Acórdão nº 54/20.3IDVCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 14-11-2023

Data de Julgamento14 Novembro 2023
Ano2023
Número Acordão54/20.3IDVCT.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordaram, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I- RELATÓRIO

I.1 No âmbito do processo comum singular n.º 54/20.... que corre termos pelo Juízo de Competência Genérica ..., Tribunal Judicial da Comarca ..., foram proferidos dois despachos de condenação da arguida AA no pagamento de importâncias económicas [multa processual/custas].
- Um foi proferido na sessão da audiência de julgamento de 31-01-2023, mediante o qual, ao abrigo do artigo 116º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, foi a arguida condenada numa multa de 3,5 Ucs, por falta injustificada de comparecimento na referida sessão de julgamento, multa essa mantida mediante despacho proferido a 08-02-2023, no âmbito do qual foi ainda a arguida condenada em custas no montante de 2,5 Ucs, por incidente anómalo, ao abrigo do artigo 7.º, n.º 8, do Regulamento das Custas Processuais e respetiva Tabela II anexa.
- O outro foi proferido na sessão da audiência de julgamento de 13-02-2023, no âmbito do qual foi a arguida condenada em custas no montante de 3 Ucs, por incidente anómalo, ao abrigo do artigo 7.º, n.º 8, do Regulamento das Custas Processuais e respetiva Tabela II anexa.

I.2 Recurso da decisão

Inconformada com tais decisões, dela interpôs recurso a arguida para este Tribunal da Relação, com os fundamentos expressos na respetiva motivação, da qual extraiu as seguintes conclusões [transcrição]:

Relativamente ao despacho datado de 08-02-2023:
“(…)
1 - Na opinião da recorrente a apreciação pela Meritíssima Juíza do Tribunal “a quo”, sobre a sua falta à audiência de 31 de janeiro de 2023, foi totalmente descabida e sem fundamento.
2 – Aliás, a própria mandatária alegando ter sido contacta uma a duas horas antes da diligência, faz desde logo pressupor que a situação que levou a que a mesma estivesse impedida de comparecer naquela diligência não fosse previsível.
3 – Apesar de não ter qualquer comprovativo médico ou qualquer informação cabal que indicasse que era previsível a mesma não poder estar naquela diligência, a Meritíssima Juíza do Tribunal “a quo”, sem qualquer sensibilidade e ponderação, condenou em 3UC e meia a arguida, designando a obrigatoriedade de esta juntar atestado médico, sob pena das consequências que invocou poderem ser aplicadas.
4 – A arguida no dia 31 de janeiro encontrou-se de facto doente, impossibilitada e debilitada para comparecer numa audiência de julgamento, algo, que contrariamente ao que a Meritíssima Juíza do Tribunal “a quo” alega, é de todo modo compreensível, tendo em conta que a mesma padece desta doença há vários anos e as sequelas da mesma tendem a agravar e ocorrem episódios súbitos mais severos.
5 – Isso sim, é de conhecimento comum, pois, o Lupus é uma doença que infelizmente afecta uma percentagem significativa da população portuguesa.
6 – Acresce que, vem a arguida no dia 1 de fevereiro e em total colaboração com o Tribunal juntar um atestado médico, emitido por um médico que atestou o seu estado de doença e a impossibilidade de deslocar-se à referida diligência.
7 - Embora ironicamente a Meritíssima Juíza do Tribunal “a quo” indique que, ou a médica não viu a paciente, por esta não se poder deslocar do domicílio em virtude da sua situação de doença, ou então se teve capacidade de se deslocar a ... à designada clínica onde no requerimento apresentado nos autos no dia 1 de fevereiro de 2023 apresentou nos autos explica com pormenores, alegando ter recorrido a esta clínica por inexistir médico no centro de saúde da sua área de residência, a Meritíssima Juíza do Tribunal “a quo” persistiu na falta de justificação.
8 - Aliás, salvo melhor opinião, com a apresentação do requerimento e da documentação junta, deveria a Meritíssima Juíza do Tribunal“a quo” atender que a falta da arguida à diligência de 31 de janeiro de 2023 estava justificada.
9 - Deveria ter atendido que o relatório médico emitido pela médica que assiste a arguida na especialidade de reumatologia, emitiu relatório com data de dia 30 de janeiro, atendendo à exigibilidade de arguida apresentar nos autos esse respectivo relatório conforme acta de julgamento do dia 10 de janeiro de 2023, em que ficou ordenado que arguida procedesse a um documento médico pela especialidade de reumatologia a especificar a sua doença e respectivo histórico clinico.
10 – Sucede que, a Meritíssima Juíza do Tribunal “a quo” com a cegueira de condenar severamente a falta da arguida à diligência do dia 31de janeiro de 2023, ignorou a situação em causa, a documentação junta e até recorrendo à experiência comum, não teve qualquer sensibilidade e humanidade pelas pessoas que são portadoras destas designadas doenças invisíveis!
12 – Sendo que, na sequência da colaboração da arguida para com o Tribunal de justificar de imediato a sua situação, juntando um atestado médico emitido no dia em que faltou à diligência e carrear para os autos um documento que, salvo o devido respeito, denota com clareza que o súbito mal estar que ocorreu à arguida, infelizmente pode desencadear-se, vem ainda a arguida condenada em 2 UC´ e meia, sem qualquer fundamento!
13 - Pois, no requerimento que apresentou limitou-se a juntar um documento que estava obrigada a proceder à junção no prazo de 48 horas, como juntou também um documento que a arguida estava obrigada a juntar no âmbito da diligência do dia 10 de janeiro de 2023, nomeadamente, um relatório clínico da sua doença e histórico, que foi o que a arguida se limitou a fazer e a explicar de forma clara a situação em causa, do dia 31 de janeiro de 2023, no sentido que a Meritíssima Juíza do Tribunal “a quo” tomasse consciência da injustiça ao considerar a falta da mesma como injustificada!
14 – Ora, atendendo ao exposto e analisando as actas de audiência de julgamento, do dia 10 de janeiro de 2023, dia 31 de janeiro de 2023 e o respectivo requerimento e documentação apresentado nos autos no dia 1 de fevereiro de 2023, deverá ser revogado o Despacho proferido no dia 8 de fevereiro e cuja arguida teve conhecimento na audiência de julgamento ocorrida a 13 de fevereiro de 2023 e nessa sequência deverá igualmente revogar-se e anular-se a condenação em multa de 3 UC´ e meia aplicadas à arguida, por ser manifestamente evidente que a apreciação tomada pela Meritíssima Juíza do Tribunal “a quo” foi despropositada e sem fundamento, uma vez que, não existiam elementos suficientes para que a mesma pudesse considerar como considerou que a falta da arguida na diligência de 31 de janeiro era injustificada, fundamentando a “experiência comum”, quando está em causa uma arguida que padece de uma doença “diga-se autoimune e não crónica” e que tem uma complexidade enorme em afectar os doentes que dela padecem.
15 – Quanto muito poderia ter requerido após a apresentação da documentação médica esclarecimentos escritos ou presenciais, dos médicos que emitiram os documentos juntos, no sentido de atestar a veracidade dos mesmos e esclarecer-se se na data de 31 de janeiro de 2023, que sintomatologia a arguida tinha e se esta tinha sido desencadeada de uma forma imprevisível ou não, para condenar justamente a arguida, caso se viesse a confirmar que a sua situação de doença era previsível e por tal esta teria que justificar ao tribunal com a antecedência de 5 dias a sua impossibilidade e juntar prova documental a atestar o estado de doença.

