Acórdão nº 6/22.9GDCTX-C.L1-9 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-05-11

Ano2023
Número Acordão6/22.9GDCTX-C.L1-9
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
I
RELATÓRIO

1
No processo de inquérito com o n.º 6/22.9GDCTX foi proferido despacho de acusação contra A pela prática como autor material e em concurso real de um crime de violência doméstica previsto e punido pelo artigo 152º nº 1 al. b) e nº 2 al. a), nº 4 e nº 5 do Código Penal, e de um crime de ameaça agravada previsto e punido pelos artigos 153º n.º1 e 155º, al. a) do Código Penal.
Regularmente notificado da acusação, veio a referido arguido requerer a abertura de instrução, tendo o respetivo requerimento sido rejeitado com fundamento na sua inadmissibilidade legal, de acordo com as disposições conjugadas dos artigos 286.º, n.º 1, 287.º, n.ºs 2, a contrario sensu, e 3 do Código de Processo Penal.

2
Não se conformando com a decisão, dela interpôs o arguido o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
1- O requerimento apresentado pelo arguido não configura qualquer das causas de rejeição descritas no nº 3 do art.º 287 do CPP.
2- Não se está perante um processo especial, sumário, abreviado ou sumaríssimo, ou ainda em casos em que não existe acusação.
3- O despacho recorrido entendeu que se trata de inadmissibilidade legal, quando, não é o caso, de rejeição, independentemente do mérito do requerimento de abertura de instrução e do resultado do debate instrutório e arguição de nulidades.
4- A inadmissibilidade legal, não se pode confundir com a antecipação do despacho de pronúncia, ou seja, com o mérito do que visou o arguido.
5- A instrução é uma fase complementar do inquérito, com averiguação, podendo o juiz ir mais além do que o inquérito para apurar com profundidade os factos, imputação subjectiva e enquadramento criminal.
6- O juiz pode sempre investigar autonomamente os factos, porque cabe ao juiz, também, uma investigação criminal nesta fase.
7- Com todo o respeito por opinião diversa, a construção apresentada na decisão para a demonstração da impossibilidade legal, vem na esteira de alguma jurisprudência, em que verdadeiramente se pretende acabar com a figura da instrução em processo penal
8- E é o que tenta fazer o despacho recorrido, quando de modo apressado entende que o arguido não censura a acusação do MºPº.
9- O arguido visou não ser submetido a julgamento pois afirmou no sei RAI não concordar de facto e de direito com a acusação, e queria demonstrar pelas diligências pedidas que haviam factos que impediam a sustentação da acusação e por isso de qualquer responsabilidade criminal.
10- Aquando do pedido de abertura deverá antes do mais Mtº Juiz de Instrução sindicar todo o processo.
11- Bastaria tal, para verificar que o mesmo nasce de uma queixa do ora recorrente e da "retaliação" da ofendida e do seu namorado.
12- O recorrente prestou declarações por mais de uma vez, onde expressou a clara negação dos factos ora imputados.
13- Mais, tomou posição em requerimento autónomo, sobre o arquivamento da queixa por si apresentada contra a aqui ofendida.
14- Entende o Mtº Juiz de Instrução que deveria agora uma vez mais vir expressar a razão da sua discordância no requerimento de abertura de Instrução.
15- Ora, não tendo referido, por estratégia, o nome de testemunhas que pusessem em causa as afirmações da queixosa e não só, (até por receio de eventual coação das mesmas), só lhe restava no momento próprio e a fim de evitar gravame desnecessário (ir a julgamento) requerer a abertura de instrução e aí sim lançar as suas razões.
16- Entende o recorrente, que por um lado negou a factualidade que lhe foi imputada durante o inquérito e que em sede de debate instrutório, após a sua audição e das testemunhas por si indicadas no requerimento de abertura de instrução demonstraria a inverdade do que foi escrito no despacho acusatório.
17- Aquilo que o MTº Juiz de Instrução Criminal pretendia, sendo exequível, é em nosso entender um acto inútil, pois o que conta é aquilo que as testemunhas indicadas viessem a dizer e não o texto explicativo da discordância. (fundamentação da discordância) do recorrente.
18- Veríamos a seguir a linha defendida pelo JIC, um requerimento de abertura de instrução em que para além de se dizer que não se concordava com o despacho acusatório em razão da matéria de facto e consequentemente de direito, se acrescentaria: acreditando o arguido que com o que já declarou e com a prova que pretende ver produzida, provará que não se justifica sua ida a julgamento.
19- A nosso ver acrescento perfeitamente inócuo.
20- Anteriormente à rejeição do requerimento de abertura de instrução, devia o recorrente ser convidado a aperfeiçoá-lo.
21- É inconstitucional a norma resultante da conjugação do nº 2 e nº 3 do art.º 287 do CPP, segundo a qual não é admissível a formulação de um convite ao aperfeiçoamento do requerimento para a abertura da instrução apresentado pelo arguido que não contenha algum ou alguns dos requisitos previstos no nº2 do art.º 287 do CPP.
Normas jurídicas violadas
. art.º 286 e 287 do CPP
. art.º 32 da C.R.P.

NESTES TERMOS, DEVEO PRESENTE RECURSO OBTER PROVIMENTO, E SUBSTITUÍDO O DESPACHO RECORRIDO POR OUTRO QUE ADMITA O REQUERIMENTO DE INSTRUÇÃO APRESENTADO PELO ARGUIDO.

