Acórdão nº 612/22.1T8CTB.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2023-05-16

Ano2023
Número Acordão612/22.1T8CTB.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE CASTELO BRANCO)

Apelação 612/22.1T8CTB.C1
Relator: Fonte Ramos
Adjuntos: Alberto Ruço
Vítor Amaral



*
(…)


*


Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I. Em 08.4.2022, AA intentou a presente ação declarativa comum contra BB, no Juízo Central Cível ..., pedindo que o Réu seja condenado a:

a) Reconhecer, a fim de ser levado a partilhas no inventário para partilha subsequente a divórcio em que são partes a A. e o Réu, identificado nos art.ºs 3º e seguintes da petição inicial (p. i.), que o prédio urbano, destinado a habitação, de betão armado, alvenaria de tijolo e pedra, composto de rés-do-chão com 1 divisão assoalhada, cozinha e garagem; 1º andar com 3 divisões assoalhadas e casa de banho e sótão para arrumos, sito na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana respetiva sob o art.º ...01 e descrito na Conservatória do Registo Predial (CRP) da ... sob o n.º ...93, reconstruído por A. e Réu nas circunstâncias de tempo, lugar e modo descritos de 10º a 39º e de 43º a 46º, entre outros, da p. i., é de valor muito superior ao do palheiro então existente até à realização de tais obras, e é bem comum do dissolvido casal, constituído por A. e Réu e, por via de tal situação e comunhão, ser, como tal, declarado como bem comum a partilhar, relacionado e aditado à relação de bens constante do inventário para partilha subsequente a divórcio que corre termos, sob o n.º 436/19...., no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo de Família e Menores ..., para efeitos de partilha, do mesmo, entre A. e Réu, pelo valor que vier a ser declarado em perícia a realizar sobre o mesmo, mas nunca inferior a € 80 000;

Ou, assim se não entendendo, subsidiariamente, para o caso de se entender o imóvel, objeto dos autos, como bem próprio do Réu;

b) A indemnizar a A. pelo valor das benfeitorias úteis realizadas no prédio urbano descrito em 9º e 14º da p. i., melhor identificadas de 12º a 33º da p. i. e também melhor referenciadas na memória descritiva e justificativa, instruída no processo de licenciamento camarário n.º 385/00, da Câmara Municipal ..., que são insuscetíveis de serem levantadas sem detrimento do imóvel, de valor nunca inferior a € 40 000, correspondente ao valor da meação e crédito da A. no montante de tais benfeitorias, em consequência do casamento celebrado entre A. e Réu, agora já dissolvido por divórcio, quantia e montante que deverá ser acrescido, dos juros legais vencidos e vincendos, calculados desde a data da citação do Réu e até integral pagamento;

Ou, ainda, em alternativa, sempre para o caso de se entender, que o imóvel objeto dos autos é bem próprio do Réu;

c) Para efeitos de partilha no supra referido inventário, a reconhecer, como direito de crédito do património comum a partilhar, o valor total das benfeitorias úteis, efetuadas a expensas de A. e Réu, supra descritas em sede de articulado de p. i., no prédio imóvel deste objeto, as quais são insuscetíveis de serem levantadas sem detrimento do imóvel, no prédio supra referido, em montante e valor nunca inferior a € 80 000, devendo as mesmas, e por este valor, ou o que vier a resultar da sua avaliação, serem relacionadas no mesmo inventário, como direito de crédito do ativo a partilhar, sobre o Réu.

Alegou, em síntese: A. e Réu foram casados, entre si, no regime da comunhão de bens adquiridos desde .../.../1982 até .../.../2021, data em que foi decretado o divórcio, por sentença transitada em julgado e proferida nos autos de processo de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, que sob o n.º 436/19...., correram termos no Juízo de Família e Menores ..., do Tribunal Judicial da Comarca ...; a .../.../2021, o Réu intentou inventário para partilha subsequente a divórcio que corre termos no referido Juízo de Família e Menores por apenso (B) aos referidos autos de divórcio; em tais autos de inventário, por requerimento de 18.10.2021, a A., na qualidade de cabeça de casal, apresentou a relação de bens, tendo aí relacionado, entre outros, como direitos de crédito, as mencionadas benfeitorias realizadas, na constância do casamento, no prédio urbano atualmente descrito na CRP ... sob o n.º ...02, que consistiram na total reconstrução do prédio em ruínas, melhor descritas na memória descritiva e justificativa das obras de reconstrução (processo camarário de licenciamento de edificação n.º ...0, devidamente aprovado), e que A. e Réu, em materiais comprados e aplicados e mão de obra, gastos na obra de reconstrução do prédio objeto dos autos, gastaram, no mínimo, o montante de € 80 000; o Réu reclamou da relação de bens apresentada pela A./cabeça de casal, pugnando pela eliminação da verba n.º 1 do ativo onde estavam relacionadas, por aquela, as benfeitorias que a A. reclama nestes autos; por despacho de .../.../2022, emitido nos autos de inventário para partilha subsequente a divórcio, decidiu o tribunal remeter os interessados quanto a esta questão, para os meios comuns.

