Acórdão nº 554/21.9GCBRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15-05-2023

Data de Julgamento15 Maio 2023
Ano2023
Número Acordão554/21.9GCBRG.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes que integram a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães.

I – Relatório

Decisão recorrida

No âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) nº 554/21...., do Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo Local Criminal ... foi proferida sentença no dia 15 de dezembro de 2022, cuja parte decisória se transcreve:
“Pelo exposto tendo em atenção as considerações produzidas e as normas legais citadas, decido: “a) Alterando a qualificação jurídica, condenar o arguido AA, como autor material de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 70 (setenta) dias de multa, a 15,00€ (quinze Euros) por dia, totalizando o montante de 1050,00€ (mil e cinquenta Euros); -------------
b) Condenar o arguido AA na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, prevista no artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, durante o período de 9 (nove) meses;
c) Condenar o arguido AA no pagamento das custas do processo, fixando a taxa de justiça em 02 (duas) Unidades de Conta. ------------------------------”.
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Recurso apresentado

Inconformado com tal decisão, o Ministério Público veio interpor o presente recurso e após o motivar, apresentou as seguintes conclusões e petitório, que se reproduzem:

“1. A decisão recorrida admite que o arguido, naquelas circunstâncias espácio-temporais, “conduziu o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de matrícula ..-..-PB, apresentando uma taxa de álcool no sangue de 2,11 gramas/litro, com um erro de +/-0,27 gramas/litro” (ponto a) dos factos provados) e que, “por esse motivo, o arguido não se apercebeu que o veículo que seguia à sua frente imobilizou a marcha devido ao fluxo de trânsito e embateu na traseira do veículo automóvel de matrícula ..-..-RL, o qual, por sua vez, colidiu no veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-OX, conduzido por BB” (ponto b) dos factos provados)
2. E mais deu como assente que o arguido quis conduzir o aludido automóvel depois de ter ingerido bebidas alcoólicas, apesar de saber que as mesmas lhe reduziam de forma significativa as suas capacidades de concentração e reação na condução que efectuava” (ponto c) dos factos provados) e “ainda assim, o arguido não se absteve de conduzir tal veículo nos termos e condições acima descritos” (ponto d) dos factos provados).
3. Contudo, veio o Meritíssimo Juiz a quo a considerar não provado que “Da conduta do arguido resultou perigo para a vida, a integridade física e veículos dos demais utentes da via em que seguia”.
4. Ora, é incompatível ou irremediavelmente contraditório que, por um lado, se considere provado que o arguido conduzia aquele veículo automóvel com uma taxa de álcool no sangue de 2,11 gramas/l, com um erro de +/- 0,27 g/l, por via de ingestão de bebidas alcoólicas previamente à condução, e, por isso mesmo, por estar sob influência de tal substância, não se ter apercebido que o veículo que circulava à sua frente teve que imobilizar a marcha, e acabou por embater no mesmo, fazendo com que este, por sua vez, fosse embater no outro veículo que seguia à sua dianteira e que, por outro lado, se considere não provado que “da conduta do arguido resultou perigo para a vida, a integridade física e veículos dos demais utentes da via em que seguia”.
5. Padece, assim, a sentença recorrida de contradição insanável da fundamentação.
6. Assim, a factualidade provada na douta sentença recorrida implicaria que, em conformidade, se considerasse provado, em aditamento ao ponto c) dos factos provados, que: - Mais sabia o arguido que face à quantidade de bebidas alcoólicas ingeridas não estava em condições de conduzir o veículo em segurança e que poderia causar um embate e, assim, criar perigo para a vida, a integridade física e veículos dos demais utentes da via em que seguia, como veio a acontecer, perigo esse que o arguido representou, mas com o qual não se conformou.
7. Verificam-se, deste modo, todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo do art.º 291.º, n.ºs 1, a), e 3, do CP.
8. Com efeito, diz-se e deu-se como provado na sentença que foi por causa daquela condução com aquela sobredita taxa de álcool no sangue de 2,11g/l, com um erro de +/-0,27 g/l, que o arguido, por se encontrar em estado de embriaguez, não se encontrava em condições de conduzir em segurança, e, por isso, embateu naquele veículo causando ainda a projecção deste que viria a embater num terceiro.
9. Ao apurar-se aquela realidade, tem que se dar como assente que os condutores daqueles dois veículos, em virtude da conduta do arguido, viram assim efectivamente em perigo, pelo menos, a sua integridade física, mesmo que se diga que os danos resultantes nos veículos não foram de grande relevância.
10. O crime de condução em estado de embriaguez, p. p. pelo art. 292º, 1 do C.P é consumido pelo crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art. 291º, 1, als a) e b), e 3 do C.P, ou seja, os aludidos crimes estão entre si numa relação de concurso aparente, devendo o arguido ser condenado apenas pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. art. 291º, 1, als. a), e 3, do C. Penal.
11. Ao proceder àquela alteração da qualificação jurídica e condenar o arguido pela prática do crime previsto no art.º 292.º, n.º 1, e não pelo art.º 291., n.ºs 1, al a), e 3, do CP, por que vinha acusado, violou assim a sentença o disposto no art.º 291.º, n.ºs 1, al. a), e 3, do CP, conjugado com o disposto no art.º 292.º, do CP, e art.º 81.º, n.ºs 1 e 2, do CE.
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Assim, deve ser dado provimento ao recurso e ser sentença ora recorrida revogada e substituída por decisão que condene o arguido pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art.º 291.º, n.ºs 1, al a), e 3, do CP, incorrendo ainda na pena acessória de proibição de condução de veículos com motor, prevista no art.º 69.º, n.º 1, al. a) do CP, conforme estava acusado, uma vez que a sentença em crise contém suporte fáctico para esta condenação.
Com o que se fará, JUSTIÇA”.
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O arguido não respondeu ao recurso.
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Tramitação subsequente

Neste Tribunal da Relação de Guimarães, o processo foi com vista ao Ministério Público, tendo o Exmº. Senhor Procurador-Geral Adjunto, emitido parecer, aderindo aos fundamentos sufragados na primeira instância pelo recorrente Ministério Público, considerando assim que o recurso deve ser julgado procedente.
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Foi cumprido o disposto no artigo 417º nº2 do CPP não tendo sido apresentada resposta.
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Após ter sido efetuado exame preliminar, foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
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II – Fundamentação.

Cumpre apreciar o objeto do recurso.

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas essas questões, as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal[1].
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As questões que se colocam à apreciação deste tribunal são, por ordem lógica da sua apreciação, as seguintes:

I – vício insanável da contradição entre os factos provados e não provados.
II – enquadramento jurídico dos factos no crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art. 291º, 1, als a) e b), e 3 do Código Penal.
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É a seguinte a matéria de facto dada como provada e não provada pelo tribunal “a quo” (transcr...

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