Acórdão nº 570/23.5BEALM de Tribunal Central Administrativo Sul, 19-03-2024

Data de Julgamento19 Março 2024
Ano2024
Número Acordão570/23.5BEALM
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam em conferência, na Subsecção Administrativa Social da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo – Sul:

I. Relatório
A CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, IP, vem interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, datada de 12 de Dezembro de 2023 pelo qual foi julgada procedente, por provada, a acção administrativa urgente de reconhecimento de direito, ao abrigo do nº 1 do artº 48º do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro, intentada por G…, Agente da PSP, e em que este peticionava a anulação do acto que homologou a decisão da Junta Médica que lhe atribuiu Incapacidade Permanente Parcial (IPP) de 27,5%, sem lhe aplicar o factor de bonificação previsto na alínea a) do nº 5 das instruções gerais da Tabela Nacional de Incapacidades (TNI).
Nas suas alegações de recurso, a Recorrente formulou as seguintes conclusões:
“1.ª Por se afigurar essencial à decisão a proferir neste processo, a CGA pretende reclamar da matéria de facto assente, na medida em que a Sentença recorrida carece de concretizar factos que resultam de um «meio de prova» que fora requerido por este Instituto Público em sede de Contestação à presente ação e ao qual a própria Sentença se refere na sua página 3.
2.ª Pelo que deverá ser adicionado à matéria de facto assente o conteúdo da informação prestada pela PSP aos autos em 2023-11-16 (à semelhança do que também sucedeu com a Declaração da mesma PSP que consta no ponto I) dos Factos Assentes, que o meio de prova requerido pela CGA visou complementar).
3.ª Quanto à decisão proferida, a CGA não pode acompanhar o entendimento do Tribunal a quo, de que “…o Autor se encontra impossibilitado de retomar as suas funções operacionais tal como as desempenhava antes do acidente, ficando limitado às funções comummente designadas por trabalho de secretária”, pois não foi essa a informação prestada aos autos pela PSP.
4.ª Aliás, a PSP esclarece que: “As funções de investigador criminal deste polícia não contemplam patrulha apeada, nem exercício físico. Nem antes, nem após o acidente sofrido. São desempenhadas à civil (traje), com uma forte componente técnico-burocrática, associada à investigação criminal: processos distribuídos. Obs. - daí resulta que, após a deliberação da JSS, o mesmo foi adaptado à sua condição clínica, contudo, podendo manter exactamente as mesmas funções, ainda que mais preservado de eventuais diligências de rua (pontuais), as quais envolvam intervenção física/condução de suspeitos, etc.
5.ª Mais explicitando a PSP que “…O mesmo mantem-se na Categoria de Agente Principal, com os mesmos direitos e deveres, bem como mantem os suplementos que já auferia (investigador criminal e turno). Em suma, as actuais funções são similares, apenas sendo dispensado de algumas diligências de rua, realizadas por colegas.”
6.ª Não corresponde, portanto, à realidade que tenham ficado excluídos serviços como “…de patrulha apeada ou que impliquem esforço físico.” Aliás, a informação prestada pela PSP em 2023-11-16 não podia ser mais clara: “As funções de investigador criminal deste polícia não contemplam patrulha apeada, nem exercício físico. Nem antes, nem após o acidente sofrido.”
7.ª Por outro lado, constata-se que o Tribunal a quo coloca muita ênfase no facto de o Recorrido não poder realizar os denominados «serviços remunerados». No entanto, os chamados «serviços remunerados» não fazem parte da remuneração normal correspondente ao posto de trabalho, não sendo sequer serviço correspondente ao posto de trabalho (veja-se o estudo desenvolvido por Rui Alexandre Gomes Correia (Comissário): «Serviços Remunerados na PSP - Uma reflexão com base em questões éticas», do INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS POLICIAIS E SEGURANÇA INTERNA, onde se explica que estamos perante serviços externos efetuados por polícias fora do seu horário laboral e pagos por entidades externas).
8.ª Como também se escreveu no Acórdão proferido em 2019-06-19 pelo Tribunal Central Administrativo Sul, proc.º n.º 2638/16.5BELSB, “Tais serviços são prestados em horas de folga do trabalhador e só na exata medida da disponibilidade e vontade deste, uma vez satisfeita a sua prestação na própria PSP”.
9.ª Mais se explicitando no mesmo Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul que “O abono por serviços remunerados tem caráter precário e variável, pois varia em função do serviço prestado; sobre ele não incide desconto para a Caixa Geral de Aposentações e é pago pela entidade, privada ou pública, que o requisita.” e que “O pagamento dos serviços remunerados não integra o conceito de remuneração (art 93º do DL nº 299/2009, de 14.10/ art 131º do DL nº 243/2015, de 19.10/ art 70º da Lei nº 12-A/2008/ art 150º da Lei nº 35/2014), nem o de suplemento remuneratório (art 101º do DL nº 299/2009, de 14.10/ art 142º do DL nº 243/2015, de 19.10/ art 73º da Lei nº 12-A/2008/ art 159º da Lei nº 35/2014).”
