Acórdão nº 5563/21.4T8STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-07-12

Ano2023
Número Acordão5563/21.4T8STB.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]

I. Relatório
NAVIGATOR PULP SETÚBAL, S.A., intentou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra AA, pedindo a condenação do Réu na devolução das quantias recebidas a título de retribuições vencidas desde 24 de junho de 2020 até à data da cessação do contrato de trabalho e dos respetivos danos não patrimoniais, tudo no valor total de €10.146,86 (dez mil, cento e quarenta e seis euros e oitenta e seis cêntimos), acrescidos de juros de mora à taxa legal em vigor que se vencerem até integral pagamento.
Para tanto alegou, em súmula, que tendo sido condenada, por decisão proferida na providência cautelar n.º 4847/20.3T8STB, a pagar ao Réu as retribuições que o mesmo deixou de auferir no período em que o suspendeu de funções por força da medida de coação aplicada no Inquérito n.º 3250/18.0T9STB, é credora de tais quantias, acrescidas de juros de mora, bem como do valor de €1.000 de danos não patrimoniais, na medida em que não se verificou por parte da empregadora qualquer comportamento injustificadamente obstativo da prestação efetiva de trabalho, nem existem danos não patrimoniais que deva ressarcir.
A ação correu a tramitação que resulta dos autos, para a qual se remete, e, após a realização da audiência final, foi prolatada sentença, que julgou a ação totalmente improcedente, e, em consequência, absolveu o Réu do pedido.
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Inconformada, veio a Autora interpor recurso da sentença, apresentando no final das suas alegações, as seguintes conclusões:
«A. Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida pelo Tribunal a quo, na parte em que decidiu negar provimento à ação interposta pela Recorrente, absolvendo o Recorrido do Pedido.
B. No âmbito do processo-crime que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal sob o número 3250/18.0T9STB, o R. foi constituído arguido,
C. Tendo sido aplicadas as medidas de Termo de Identidade e Residência e de Proibição de Contactos entre todos os arguidos e demais agentes, indivíduos, sociedades.
D. Na sequência da tomada de conhecimento do referido despacho judicial, a ora Recorrente comunicou ao aqui Recorrido a sua impossibilidade de prestação de trabalho.
E. Efetivamente e tal como é do conhecimento do Recorrido, este último e os demais arguidos no âmbito do referido processo-crime dedicam-se à produção de pasta.
F. Desempenhando a sua atividade, em concreto, na área de receção e preparação de madeiras (vulgarmente designado como Parque de Madeiras) do Complexo Industrial de Setúbal do Grupo Navigator.
G. De modo a assegurar as necessárias condições de funcionamento, tal área está organizada por equipas, que desenvolvem a sua atividade profissional em regime de trabalho por turnos (no regime de laboração contínua).
H. Cada uma das equipas inclui um Chefe de turno, Condutores MAET, Operador de painel e rececionistas.
I. A prestação de trabalho por turnos pressupõe a existência de uma escala pré-definida e com uma duração de 5 anos, na qual estão integradas as mencionadas equipas.
J. Isto é, considerando que estão em causa diferentes equipas em três turnos de laboração contínua, é impossível garantir que, em cada uma das equipas, só esteja um arguido a desempenhar as respetivas funções, uma vez que estão em causa 16 arguidos.
K. Cumpre salientar que a área de atuação em apreço é uma área muito específica e de grande complexidade técnica.
L. Pelo que os trabalhadores afetos a tal área apenas podem desenvolver a respetiva atividade em tal setor da empresa.
M. Na realidade, no Complexo Industrial de Setúbal, apenas existe uma área de receção e preparação de madeiras,
N. Razão pela qual não existiam outros postos de trabalho a que os trabalhadores em apreço (nomeadamente, o Recorrido) pudessem ser alocados.
O. Ao que acresce que, ainda assim, não existiam postos de trabalho compatíveis e ou disponíveis às funções do Recorrido.
P. Acresce que as qualificações do Recorrido apenas eram compatíveis com as atuais categorias profissionais e respetivas funções.
Q. Não obstante o sobredito, de acordo com a dinâmica de trabalho existente no Parque de Madeiras, o contacto entre as equipas e os trabalhadores é frequente ao longo de cada turno, o mesmo se verifica no horário da refeição, outras pausas, nos balneários, por exemplo, aquando da mudança de turno.
R. Em qualquer uma das situações ora referida, os contactos ocorrem inevitavelmente quer pessoalmente, quer por contacto via rádio (meio utilizado em tal área de atuação).
S. Atendendo a este enquadramento, era inviável garantir que estes trabalhadores não estabelecessem qualquer tipo de contacto entre si no seu local de trabalho (quer durante o período normal de trabalho, quer nos períodos imediatamente anteriores ou posteriores).
