conforme decorre expressamente dos presentes autos o Assistente ficou com variados danos não patrimoniais e físicos que condicionam a sua vida.
13. Além disso, avançou o ora Assistente com processo executivo para cobrança coerciva do pedido de indeminização civil, que corre por apenso aos presentes autos, e apenas foi possível penhorar uma conta bancária, sendo possível a restituição ao Assistente da quantia de €1.900,00, valor que não poderá ser somado ao montante pago a título de condição de suspensão da pena de prisão.
14. Até porque o Arguido não detém qualquer bem imóvel ou móvel registado a seu favor, vivendo à margem, propositadamente, pois que é do conhecimento geral que continua a trabalhar e auferir montantes superiores à média. Não sendo possível ao Assistente reaver o valor do pedido de indeminização cível a seu favor.
15. Já que foi um valor cobrado coercivamente e, não um valor pago voluntariamente pelo Arguido no âmbito da referida suspensão.
16. Pelo que, o Arguido procedeu ao pagamento da quantia de €3.925,00, encontrando-se ainda em falta a quantia de €1.075,00, valor que deverá ser cumprido integralmente.
17. Além disso, não consta do processo qualquer relatório social elaborado após os dois anos da suspensão da pena de prisão, o que constitui uma nulidade que se invoca para todos os devidos efeitos legais.
18. Apenas foi o Arguido nada mais tendo o Tribunal a quo requerido no sentido de perceber a situação profissional e económica comprovada do Arguido e do seu agregado familiar.
19. A isto acresce que, apesar do crime por qual o Arguido foi condenado no período de suspensão ter natureza diversa o certo é que o mesmo manteve a atividade criminosa e, tal deverá ser tido em consideração para estes efeitos!
20. Pois uma vez mais o Arguido sai praticamente impune, não tendo sentido qualquer efeito da pena na qual foi condenado e, por essa mesma razão continua a reincidir na prática criminosa, pois que efeitos é que teve o Arguido na sua vida perante o crime no qual foi condenado?
21. Aliás o Tribunal premiou a sua conduta, dizendo, com o devido respeito, já pagaste uma parte, este processo fica resolvido, sumariamente foi isto que sucedeu!
22 Face aos termos do artigo 55º do Código Penal e diante da não obediência do Arguido à condição fixada pelo Tribunal, este poderia ter impulsionado as possibilidades previstas naquele dispositivo legal, nas suas alíneas a) a c), mas não o fez.
23.O Tribunal violou o artigo 51º, n.º 1, alínea a) do C.P., ao não exigir o cumprimento da obrigação em que a sentença condenou o Arguido.
24. O Tribunal deveria ter concluído que o condenado agiu com culpa, inviabilizando a condição de suspensão.
25. O Arguido teve mais de cinco anos para pagar o montante devido ao Assistente, tempo mais que razoável e suficiente, segundo as regras de experiência e para o comum dos cidadãos.
26. São completamente alheias ao Assistente e à Justiça as razões pelas quais o Arguido não dispõe atualmente daquela quantia, nem podem tais circunstâncias relevar para efeitos de extinção da pena.
27. A conduta do aqui Arguido revela manifestamente um elevado e especial grau de culpa no não cumprimento da condição da suspensão da pena.
28. O Tribunal, com o despacho ora em crise, violou claramente as finalidades de prevenção criminal e punição que levaram à aplicação da pena ao Arguido, as quais se mostram frustradas em virtude daquele.
29. O Tribunal fez um juízo erróneo da aplicação do preceito vertido no artigo 56.º, n.º 1, alínea a) do CPP.
30. O Tribunal violou o disposto no artigo 57º, n.º 1 do C. Penal, pois, existem motivos que necessariamente teriam de conduzir à revogação da suspensão da pena. Deverão tais motivos ser ponderados e deve a suspensão da pena ser revogada, tornando-se efetiva e devendo o Arguido ser condenado a cumpri-la.
31. Assim, parece-nos que existem fundamentadamente um circunstancialismo que leve à revogação da suspensão da pena de prisão, ou caso, assim não se entenda, não poderá a referida pena ser declarada extinta pelo cumprimento, pois que o cumprimento apenas ocorre quando o Arguido proceder ao pagamento integral da quantia de €5.000,00, o que efetivamente ainda não sucedeu, devendo o prazo de suspensão ser prorrogado pelo período necessário ao cumprimento integral do referido pagamento, devendo assim o despacho recorrido ser alterado nessa conformidade.

TERMOS EM QUE, deve o presente recurso ser julgado totalmente provado e procedente, e, em consequência, ser revogado o despacho recorrido...

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