Acórdão nº 5/23.3JASTB-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-09-12

Ano2023
Número Acordão5/23.3JASTB-A.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I - Relatório

No Juízo de Instrução Criminal de … (J…) do Tribunal Judicial da Comarca de … e no âmbito do processo de inquérito (Actos Jurisdicionais) n.º 5/23.3JASTB foi proferido despacho judicial no qual, entendendo-se “não existirem elementos que permitam fundamentar a realização da diligência de busca que vem requerida, por não verificados os pressupostos estabelecidos nos artigos 174º, números 1 e 2, e 177º, ambos do Código de Processo Penal, [se concluiu que] vai a mesma indeferida.”

Inconformado com essa decisão, da mesma recorreu o MP, terminando a motivação do recurso com as seguintes conclusões (transcrição):

“1. O Mm. Juiz de Instrução Criminal, por despacho proferido em 19/06/2023, indeferiu a busca à habitação sita em Rua …, n.º …, …, justificando a sua decisão, dizendo, em suma, “não existirem elementos que permitam fundamentar a realização da diligência de busca que vem requerida, por não verificados os pressupostos estabelecidos nos artigos 174.º, números 1 e 2, e 177.º, ambos do Código de Processo Penal.”

2. Salvo o devido respeito, não assiste razão ao Mm. Juiz de Instrução Criminal porque se verificam, em concreto, todos os pressupostos de deferimento da busca domiciliária requerida pelo Ministério Público, concretamente a existência de um ilícito típico e a séria possibilidade de, no interior de uma específica residência, se encontrarem objetos relacionados com o crime em apreço e que servirão de prova e que podem levar à identificação do seu agente.

3. Comete o crime de introdução em lugar vedado ao público o piloto remoto da aeronave não tripulada, vulgarmente conhecida por drone, que sobrevoa o pátio do campo da bola do Estabelecimento Prisional de … desce e entra no mesmo com um pequeno saco branco pendurado por um fio, aí colocado por uma pessoa, se aproxima imediatamente da janela da cela … e aí faz a entrega do pacote transportado, sem para tal estar autorizado pelos guardas prisionais ou pelo Diretor daquele estabelecimento prisional.

4. No caso concreto, o drone foi o prolongamento do corpo humano, sendo que através dele a pessoa transpôs os muros e edifícios do estabelecimento prisional, introduzindo-se num dos pátios, espaço completamente vedado por muros e edifícios e inacessível ao público.

5. Existindo suspeita fundada de que o comando da aeronave não tripulada e apreendida nos autos e a fatura de compra se encontram numa específica habitação e havendo crime, estão reunidos todos os pressupostos para o deferimento por parte do Juiz de Instrução da busca domiciliária.

6. Assim sendo, o Mm. Juiz de Instrução, ao decidir como decidiu, violou as normas ínsitas nos artigos 191.º do Código Penal, 174.º, n.ºs 1 e 2 e 177.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal.”

Pugnando, em síntese, pelo seguinte:

“Nesta conformidade, deverá o Venerando Tribunal da Relação revogar o despacho recorrido, ordenando a prolação de outro que autorize a busca domiciliária requerida.”

O recurso foi admitido.

Aberta “vista” ao MP, a Exm.ª PGA neste Tribunal da Relação exarou o seguinte parecer:

“Decorre do processo que através de um drone se pretendeu fazer entrega de material de comunicação (telemóvel) em cela especifica do estabelecimento prisional. Da investigação realizada indicia-se segundo o recorrente que o envio do drone terá procedido de um ex-recluso que conhecerá o local e tem ligações familiares com o destinatário, pretendo por isso a busca domiciliária para encontrar eventuais elementos (nomeadamente o comando) para manobra do drone.

Segundo o recorrente os fatos em inquérito constituem um crime de introdução em lugar vedado ao público, por o drone ser como que uma extensão do braço.

Salvo o devido respeito não partilhamos deste entendimento.

A qualificação jurídica de quaisquer fatos deriva sempre do confronto entre o interesse jurídico protegido a ação praticada (mais o seu resultado em alguns casos) e a intenção do sujeito.

Como resulta da experiência comum, neste caso visou-se levar à posse do recluso um objeto cuja entrada por via legal aquele não pode deter e não a violação da intimidade do referido espaço.

Ninguém, nenhuma pessoa se introduziu no referido espaço, nem tão pouco existe qualquer indício de captação de imagens do reclusos para que se possa falar em invasão de intimidade ou privacidade.

Tanto faz que esta entrega se processe por drone, por entrega na visita pelo correio ou por arremesso para o pátio…

Há que aplicar a legislação que regula o espaço prisional!

O recorrente tem razão quanto ao exemplo do furto, este pode ser praticado não diretamente pelo corpo humano mas por uma extensão deste, mas tal exemplo não colhe porquanto o que revela é a existência da subtração, o retirar da esfera de controle do dono ou possuidor em nome alheio para a sua.

Assim, entendemos que no presente caso não existem indícios do ilícito criminal invocado pelo Ministério Público para fundamentar o pedido, devendo manter-se o despacho recorrido.”

Procedeu-se a exame preliminar.

Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

Reproduzem-se (i) o requerimento do MP para realização de buscas e o (ii) despacho que sobre o mesmo recaiu (decisão recorrida), na parte que interessa:

“Remeta os autos, de imediato, ao Juízo de Instrução Criminal, a fim de o Mm. Juiz de Instrução se pronunciar sobre o infra requerido, nos termos dos artigos 177º, nº 1 e 269º, nº 1, alínea c), ambos do Código de Processo Penal.

Mandados de Busca Domiciliária

Os presentes autos tiveram origem na comunicação de notícia de crime lavrada pela Polícia Judiciária, através da qual foi reportado que no dia 31/12/2022, cerca das 03h.50m., o drone de marca "…", com a placa identificativa "… sobrevou o pátio do campo da bola do Estabelecimento Prisional …, desceu e entrou no mesmo, com um pequeno saco branco pendurado por um fio, aproximando-se imediatamente da janela da cela …. Devido aos puxões sofridos pelas mãos dos reclusos destas duas celas … e …, o drone embateu na parede e despenhou-se, caindo no chão do pátio.

Nessa sequência, o drone foi apreendido e foram realizadas buscas às celas em causa e revistas sumárias aos reclusos, habitantes dessas mesmas celas, tendo resultado a apreensão na cela … de um telemóvel de marca …, azul, cinco cartões SIM e respetivos códigos, um carregador, um auricular e cinco cabos USB, que se encontravam numa parte comum, não tendo nenhum dos reclusos reclamado a posse.

Foram, então, realizadas perícias aos cartões SIM apreendidos com vista a poder-se identificar alguém, assim como à memória do próprio telemóvel. Foi ainda realizada perícia ao software do próprio drone, pela Autoridade Nacional de Aviação, tendo sido concluído o seguinte:

- o nº de série do equipamento foi retirado;

- equipamento de cor original branca, tendo sido pintada manualmente em preto, incluindo as hélices e colocada fita gomada também preta sobre as luzes de...

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