Acórdão nº 533/21.5PCLRS.L1-5 de Tribunal da Relação de Lisboa, 22-03-2022

Data de Julgamento22 Março 2022
Ano2022
Número Acordão533/21.5PCLRS.L1-5
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam em conferência na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I–Relatório


O arguido DC., (…)acusado da prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3º, nº 2, do Decreto-Lei nº 2/98, de 03 de janeiro, com referência ao nº 1 do mesmo diploma legal, tendo sido absolvido por sentença datada de 15.09.2021.

Inconformado com a referida absolvição, veio o Ministério Público interpor recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões:
1.–O presente recurso vem interposto da douta sentença que absolveu o arguido da prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto no artigo 3º, nºs 1 e 2, do DL 2/98, de 3 de Janeiro.
2.–À luz do disposto no artigo 130.º, n.º3, al. d), n.º5 e n..º7, da Lei n.º114/94 de 03 de Maio, na sua redacção actual, condutores com título caducado podem renova-lo no prazo de 10 anos após a data inicial fixada para a renovação, sendo a consequência da condução na via pública, com o título caducado, no referido prazo de 10 anos, a prática de contra-ordenação.
3.–Após o decurso dos 10 anos, torna-se impossível a renovação e, por isso, a consequência equivale ao antigo cancelamento, ou seja, o condutor incorre na prática de crime, se conduzir na via pública.
4.–O arguido foi detentor de carta de condução emitida em 29-08-2006 e válida até 02-04-2009, tendo conduzido, veículo ligeiro de mercadorias, de matrícula XX-XX-XX, na via pública, na data de 15-09-2021.
5.–À data dos factos já tinham decorridos mais de 10 anos sobre a data fixada para a renovação pelo que o arguido não era detentor de carta de condução válida, considerando-se, por isso, não habilitado a conduzir, nos termos dos artigos 122.º e 130.º, n.º3, al. d), n.º5 e n..º7, da Lei n.º114/94 de 03 de Maio, tendo incorrido na prática do crime de condução sem habilitação legal, previsto no artigo 3º, nºs 1 e 2, do D. L n.º 2/98, de 3 de Janeiro.
6.–Ao absolver o arguido pela prática dos ilícitos penais ora em apreço, a sentença recorrida violou o disposto no artigo 3º, nºs 1 e 2, do D. L n.º 2/98, de 3 de Janeiro e os artigos 122.º e 130.º, n.º3, al. d), n.º5 e n..º7, do D.L 114/94 de 03 de Maio, na sua redação actual.”
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O recurso foi admitido, por ser tempestivo e legal, com subida imediata, nos autos e efeito suspensivo do processo.

Notificado nos termos previstos no artigo 411º, nº 6 do Código de Processo Penal, o arguido apresentou resposta, formulando as seguintes conclusões:
- Se é certo que o ora recorrido conduziu o veiculo motorizado com a habilitação legal caducada,
- Também é certo que passados 10 anos sobre a data em que devia ter renovado a carta, o arguido será sujeito a um exame especial.
- Ou seja, a carta não pode ser renovada, por se encontrar caducada,
- O titular da carta terá de se sujeitar a um novo exame de condução.
- Também é certo que quem conduzir com a carta caducada não pratica o crime de “condução sem habilitação legal”,
- Pelo que, não podendo renovar o titulo de condução, terá de sujeitar-se a novo exame,
- Devendo o seu comportamento ser punido com coima, nos termos inscritos no art.º 130.º n.º 7 Do Código da Estrada.
- Pelo exposto, deve manter-se a absolvição do arguido da prática do crime de condução sem habilitação legal.”
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Neste Tribunal, a Srª Procuradora-Geral Adjunta apresentou parecer, com o seguinte teor:

1.– O Recurso

O presente recurso foi interposto pelo Ministério Público da sentença proferida, em 15/09/2021, pelo Juiz 2 do Juízo Local de Pequena Criminalidade de Loures, que absolveu o arguido do crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. no art. 3.º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 2/98, de 03/01.
Entendeu o Tribunal a quo, na sentença em crise, que a redação dos arts. 130.º e 131.º, do DL. n.º 114/94, de 03/05 [Código da Estrada], introduzida pelo DL. n.º 102-B/2020, de 09/12, descriminaliza a circulação com veículo a motor na via pública dos titulares de carta de condução caducada, constituindo essa circulação contraordenação e, para efeito de instauração de procedimento contraordenacional, determinou a extração de certidão, após trânsito, e sua remessa ao IMT/ANSR, enquanto autoridade competente para dela conhecer.
O Ministério Público entende, ainda que com dúvidas, que a nova redação dos arts. 130.º e 131.º, do DL. n.º 114/94, de 03/05 [Código da Estrada], introduzida pelo DL. n.º 102-B/2020, de 09/12, não descriminaliza a circulação com veículo a motor na via pública dos titulares de carta de condução caducada há mais de 10 anos sobre a data em que deveria ter sido renovada, como é o caso, atento o disposto nos n.ºs 3, al. d), 5 e 7, do mesmo diploma legal na redação atual, pois que este dispositivo não permite a renovação da carta de condução caducada há mais de 10 anos, antes se aplicando a esta situação o regime probatório contemplado no art. 122.º, do Código da Estrada, o que equivale a dizer que o titular de carta de condução nestas condições fica sem habilitação para a condução, tem de obter nova carta e fica sujeito a regime probatório durante 3 anos.
Considera o Ministério Público que o Tribunal a quo violou o disposto no art. 3.º, n.ºs 1 e 2, do DL. n.º 2/98, de 03/01, e nos arts. 122.º e 130.º, n.ºs 3, al. d), 5 e 7, do Código da Estrada.
O recurso tem por objeto matéria de direito: saber se o titular de carta de condução caducada definitivamente [há mais de 10 anos], que circule com veículo a motor na via pública, incorre em crime de condução de veículo sem habilitação legal, ou em contraordenação, atendendo à redação do art. 130.º, n.ºs 3, al. d), 5 e 7 e do art. 131.º, do Código da Estrada introduzida pelo DL. n.º 102-B/2020, de 09/12.