10.ª Se o pagamento dos serviços remunerados não integra o conceito de remuneração nem releva, por isso, para quaisquer efeitos no que concerne à reparação do dano patrimonial futuro decorrente de acidente em serviço, por que motivo deverá ter relevância para efeitos do segmento normativo «se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho», contido na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da TNI?
11.ª No caso do Recorrido, este continua a desempenhar funções que integram a sua carreira profissional, “…com os mesmos direitos e deveres, bem como mantem os suplementos que já auferia (investigador criminal e turno). Em suma, as actuais funções são similares, apenas sendo dispensado de algumas diligências de rua, realizadas por colegas.”
12.ª Como refere ALBERTINA PEREIRA: “[A] bonificação traduz-se, assim, num fator de correção, atendendo a casos particularmente gravosos ou injustos para o sinistrado, que não seriam devidamente tutelados com a “pura e simples” atribuição dos coeficientes previstos na TNI.”, o que não é o caso do Recorrido. Entendimento contrário equivale a uma banalização da aplicação daquele fator de bonificação.
Nestes termos e com o douto suprimento de V. Ex.ªs deve o presente recurso jurisdicional ser julgado procedente, com as legais consequências.”
*
O Recorrido G…., notificado do recurso interposto, apresentou contra-alegações tendo formulado as seguintes conclusões:
“1 - Não assiste razão à Ré quando alega que a douta sentença recorrida não teve em conta a informação prestada pela PSP em 16.11.2023, uma vez que os factos provados nas alíneas P), Q) e R) foram extraídos, quase literalmente, daquela informação.
2 - Tais factos são os únicos daquela informação da PSP de 16.11.2023 que interessam para a questão que se discute nos autos – saber se o Autor ficou ou não com condições físicas de continuar a exercer as concretas funções que exercia antes do acidente – na medida em que não se discute o que o sinistrado pode continuar a fazer, mas o que o deixou de poder fazer.
3 - De facto, ainda que as funções realizadas pelo Autor antes do acidente não contemplassem patrulha apeada nem exercício físico, contemplavam diligências de rua que envolviam intervenção física, nomeadamente na condução de suspeitos.
4 - Acresce o facto inexorável constante na alínea L) dos factos provados – o A. passou a usar uma canadiana na marcho - que não pode ser desvalorizado.
5 - Sendo certo que nas funções que o A. exercia aquando do acidente não incluíam a patrulha apeada, incluíam “esforço físico”, já que, tal como consta na informação prestada pela PSP em 16.11.2023, o Autor “(…) foi adaptado à sua condição clínica, (…) ainda que mais preservado de eventuais diligências de rua (pontuais), as quais envolvam intervenção física (…)”.
6 - O facto de o A. não mais ter condições de realizar serviços remunerados, é apenas mais um elemento comprovativo das suas limitações físicas que o impedem de exercer qualquer função que implique intervenção física.
7 – Tal como é do conhecimento comum, o serviço da PSP não é estanque para cada categoria profissional, sendo que, com muita frequência, os agentes transitam de uns serviços para outros, em que há um denominador comum: o exercício pleno das funções de agente da PSP implica sempre uma boa forma física, pois todos os serviços têm uma componente operacional.
8 - O A., dada a situação física, desde logo e também pelo uso de canadiana na marcha, jamais poderá voltar a exercer plenamente serviço operacional.
9 - Assim sendo, o A. sinistrado não é reconvertível em relação ao seu posto de trabalho, devendo ser aplicado o fator de bonificação previsto na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da TNI.
10 – Pelo que a douta sentença recorrida não merece qualquer reparo.
TERMOS EM QUE, NEGANDO-SE PROVIMENTO AO RECURSO, SE FARÁ INTEIRA E SÃ JUSTIÇA.”
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Notificado nos termos e para efeitos do disposto no artº 146º do CPTA, o Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso apresentado.
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Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, mas com envio prévio do projecto de Acórdão às Juízes Desembargadoras Adjuntas, foi o processo submetido à conferência desta Subsecção Administrativa Social da Secção do Contencioso Administrativo para julgamento.
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II. Objecto do recurso (nº 2 do artº 144º e nº 1 do artº 146º do CPTA, nº 4 do artº 635º e nºs 1, 2 e 3 do artº 639º do CPC, aplicável ex vi do artº 140º do CPTA).
As questões objecto do presente recurso jurisdicional resumem-se, em síntese, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de:
1. Erro quando à enunciação da matéria de facto por falta da informação prestada pela PSP aos autos, em 16 de Novembro de 2023, o que a Recorrente considera indispensável para se apurar da não aplicação ao Recorrido do factor de bonificação previsto na alínea a) do nº 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de...

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