NESTES TERMOS e mais de direito aplicáveis que V. Exas. Melhor e doutamente suprirão,
Deve ser concedido provimento ao recurso interposto, e, em consequência, revogar-se o douto despacho recorrido e por consequência o despacho emitido e que condenou a arguida em 3 UC’s e meia pela falta injustificada à audiência de julgamento de 31 de janeiro de 2023.
(…)”.

Relativamente ao despacho datado de 13-02-2023:
“(…)
1 - Na opinião da recorrente a apreciação pela Meritíssima Juíza do Tribunal “a quo”, da respectiva questão anómala, que a mandatária insistiu que fosse esclarecida pela testemunha, não tem justificação válida, pelos motivos supra invocados.
2 – Aliás, a testemunha ao esclarecer ao tribunal o modus operandi que o arguido BB utilizava para com o nome de terceiros, exercer a actividade de comercialização de marisco, poderia ter tido um alcance relevante para a descoberta da verdade material.
3 – Contudo a ânsia quer da Meritíssima Juíza do Tribunal “a quo”, quer do Ministério Público, que se mostra evidente em querer obter prova, não para a descoberta da verdade material, mas apenas para condenar a arguida, uma vez que, o arguido já confessou os factos que vem acusado, determinou nestas sessões de julgamento e nomeadamente, na inquirição desta testemunha, a obtenção de declarações que justificassem condutas indevidas por parte do arguido BB, que esta testemunha poderia esclarecer e foi impedida!
4 – Aliás, em consequência da afirmação da mandatária pretender que este prestasse esclarecimentos, a arguida foi condenada em 3 UC, pois, considerou que, com as questões que ali foram colocadas, para além de não serem objecto do processo e por determinar que tal é um incidente anómalo.
5 – Ora, tal questão e os esclarecimentos que se pretendiam não podem ser catalogados como não estando relacionados com o objecto do processo, pois, estando em causa, provar-se que o arguido BB usou o nome da sua filha para continuar a exercer uma actividade de comercialização de marisco e por sua vez, dar continuidade à prática de um crime em que é reincidente, parece de todo, oportuno que aquela testemunha, esclarecesse o que no passado ocorreu, relativamente ao facto de o arguido BB ter usado o nome da sua mãe para praticar algo semelhante.
6 – Daí que, a condenação de 3 UC pela motivação invocada pela Meritíssima Juíza do Tribunal “a quo” não é de todo justificável e pelo que tal condenação deve ser revogada, por não assistir razão à aplicação da multa, conforme o foi.

NESTES TERMOS
e...

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