Acórdão nº 5355/21.0T8VNF-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04-04-2024

Data de Julgamento04 Abril 2024
Ano2024
Número Acordão5355/21.0T8VNF-B.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I RELATÓRIO (por consulta eletrónica do processo principal e em parte conforme o elaborado em 1ª instância).

Em 30/9/2021, o Banco 1..., S.A., veio requerer a DECLARAÇÃO JUDICIAL DE INSOLVÊNCIA de AA.
Para o efeito, invocou a celebração de um mútuo com hipoteca entre o Banco e a requerida e marido, pelo qual se confessaram devedores de € 180.000,00, o qual seria reembolsado através do pagamento de prestações de capital e juros remuneratórios, tendo constituído hipoteca sobre imóvel como forma de garantia.
Sucede que os mutuários cessaram o pagamento das convencionadas prestações de reembolso do empréstimo contraído, o que veio a ocorrer, em termos definitivos, a partir de 2 de julho de 2012, não tendo mais retomado esse pagamento, ou regularizado e prosseguido o plano de pagamento em prestações de reembolso dos empréstimos fixados nos termos convencionados.
Face ao incumprimento do pagamento das prestações, tal implicou o vencimento de toda a dívida, no valor de € 274.312,24.
Acresce que é portador de uma livrança, emitida em ../../2012 e vencida em 19 de fevereiro de 2015, subscrita pela devedora e marido, no valor de 40.697,28, a qual, vencida, não foi paga.
É por isso titular de um crédito certo, líquido e exigível no valor global de € 315.009,52.
A devedora está em situação de insolvência, dado o elevado valor das obrigações vencidas, a circunstância de apenas ser conhecido património imobiliário com valor inferior às suas dívidas, existir uma manifesta insuficiência do seu activo perante o valor do seu passivo e inexistir possibilidade de obtenção de crédito. Mas referiu que o marido da mesma foi declarado insolvente.
Citada, a requerida deduziu oposição.
Em 5/11/2021, constatando-se que a oposição apresentava incongruências, notificou-se a requerida para juntar nova oposição corrigida.
A requerida juntou nova oposição corrigida.
Refere que não está em situação de insolvência, pois tem um ativo superior ao passivo, não tem credores a não ser o requerente, relativamente ao qual se encontra a cumprir; por isso nunca foi interpelada pelo requerente de qualquer quantia em incumprimento, e nunca foi incluída pelo mesmo e previamente em PERSI, como lhe incumbia. Tem rendimentos, e ainda que faseadamente encontra-se a cumprir com as suas obrigações.
Por cautela pede a exoneração do passivo restante.
Termina pedindo a absolvição, mas caso seja decretada a insolvência, pede que seja notificada para apresentar plano de recuperação.
Foi admitida a prova, inclusive a prova pericial.
Foi realizada a prova pericial e, por fim, prestados esclarecimentos em fevereiro de 2023.
Em diligência realizada em 11/10/2023, foi feito o saneamento dos autos, concluindo-se que “Não se verificam nulidades, outra exceção ou quaisquer questões prévias ou incidentais suscetíveis de obstar ao conhecimento do mérito da causa.” Também foi identificado o objeto do litígio e foram enunciados os temas de prova.
De seguida, a devedora requereu que fosse o banco oficiado para juntar aos autos o comprovativo de notificação do PERSI. Dada a palavra à ilustre mandatária do requerente, pela mesma foi requerido prazo para proceder a sua junção.
Nessa sequência foi proferido o seguinte despacho:
“Estatui o artigo 30º, nº 1 do CIRE, que o devedor pode, em 10 dias, deduzir oposição à qual é aplicável o disposto no nº 2 do artigo 25º.
Vejamos.
A oposição corrigida foi apresentada em 19-11-2021. Nesse articulado, a requerida enunciou a prova que pretendia produzir, indicando prova testemunhal, documental e prova pericial, requerendo, ainda, que a requerida fosse ouvida em declarações. Nada requereu quanto à existência ou não de PERSI, embora tenha feito uma referência lacónica ao aludido procedimento, nos artigos 21º e 22º da contestação corrigida.
O peticionado pela requerida é manifestamente extemporâneo. Assim, indefere-se o peticionado.”
A requerida arguiu a nulidade processual por requerimento apresentado em ata do mesmo dia 11/10/2023 (que ficou gravado e que se ouviu). A requerente opôs-se (também gravado). Foi relegado para sentença o seu conhecimento.