3
O Ministério Público junto do tribunal a quo respondeu, pugnando pelo não provimento do recurso.

4
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, o Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

5
Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, tendo sido apresentada resposta.

6
Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência.

II

FUNDAMENTAÇÃO


1
Objeto do processo:
O requerimento de abertura da instrução apresentado pelo arguido pode ser rejeitado, por inadmissibilidade legal, caso não contenha uma súmula das razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação?

É inconstitucional o entendimento de que não é admissível a formulação de convite ao arguido para aperfeiçoar o referido requerimento?
*
2
Requerimento de abertura da instrução

Exmo. Senhor Juiz de Instrução Criminal
A, arguido no processo à margem cotado notificado que foi do douto despacho de acusação prolatado pelo Digno Representante do MP e não concordando com o mesmo quer de facto quer de direito, vem ao abrigo do disposto no art.º 287 do CPP requerer a abertura de instrução desejando para o efeito de sejam realizadas as seguintes.
Que se tomem declarações complementares ao arguido sobre toda a matéria do despacho acusatório.
Requer-se a audição da testemunha ..., residente na ... Santarém, que deve responder às seguintes questões.
1- Conhece o Sr. A?
2- Em caso afirmativo prestou-lhe alguns serviços? Quais e em que datas?
3- Conhece a Sra. D. ...?
4- Em caso afirmativo conviveu com o Sr. A e com a Sra. D. ...?
5- Alguma vez assistiu a qualquer discussão entre ambos, com ameaças?
6- Em caso afirmativo quem ameaçava quem? E em que datas?
7- Alguma vez viu alguma arma em casa do Sr. A?
Requer-se a audição de ..., comerciante, morador na ...Alenquer., que deve responder à seguintes questões:
1- Conhece o Sr. A?
2- Conhece a Sra. D. ...?
3- Em caso afirmativo conviveu com o Sr. A com a Sra. D. ...?
4- Alguma vez assistiu a qualquer discussão entre ambos, com ameaças?
5- Em caso afirmativo quem ameaçava quem? E em que datas?
6- Alguma vez viu alguma arma em casa do Sr. A.?
7- Alguma vez almoçou com o ... no restaurante "Oficina dos sabores"?
8- Em caso afirmativo, desde quando? E com que frequência?
Requer-se a audição de ..., residente na ... Apelação, que deve responder às seguintes questões:
1- Conhece o Sr. A?
2- Desde quando?
3- A pedido deste fez alguns trabalhos para ele?
4- A partir de que momento e porquê?
5- Conhece a Sra. D. ...?
6- Em que circunstancias de modo tempo e lugar?
7- Conviveu com o Sr. A e com Sra. D. ...?
8- Alguma vez assistiu a qualquer discussão entre ambos, com ameaças?
9- Em caso afirmativo quem ameaçava quem? E em que datas?
10- Alguma vez viu alguma arma em casa do Sr. A?
11- Em caso afirmativo em que datas?
Requer-se a audição de ...morador na ... Aveiras de Cima que deve responder à seguintes questões:
1- Conhece o Sr. A?
2- Conhece a Sra. D. ...?
3- Em que circunstancias de modo tempo e lugar?
4- Conviveu com o Sr. A e com Sra. D. ...?
5- Alguma vez assistiu a qualquer discussão entre ambos, com ameaças?
6- Em caso afirmativo quem ameaçava quem? E em que data?
Requer-se a audição de ..., morador na ... Aveiras de Cima que deve responder à seguintes questões:
1- Conhece o Sr. A?
2- Conhece a Sra. D. ...?
3- Em que circunstancias de modo tempo e lugar?
4- Conviveu com o Sr. A e com Sra. D. ...?
5- Alguma vez assistiu a qualquer discussão entre ambos, com ameaças?
6- Em caso afirmativo quem ameaçava quem? E em que data?
7- Ia com o Sr. A ao restaurante "Oficina dos sabores"?
8- Em caso afirmativo desde quando e com que frequência?
9- Sabe se o Sr. A teve armas apreendidas em anterior processo?
10- Qual o destino das mesmas?
11- Depois disso viu mais alguma arma em casa do Sr. A?
Requer-se a audição de ..., residente no ... , através de carta rogatória ao Tribunal competente da República da Guiné Bissau que 'seja inquirida sobre seguintes questões:
1- Conhece o Sr. ...?
2- Conhece a Sra. D. ...?
3- Em que circunstancias de modo tempo e lugar?
4- Conviveu com o Sr. A e com Sra. D. ...
5- Alguma vez assistiu a qualquer discussão entre ambos, com ameaças?
6- Em caso afirmativo quem ameaçava quem? E em que data?
7- Houve utilização de facas por algum deles?
8- O que se passou?

*
3
Decisão recorrida.

Nos presentes autos foi deduzida acusação em Processo Comum e com intervenção de Tribunal Singular contra A imputando-lhe a prática como autor material e em concurso real de um crime de violência doméstica previsto e punido pelo artigo 152º nº 1 al. b) e nº 2 al. a), nº 4 e nº 5 do Código Penal e um crime de ameaça agravada previsto e punido pelos artigos 153º nº 1 e 155º al. a) do Código Penal.
Regularmente notificada
...

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