Acórdão nº 520/22.6GAMLD.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-10-18

Ano2023
Número Acordão520/22.6GAMLD.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
RECURSO PENAL n.º 520/22.6GAMLD.P1
2ª Secção Criminal

Conferência

Relatora: Maria Deolinda Dionísio
Adjuntos: Carla Oliveira
Manuel Soares


Comarca: Aveiro
Tribunal: Anadia/Juízo de Competência Genérica
Processo: Especial Abreviado n.º 520/22.6GAMLD

Arguido/Recorrente: AA




Acordam os Juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:

I - RELATÓRIO

1. No âmbito dos autos supra referenciados, por sentença proferida e devidamente depositada a 27 de Abril de 2023, o arguido AA, com os demais sinais dos autos, foi condenado pela prática de 1 (um) crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos arts. 292º, n.º 1 e 69º, n.º 1, al. a), do Cód. Penal, na pena de 65 (sessenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de €6.00 (seis euros) e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 4 (quatro) meses.
2. Inconformado, o arguido AA interpôs recurso terminando a sua motivação com as seguintes conclusões: (transcrição)
1. Decorrida a audiência de julgamento, veio a Mm.ª Juiz do Tribunal de Anadia:
2. Condenar o arguido AA pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. p. pelo artigo 292.º do Código Penal.
3. Impõe-se a reapreciação da prova e consequente reapreciação da matéria constante dos Pontos 1 a 5 dos Factos Provados, e a constante dos Factos Não Provados: – a) À data dos factos o arguido encontrava-se a tomar victan por prescrição médica.; - b) A substância ativa do referido medicamento inf‌luencia o resultado obtido no aparelho identif‌icado em 2; c) O arguido solicitou a realização da contraprova do resultado do teste referido em 2 dos factos assentes – porquanto do cruzamento dos depoimentos prestados pelos militares da GNR – BB (Início Gravação 09-03-2023 15:12:279) e CC (Início Gravação 23-03-2023 10:22:54 -, com as declarações do arguido – AA (InícioGravação09-03-202314:40:37) – e depoimentos das testemunhas arroladas. – DD (Início Gravação 09-03-2023 15:24:03) e EE (Início Gravação 09-03-2023 15:32:32) – conclui-se que o arguido, para além do mais, não conduziu o veículo em causa com o elevado teor de “álcool” 1,44g/l, presumivelmente apurado, e não foi informado da possibilidade de realizar contraprova.
4. Não é de ignorar que o arguido acusou 1,44g/l, mas o tribunal a quo limitou-se a fazer uma dedução, com base em ténues provas, em particular dos depoimentos prestados pelos militares da GNR, que reduziram o Auto ao teor do presumido álcool sem ter lançado mão de elementos complementares que se revelariam essenciais e imprescindíveis à descoberta da verdade, e teriam levado seguramente à absolvição do arguido ou à aplicação de uma pena reduzida.
5. Ficaram por apurar e provar factos que auxiliassem a averiguar se o arguido foi claramente esclarecido de todas as possibilidades de efetuar contraprova, em que condições, quais os custos associados.
6. Se o alcoolímetro Drager, Modelo 7110 MKIIIP é atual, confiável, foi corretamente operado e se os referidos militares da GNR tinham formação e conhecimentos adequados para efetuar o referido teste.
7. Pelo que, cruzada e valorizada a prova testemunhal e reapreciada a prova documental, deverá ser alterada para “Não Provada” a matéria de facto constante dos Factos Provados, Pontos 1 a 5, da douta sentença recorrida;
8. Para “Provada” a matéria de facto constante dos Factos Não Provados - a) À data dos factos o arguido encontrava-se a tomar victan por prescrição médica.; - b) A substância ativa do referido medicamento inf‌luencia o resultado obtido no aparelho identif‌icado em 2; c) O arguido solicitou a realização da contraprova do resultado do teste referido em 2 dos factos assentes; e
9. – Aditado e dado como provado um Novo Facto com o seguinte teor: O arguido, face à condução desempenhada, não representou como possível ser portador de uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,20 g/l.
10. Por outro lado, verificou-se igualmente erro na aplicação do direito à matéria de facto dada como provada;
11. Apoia-se a sentença recorrida na conclusão de que o arguido circulava com excesso de álcool no sangue pelo que cometeu um crime de condução em estado de embriaguez, p. p. pelo artigo 292.º do Código Penal;
12. Face ao que dispõe a Lei Penal, ao que ficou provado nos autos e acima de tudo ao que não ficou provado e ainda à falta de prova complementar segura, não era possível à Mmª Juiz a quo, salvo o devido respeito, retirar as conclusões que sintetizam a condenação do arguido, quando tudo, no mínimo, fazia prever o contrário, ou seja, a sua absolvição ou a aplicação de uma pena de admoestação;
13. Do que se retira da sentença, o Tribunal a quo não levando em conta o depoimento do arguido, limitou-se a fazer uma dedução, com base em ténues provas, sem ter lançado mão de outros elementos complementares que se revelariam imprescindíveis à descoberta da verdade, e teria levado à absolvição do arguido;