*
Foi proferida sentença em que se decidiu:
“Da nulidade “por falta de desencadeamento de mecanismo de prova”:
Em sede de audiência de discussão e julgamento, após inúmeros adiamentos, após a realização de prova pericial e de esclarecimentos sempre demorados e após a apresentação de duas oposições, decorridos dois anos, veio a Requerida argumentar que se deveria notificar o Banco requerente para comprovar que iniciara um procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI), instituído pelo Dec. Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro.
O Tribunal indeferiu o requerido.
A Requerida veio arguir nulidade consubstanciada, na sua tese, na “falta de desencadeamento de mecanismo de prova”.
Vejamos.
De forma sucinta, como é consabido, o procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI) foi instituído pelo Dec. Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro (alterado pelo DL n.º 70B/2021, de 06/08) e tem aplicação obrigatória quando o cliente bancário (consumidor) incorre numa situação de mora ou de incumprimento de obrigações resultantes de contratos de crédito, nos moldes consignados pelos seus artigos 2.º, n.º 1 e 14.º, n.º 1.
Este diploma – que foi desenvolvido através do Aviso do Banco de Portugal n.º 17/2012, de 17 de dezembro – introduziu na nossa ordem jurídica, princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e regularização das situações de falta de cumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários (susceptíveis de serem qualificados como consumidores para efeitos da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de julho) e criar uma rede extrajudicial de apoio a esses clientes no âmbito da regularização dessas situações.
Entrou o mesmo em vigor em 01/01/2013 – artigo 40.º - e as suas alterações em 7/8/2021.
Estatui o seu artigo 2.º (na versão actual):
1 - O disposto no presente decreto-lei aplica-se aos seguintes contratos de crédito celebrados com clientes bancários:
a) Contratos de crédito relativos a imóveis abrangidos pelo Decreto-Lei n.º 74-A/2017, de 23 de junho, na sua redação atual;
b) (Revogada.)
c) Contratos de crédito aos consumidores abrangidos pelo disposto no Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de junho, na sua redação atual;
d) Contratos de crédito ao consumo celebrados ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de setembro, na sua redação atual;
e) Contratos de crédito sob a forma de facilidades de descoberto que estabeleçam a obrigação de reembolso do crédito no prazo de um mês.
2 - O disposto no presente decreto-lei não prejudica o regime aplicável aos sistemas de apoio ao sobre-endividamento, instituído pela Portaria n.º 312/2009, de 30 de março, na sua redação atual.
Prescreve o artigo 39.º:
Aplicação no tempo
1 - São automaticamente integrados no PERSI e sujeitos às disposições do presente diploma os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor, desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há mais de 30 dias.
2 - Nas situações referidas no número anterior, a instituição de crédito deve, nos 15 dias subsequentes à entrada em vigor do presente diploma, informar os clientes bancários da sua integração no PERSI, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 14.º
3 - Os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora quanto ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito há menos de 31 dias são integrados no PERSI nos termos previstos no n.º 1 do artigo 14.º
Dispõe o artigo 40.º:
Entrada em vigor
O presente diploma entra em vigor no dia 1 de janeiro de 2013.
Aqui chegadas, diremos que conhecemos a jurisprudência dos Tribunais superiores que têm vindo a defender que, caso seja preterida a integração de devedores no PERSI, se verificaria uma excepção dilatória inominada.
Transcrevemos, a título de exemplo, o recente acórdão do TRL: Tendo um “requerente intentado acção com vista à declaração de insolvência dos requeridos, sem que previamente tenha cumprido com a obrigação de os integrar no PERSI (nos moldes decorrentes do Dec. Lei n.º 227/2012) – (…)-, estar-se-á, perante uma violação, por omissão, de normas imperativas, a saber, os artigos 14.º e 18.º, n.º 1, al. b). Tal imperatividade resulta do teor dessas mesmas normas – no artigo 14.º refere-se expressamente que “o cliente bancário é obrigatoriamente integrado no PERSI” e no artigo 18.º consigna-se que “No período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de (…) intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito” – a que não é alheio o fim de cariz social visado pelo diploma no seu preâmbulo – “adoção de comportamentos responsáveis por parte das instituições de crédito e dos clientes e a redução dos níveis de endividamento das famílias”; “prevenção do incumprimento e, bem assim, a regularização das situações de incumprimento de contratos celebrados com consumidores que se revelem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos perante instituições de crédito por factos de natureza diversa, em especial o desemprego e a quebra anómala dos rendimentos auferidos em conexão com as atuais dificuldades económicas”; “adequada tutela dos interesses dos consumidores em incumprimento e a atuação célere das instituições de crédito na procura de medidas que contribuam para a superação das dificuldades no cumprimento das responsabilidades assumidas pelos clientes bancários”. Tal omissão, como tem vindo...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT