Acórdão nº 4856/23.0T8BRG-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2024-03-14

Ano2024
Número Acordão4856/23.0T8BRG-A.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Relator – Des. José Manuel Flores
1º - Adj. Des. Sandra Melo
2º - Adj. Des. Maria Amália Santos

ACORDAM OS JUÍZES NA 3ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:

I – Relatório

Recorrente(s): FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL;

- Recorrido/a(s): AA.
*
O Réu, aqui Recorrente, invocou a prescrição do direito do autor alegando que decorreram mais de cinco anos desde a data em que ocorreu o acidente de viação que está em causa nos presentes autos e a data em que foi citado.
O Autor respondeu, em articulado anómalo.
Sem mais, o Tribunal dispensou a audiência prévia e proferiu despacho saneador, no seio do qual apreciou e julgou improcedente a mencionada exceção de prescrição.
*
Inconformado com tal decisão, dela interpôs o F.G.A. o presente recurso de apelação, em cujas alegações formula as seguintes
conclusões:

1. O Tribunal, ao invés de, desde já, ter julgado a exceção de prescrição improcedente, deveria ter relegado o conhecimento da mesma para final;
2. Estando integralmente questionada a matéria de facto atinente à forma como o acidente ocorreu, não pode, neste momento processual, afirmar-se que tenha ocorrido um facto ilícito criminal e que o autor possa beneficiar do alongamento do prazo de prescrição previsto no n.º 3 do artigo 498.º do Código Civil;
3. O tribunal, ao decidir como decidiu, violou o disposto no n.º 3 do artigo 498.º do Código Civil.

TERMOS EM QUE, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROVADO E PROCEDENTE, REVOGANDO-SE A DECISÃO RECORRIDA.

O Recorrido não apresentou contra-alegações.

II – Delimitação do objeto do recurso e questões prévias a apreciar:

Nos termos dos Artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atividade do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas[2] que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[3]
No caso, as questões enunciadas pelo recorrente reconduzem-se à alegada violação do disposto no art. 498º, nº 3, do Código Civil, e à intempestividade da apreciação do mérito da exceção por si invocada.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.
III – Fundamentos

1. Factos
Pelo que se percebe do discurso fundamentador da decisão, foi considerado o seguinte:
Tendo o autor sofrido lesões corporais, o acidente de viação que ocorreu configura a prática pelo responsável de um crime de ofensa à integridade física simples. O prazo de prescrição aplicável a este crime é de cinco anos, pelo que é também este o prazo a que deve atender-se nos presentes autos (art. 118º nº1 al. a) e 141º nº1 do Cód. Penal).
Tendo o acidente ocorrido no dia 2 de Maio de 2018, o prazo de cinco anos terminava no dia 2 de Maio de 2023.
Todavia, importa atender aos períodos de suspensão dos prazos de prescrição no âmbito das medidas de prevenção e combate à pandemia provocada pela doença Covid-19 que foram estabelecidos pela Lei nº1-A/2020 de 19 de Março e pela Lei nº4-B/2021 de 1 de Fevereiro, no total de 160 dias.
Atendendo a estes períodos de suspensão, a prescrição do direito do autor ocorria no dia 9 de Outubro de 2023.
Tendo o réu sido citado no dia 11 de Setembro de 2023, não se verifica a prescrição do direito do autor, uma vez que nesta interrompeu-se o prazo que estava a decorrer (art. 323º nº1 do Cód. Civil).”

2. Direito

No entender do Apelante, em suma, estando integralmente questionada a matéria de facto atinente à forma como o acidente ocorreu, não pode, neste momento processual, afirmar-se que tenha ocorrido um ilícito criminal e que o autor possa beneficiar do alongamento do prazo de prescrição previsto no n.º 3 do artigo 498.º do Código Civil, dado que se pode dar o caso de estar em questão uma situação de responsabilidade pelo risco, ou de responsabilidade do próprio autor na produção do acidente, aplicando-se, assim, e apenas, o prazo de 3 anos.
Por isso, defende que o tribunal, ao invés de, desde já, ter julgado a exceção de prescrição improcedente, deveria ter relegado o conhecimento da mesma para final.

Será assim?
Antes de mais, convém salientar que, em princípio, é inviável aplicar direito substantivo sem matéria de facto consolidada e, nesse âmbito, quer a decisão recorrida, quer a apelação, parecem, salvo o devido respeito, ignorar essa regra: a primeira, para além de recorrer a conclusões, não motivou a sua decisão no que diz respeito aos “factos” que aparentemente considerou; a segunda não se preocupou minimamente em discutir esse aspeto, nomeadamente à luz da previsão do art. 640º, do Código de Processo Civil.
Posto isto, por economia, iremos aqui renovar argumentos que já foram expressos por este relator em Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 21.11.2019[4], perante situação semelhante (cf. art. 8º, nº 3, do C.C.).
Com efeito, igualmente neste caso, o mérito da apelação resolve-se sabendo se...

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