2.–Posição do Ministério Público no TRL

A situação: o arguido, no dia 15/09/2021, foi encontrado a conduzir na via pública veículo automóvel, sendo possuidor de carta de condução com a categoria B, emitida em 29/08/2006, válida até 02/04/2009, caducada em 02/04/2019, ou seja, há mais de 10 anos, registada pelo IMT como “caducada definitivamente” [veja-se Participação e consulta do IMT - Consulta de Condutores: Carta de condução "L-...”].
Perante esta situação e a redação dos arts. 122.º, n.º 1 e 130.º, n.ºs 3, al. d), 5 e 7 e do art. 131.º, do Código da Estrada, introduzida pelo DL. n.º 102-B/2020, de 09/12, bem assim do art. 2.º, do Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir, aprovado em anexo ao DL n.º 138/2012, de 05/07, igualmente alterado pelo citado diploma legal, afigura-se-nos assistir razão à nossa Exma. Colega na 1.ª instância.
Com efeito, o legislador com o DL. n.º 102-B/2020, de 09/12, baniu do Código da Estrada a menção ao cancelamento da carta de condução passando a referir-se apenas à sua caducidade.
Assim, o art. 130.º passou a ter a epígrafe de “Caducidade dos títulos de condução”, ao invés de “Caducidade e cancelamento dos títulos de condução”, o que faz supor que a figura do cancelamento, como era conhecida enquanto ato administrativo do IMT que declarava o cancelamento da carta de condução caduca, situação em que o possuidor de um título de condução nessas condições ficava sem habilitação legal para conduzir para todos os efeitos legais, maxime, criminais, não o ficando até existir esse ato do IMT, situação em que incorreria apenas em contraordenação, deixou de existir quando se verifique a caducidade do título de condução.
Quando se verifique tal situação, a caducidade opera ope legis e das duas uma:
- ou o prazo de caducidade é igual ou inferior a 10 anos desde a data em que o título devia ser renovado, e o possuidor conduzindo com título caduco incorre em responsabilidade contraordenacional, nos termos do art. 130.º, n.ºs 1 e 7, e 131.º do CE;
- ou o prazo de caducidade é superior a 10 anos desde a data em que o título devia ser renovado, e o possuidor conduzindo com título caduco incorre em responsabilidade criminal, nos termos conjugados dos arts. 122.º, 130.º, n.º 3, al. d) e n.º 5, do CE e art. 3.º, n.ºs 1 e 2, do DL. n.º 2/98, de 03/01.
Neste contexto, importa referir que a redação do art. 2.º, com a epígrafe “Competência para emissão e revogação dos títulos de condução” do Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir, aprovado em anexo ao DL n.º 138/2012, de 05/07, introduzida pelo DL. n.º 102-B/2020, de 09/12, estatui que 1- Os títulos de condução, com exceção dos títulos para a condução de veículos pertencentes às forças militares e de segurança, são emitidos, revogados e cancelados pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I. P. (IMT, I. P.), nos termos do Código da Estrada e do presente regulamento.
Ora, não obstante a menção a títulos de condução que são cancelados pelo IMT, nada neste Regulamento ou no CE menciona o cancelamento em causa, como já acima mencionámos, nem em que situações tem lugar.
Donde, se nos afigura que tal ato administrativo deixou de ser obrigatório, e como tal relevante, para a responsabilização criminal do possuidor de título de condução caduco, como sucedia na anterior redação do art. 130.º, do CE.
De qualquer modo, mesmo a entender-se ser necessária a existência de um ato administrativo do IMT que declare caduco o título de condução, temos que no título de condução do arguido consta o registo do IMT de carta “caducada definitivamente”, situação que se verifica quando a renovação da carta não ocorre decorridos 10 anos sobre a data da renovação.
De todo o modo, considerando a pouca clareza do legislador nas alterações introduzidas pelo DL. n.º 102-B/2020, de 09/12 ao CE e ao Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir [normas citadas] e a inexistência de jurisprudência publicada, nossa conhecida, que se refira a esta matéria [não a encontrámos], ao invés do que sucedia anteriormente, entendemos que a decisão sobre o recurso interposto pelo Ministério se reveste de suma importância.
Em face do exposto, remetendo igualmente para a
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