14. Todavia, não nos parece que o critério adotado seja suficiente para se subsumir a atuação do arguido à norma em questão, pelo que não nos restam dúvidas que a Mm.ª Juiz a quo condenou o arguido não porque se provaram os elementos objetivos da norma em apreço, mas porque, analisando os elementos disponíveis, presumiu através de deduções subjetivas a suposta conduta do arguido;
15. Salvo o devido respeito, as incertezas e dúvidas existentes quanto à legalidade do alcoolímetro Drager 7110 MKIIIP, sempre fariam esperar a absolvição do arguido;
16. De toda a matéria produzida em audiência de julgamento, não havia, em nossa opinião, elementos que permitissem pensar, muito menos provar, que o arguido conduzia o referido veículo com o teor de álcool de que vem, erradamente, acusado;
17. Verificou-se, assim, um erro de interpretação na subsunção dos factos ao direito, já que não se mostram preenchidos os requisitos objetivos e subjetivos do respetivo normativo, tendo a Mm.ª Juiz a quo violado a interpretação destes;
18. Estamos em crer, por tudo quanto foi aqui explanado que, mesmo a admitirem-se os factos relatados pelos Senhores Militares da GNR, o que só por mero raciocínio académico se admite, não estão preenchidos os elementos típicos do crime pelo qual vem o arguido acusado;
19. Mesmo que não se considerasse a prova nos termos em que se alega, isto é, ainda que não se aceite que a prova produzida impunha decisão diversa, não podemos deixar de considerar que a mesma cria forte e insolúveis dúvidas, pelo que deveria o Tribunal “a quo” ter-se socorrido do princípio do “in dúbio pró reo”;
20. A pena a que o arguido foi sujeito é, na opinião do mesmo, e salvo o devido respeito por interpretação diversa, infundada e injusta;
21. Quer quanto à pena de 65 (sessenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros), quer quanto à pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 4 (quatro) meses,
22. Na nossa opinião, a pena aplicada ao recorrente não é a melhor em termos de política de aplicação de penas;
23. Não atendeu o Tribunal a quo à personalidade e carácter do arguido, fortemente enaltecida pelas testemunhas arroladas, que o descrevem com uma pessoa calma, pacata, socialmente integrada e um trabalhador exemplar, nem às demais circunstâncias referidas como determinantes;
24. Ora, a pena aplicada é, além de tudo, um severo castigo para o arguido, para a sua esposa e filhos, amigos e colegas, não levando sequer em conta a sua personalidade, a sua inserção na sociedade e, em particular, os baixos rendimentos mensais do agregado familiar, pelo que se quer revogada.
3. Admitido o recurso, por despacho proferido a 12 de Abril de 2023, respondeu o Ministério Público pugnando pela sua improcedência e manutenção do decidido, com os fundamentos que resumiu nas conclusões que se transcrevem:
1) O exame de pesquisa de álcool no sangue feito ao arguido constitui prova legal e válida;
2) A apreciação da matéria de facto realizada pelo tribunal recorrido não merece reparo;
3) O tribunal recorrido não violou o princípio in dubio pro reo;
4) As penas a que o recorrente foi condenado encontram-se corretamente calibradas;
5) Estando em causa a prática de crime de condução de veículo em estado de embriaguez, “a pena de admoestação não protege cabalmente o bem jurídico segurança rodoviária, nem acautela suficientemente as necessidades preventivas gerais que se fazem sentir (…)”;
6) A sentença recorrida não viola os artigos 32º da Constituição da República Portuguesa, 40º, 71º e 292º do Código Penal e 82º nos 1 a 6 do Código da Estrada.
4. Neste Tribunal da Relação a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso acompanhando e reforçando a resposta aludida.
5. Cumprido o disposto no art. 417º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, nada mais foi aduzido.
6. Realizado exame preliminar e colhidos os vistos legais, vieram os autos à conferência que decorreu com observância do formalismo legal, nada obstando à decisão.
**

II - FUNDAMENTAÇÃO
1. Consoante decorre do disposto no art. 412º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal, e é jurisprudência pacífica [cf., entre outros, Acórdãos do STJ de 20/12/2006, Processo n.º 06P3661, in dgsi.pt, e de 3/2/1999 e 25/6/1998, in B.M.J. 484 e 478, págs. 271 e 242, respectivamente], sem prejuízo das questões de conhecimento oficiosos, as conclusões do recurso delimitam o respectivo objecto e âmbito do seu conhecimento.
Daí que seja consensual o entendimento no sentido de que se o recorrente suscita questões na motivação que, depois, não retoma nas conclusões, deve dar-se predominância à matéria que nestas foi vertida, olvidando-se o mais que naquela consta[1].
Assim, no caso sub judicio, as questões suscitadas que cumpre apreciar são, na sua preordenação lógica, apenas as seguintes:
i) Invalidade/ilegalidade do alcoolímetro
ii) Violação do direito
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