T. O que não concorre para primordialmente impedir o risco de continuação da atividade criminosa e também de perturbação do inquérito e da investigação que ainda haja a realizar.
U. Atendendo ao sobredito, do ponto de vista laboral e atendendo aos circunstancialismos supramencionados, reitera-se que a Recorrente apenas deu cumprimento às medidas de coação aplicadas ao ora Recorrido.
V. Com efeito, a aqui Recorrente concluiu e bem que estava em causa uma situação em que se verifica um impedimento em prestar a respetiva atividade profissional.
W. O qual é, inequivocamente, imputável ao trabalhador e não à aqui Recorrente.
X. A verdade é que na sequência da aplicação da medida de coação de proibição de contactos, o Trabalhador ficou impossibilitado de cumprir o seu principal dever no âmbito da relação laboral: a obrigação de prestar trabalho.
Y. Porquanto, o contrato de trabalho sub judice estava suspenso por motivos exclusivamente imputáveis ao trabalhador.
Z. Ao Recorrido cabia-lhe zelar pela manutenção das condições para o cumprimento da sua prestação obrigacional, no âmbito do contrato de trabalho que celebrou.
AA. Embora a aplicação da medida de coação de proibição de contactos entre todos os arguidos e demais agentes, indivíduos, sociedades…, possa dizer respeito ao seu foro pessoal do Recorrido, certo é que a medida aplicada tem repercussões sérias na sua relação de trabalho, porque gera a impossibilidade de o mesmo prestar trabalho.
BB. A jurisprudência, através do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 31 de Maio de 2016, no âmbito do processo n.º 3715/13.0TTLSB.L1.S1, refere o seguinte: A violação do dever de ocupação efetiva do trabalhador, com a proteção deste, pressupõe que exista por parte do empregador comportamentos injustificadamente obstativos da prestação efetiva de trabalho, pelo que só ocorre a violação desse direito se se verificar uma injustificada desocupação do trabalhador determinada pela empregadora.
CC. Também a jurisprudência, através do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 7 de junho de 2011 no âmbito do processo n.º 168/10.8TTPTG.E1, refere o seguinte: II – Ocorre tal suspensão (por facto ligado ao trabalhador) no circunstancialismo em que se apura que este foi constituído arguido no âmbito de um processo-crime, tendo-lhe sido aplicada a medida de coação de suspensão do exercício da profissão ao serviço da empregadora; III – Em tal situação, durante o período de suspensão não existe o direito do trabalhador à retribuição, pois, por um lado, tal direito encontra-se intimamente associado ao trabalho (ou disponibilidade), que na situação não se verifica, e, por outro, não existe qualquer norma que preveja, ao contrário de outras situações, o direito do trabalhador à retribuição.
DD. Ora, no caso em apreço, não se verificou por parte da empregadora, aqui recorrente qualquer comportamento injustificadamente obstativo da prestação efetiva de trabalho.
EE. Pelo exposto, estando o contrato de trabalho sub judice suspenso por motivos imputáveis ao R., não lhe assistia o direito ao recebimento da retribuição, pelo que nenhuma retribuição se venceu desde 24 de junho de 2020.
FF. É igualmente importante relembrar que, tendo em consideração o enquadramento em apreço, a aqui A. igualmente não tinha qualquer obrigação de atribuir novas funções ao Recorrido, atendendo à atividade contratada entre as partes.
GG. Para tanto, cumpre relembrar o teor do n.º 1 do artigo 119.º do Código do Trabalho, o qual prevê expressamente que o trabalhador deve, em princípio, exercer funções correspondentes à atividade para que se encontra contratado, devendo o empregador atribuir-lhe, no âmbito da referida atividade, as funções mais adequadas às suas aptidões e qualificação profissional.
HH. A sentença proferida julgou equitativo o pagamento de uma indemnização de € 1.000,00 (mil euros), fixado no âmbito da providência cautelar, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora.
II. São pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos: o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
JJ. Acresce que não estão concretizados os supostos danos causados na esfera do Recorrido, designadamente, ao nível da sua estabilidade emocional e psicológica.
KK. Na verdade, apenas são referidos, em termos genéricos, determinados estados de espírito do Recorrido (angústia, agonia, ansiedade…) o que não consubstancia motivação suficiente para a manutenção da condenação em apreço.
LL. Por outro lado, não se verifica o necessário nexo de causalidade entre o facto e o dano, o que deveria decorrer expressamente da douta sentença.
MM. Mais, não se provando também o nexo de causalidade, em termos de causalidade adequada (artigo 563º do Código Civil), entre aqueles atos e os alegados prejuízos sofridos pelo Recorrido, teria necessariamente que improceder também o pedido indemnizatório.
NN. Efetivamente, ao Recorrido incumbia o ónus daquela prova, nos termos do artigo 342º, n.º 1 do Código Civil e sendo cumulativos os
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