O Réu contestou referindo, nomeadamente, que o que divide as partes não é a titularidade do bem, mas sim a realização ou não das alegadas benfeitorias. Concluiu pela improcedência da ação.

Instruídos os autos e observado o contraditório, o Mm.º Juiz do Tribunal a quo, por decisão de 06.12.2022, julgou o Juízo Central Cível incompetente em razão da matéria para a tramitação dos presentes autos, nos termos dos art.ºs 96º, al. a), 99º, 100º, 576º, 577º, al. a), e 578º do Código de Processo Civil (CPC) e 117 e 122º, n.ºs 1, al. c) e n.º 2, da LOSJ, considerando o Juízo de Família e Menores ... competente para a tramitação (art.º 122º, n.º 1, al. c) e n.º 2, da LOSJ).

Inconformada, a A. apelou formulando as seguintes conclusões:

1ª - A competência material dos Juízos de Família e Menores, que integram Tribunais de competência especializada, está prevista nos art.ºs 122º (competência relativa ao estado civil das pessoas e família); 123º (competência relativa a menores e filhos maiores) e 124º (competência em matéria tutelar educativa e de proteção) da Lei da Organização do Sistema Judiciário - Lei n.º 62/2013, de 26.8.

2ª - Estando em causa uma ação proposta pela recorrente para reconhecimento da sua contitularidade no direito de propriedade sobre certo bem imóvel, é manifestamente de excluir tal matéria, dos elencos de competência previstos naqueles art.ºs 123º e 124º e também manifestamente de excluir do elenco de competências previstos no n.º 1 do art.º 122º, designadamente da sua alínea c) e n.º 2 deste artigo, todos da LOSJ, como entendeu o Tribunal a quo.

3ª - Surgindo questões conexas, é certo, com bens relacionados ou a relacionar e sempre a final a partilhar, para cuja resolução se revelam inadequados os constrangimentos inerentes ao processo de inventário, cuja tramitação difere substancialmente da prevista para o processo comum, justificou-se a remessa dos interessados para os meios comuns, e justifica-se que a matéria objeto dos autos seja decidida pelos tribunais comuns, designadamente, pelo Juízo Central Cível ..., onde foram instruídos.

4ª - A questão primordial é relativa ao reconhecimento de propriedade sobre imóvel e benfeitorias no mesmo realizadas, sua natureza e valor, por recorrente e recorrido, de modo que, posteriormente, possam ser partilhados entre o dissolvido casal, matéria que é da competência dos tribunais comuns e excluída da competência dos Juízos de Família e Menores.

5ª - Os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional, nos termos do art.º 40º da LOSJ.

6ª - E, nos termos do art.º 117º da mesma Lei, cabe aos Juízos Centrais Cíveis, ao abrigo da sua respetiva competência material, a preparação e julgamento de ações

declarativas cíveis de processo comum de valor superior a € 50 000, tal como é o caso dos autos.

7ª - O tribunal a quo, ao decidir como o fez violou o disposto nos referidos art.ºs 40º, 117º, 122º, 123º e 124º, da LOSJ e nos art.ºs 96º, alínea a), 99º, 100º, 576º, 577º, alínea a) e 578º do CPC.

8ª - Devendo a sentença recorrida ser substituída por outra que julgue o Juízo Central Cível ... - Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., o materialmente competente para conhecer da matéria em apreço nos autos e em consequência ordene o seu prosseguimento até final como peticionado na p. i..

O Réu não respondeu.

Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objeto do recurso, questiona-se a competência em razão da matéria para conhecer do objeto do litígio (máxime, se o Juízo de Família e Menores é competente em razão da matéria para conhecer da ação proposta pela A./recorrente).


*

II. 1. Além da matéria que resulta do relatório que antecede, importa considerar o mencionado despacho de
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT