Acórdão n.º 568/2016

Data de publicação25 Novembro 2016
SeçãoParte D - Tribunais e Ministério Público
ÓrgãoTribunal Constitucional

Acórdão n.º 568/2016

Processo n.º 522/16

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1 - Na sequência da prolação do Acórdão n.º 306/2016 (disponível, assim como os demais adiante citados em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/) cumpre apreciar o mérito do recurso de constitucionalidade interposto por Birchview - Imobiliária, S. A., ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (doravante LTC), do acórdão de 30 de dezembro de 2015 proferido pelo tribunal arbitral constituído junto do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), com base no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico de Arbitragem em Matéria Tributária), para apreciação da compatibilidade da norma da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo ("TGIS"), na redação introduzida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, e alterada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, que impõe a tributação anual sobre a propriedade de prédio habitacional ou de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a (euro) 1 000.000,00, com os seguintes parâmetros constitucionais: princípio da igualdade (artigo 13.º da Constituição) e princípios da proporcionalidade e da proteção da confiança (artigo 2.º da Constituição) (requerimento de fls. 17 e ss.). É recorrida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

A recorrente impugnou junto do aludido tribunal arbitral a legalidade da liquidação do Imposto do Selo n.º 2015 003461402, de 20 de março de 2015, relativa ao exercício de 2014 - 1.ª prestação, com referência a um lote de terreno para construção, no valor de (euro) 104 060,61, fundada na verba 28.1 da TGIS, na redação conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, e alterada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, com base na violação dos mencionados parâmetros constitucionais. Tal impugnação foi julgada improcedente, tendo o tribunal a quo aceitado, quanto à matéria da igualdade, o decidido por este Tribunal no seu Acórdão n.º 590/2015, e afirmado, relativamente aos parâmetros da proporcionalidade e da proteção da confiança, o seguinte (fls. 7, v.º, e seguinte):

«3.2.2 - Decisão da questão da violação dos princípios da proporcionalidade e da proteção a confiança

A Requerente invoca afetação da expectativa que os contribuintes (proprietários de bens imóveis à data da aprovação da nova lei) criaram de que não existiria tributação extraordinária e imprevisível pela detenção do seu património, mas não há qualquer fundamento para formação de consistentes expectativas nesse sentido.

Na verdade, a tributação direta ou indireta do património imobiliário t[e]m sofrido evolução ao longo do tempo, com frequentes alterações: nos últimos 30 anos, passou-se da tributação indireta do património por via da tributação do rendimento real ou presumível dos prédios que era feita na Contribuição Predial, vigente até ao final de 1988, para a Código da Contribuição Autárquica, que tributou diretamente o património até ao final de 2003, e para o Imposto Municipal sobre Imóveis que continuou esta tributação em novos moldes, a partir de 2004, estes últimos cumulativamente, a partir de 1989, com tributação dos rendimentos prediais a nível de impostos sobre o rendimento.

Paralelamente, a tributação das alterações da titularidade dos imóveis que era efetuada através da sisa e do imposto sobre as sucessões e doações, que vigorou até ao final de 2003, foi eliminada passou a existir tributação das transmissões a título de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis e de Imposto do Selo.

Por isso, não se vê fundamento para consistentes expectativas dos proprietários de imóveis no sentido da eternização ou prolongada vigência da tributação existente no início de 2012. Pelo menos é seguro, para utilizar a terminologia usada pela Requerente, que as eventuais «expectativas de estabilidade do regime jurídico em causa» não foram «induzidas ou alimentadas por comportamentos dos poderes públicos».

Por outro lado, como se explica na Proposta de Lei n. 96/XII/2.ª, que se transcreveu parcialmente, a situação económico-financeira do País exigiu um esforço de consolidação orçamental, controladamente imposto pelos credores internacionais, que teve de se traduzir não apenas na redução das despesas, mas principalmente no aumento das receitas do Estado.

Este aumento de receitas foi efetuado primacialmente através do aumento da tributação dos rendimentos do trabalho e de pensões, mas, preocupações elementares de justiça impunham que se procurasse concretizar um[a] "efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento» e «garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho".

Neste contexto de adoção de medidas de consolidação orçamental exigidas para atenuar a crise financeira em que o país se encontra, não se pode concluir que a alteração parcial do regime de tributação do património imobiliário operada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, pudesse implicar frustração de expectativas legítimas dos proprietários de imóveis de elevado valor.

Na verdade, para além de, como se disse, a evolução legislativa não fornecer suporte sólido para formação de expectativas sobre a inalterabilidade da tributação do património, decerto que as hipotéticas expectativas que os proprietários de imóveis formassem no sentido de ficarem resguardados do enorme esforço nacional generalizado que exigiu a consolidação orçamental, não poderiam ser consideradas legítimas, por não serem compatíveis com o princípio constitucional da justiça.

Por isso, não se pode deixar de concluir que ocorreram razões de interesse público que justificaram, em adequada ponderação, a não continuidade do regime de tributação do património imobiliário existente antes da criação da verba 28 da TGIS.

Por outro lado, o aumento da tributação dos titulares de direitos sobre prédios destinados a habitação de valor elevado não se afigura desproporcionada, especialmente quando comparada com o generalizado agravamento da tributação do trabalho e pensões.

Assim, como bem refere a Autoridade Tributária e Aduaneira, o limite a discricionariedade legislativa nesta matéria, é apenas o que resulta da proibição da retroatividade constitucionalmente estabelecida no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que, manifestamente, não é violado quanto à aplicação, no ano de 2014, da tributação prevista na verba 28.1 da TGIS, pois a redação desta norma que se aplica foi introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, em vigor desde 1-1-2014.

Pelo exposto, não ocorre a alegada violação do princípio da proteção da confiança e do princípio da proporcionalidade.»

2 - As partes alegaram, tendo concluído do seguinte modo:

2.1 - No que se refere à recorrente:

«A. A Recorrente apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral coletivo, tendo em vista a declaração de ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo n.º 2015 003461402, de 20-03-2015, relativa ao exercício de 2014 - 1.ª prestação, que fixou um imposto no valor de 104.060,61 (euro).

B. O pedido de declaração de ilegalidade da liquidação impugnada tem como fundamento a violação dos princípios constitucionais da igualdade, da proporcionalidade e da proteção da confiança.

C. É luz do respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade e da proteção da confiança, constitucionalmente consagrados, que deve ser questionada a constitucionalidade da norma que consubstancia a verba n.º 28 da TGIS, nomeadamente e sem limitar, no que importa à violação dos princípios constitucionais supra referidos.

D. O princípio da igualdade tem consagração expressa no artigo 13.º do texto constitucional português, além da sua evidente refração no plano do princípio da capacidade contributiva, o qual traduz uma orientação especial da igualdade em matéria tributária.

E. No que à matéria da tributação do património importa, a própria CRP estabelece uma orientação central no seu artigo 104.º, n.º 3: "a tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos".

F. O diploma que introduziu as alterações ao Código do Imposto do Selo ("CIS") a fim de nele consagrar a tributação em sede daquele imposto da propriedade de prédios urbanos, através da verba n.º 28 - Lei 55-A/2012, de 29 de outubro -, padece de invalidade insanável porquanto está em clamorosa oposição com os princípios constitucionais da igualdade e da proteção da confiança.

G. A configuração do facto tributário, que opera a distinção entre diversas utilizações e destinações...

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