Acórdão nº 4760/19.7T9VNG.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-10-26

Ano2022
Número Acordão4760/19.7T9VNG.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo 4760/19.7T9VNG.P1
Comarca do Porto
Juízo de Instrução Criminal do Porto – J2

Acordaram, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO
I.1. Por decisão instrutória de 10 de Março de 2022 o tribunal de instrução criminal decidiu não pronunciar as arguidas AA, BB e CC pela prática de um crime de gravações e fotografias ilícitas, p. e p. pelo artigo 199º do Código Penal imputado no requerimento de abertura de instrução da assistente DD e considerar nulas todas acusação particulares deduzidas pela assistente DD contra as arguidas AA, BB e CC.
*
I.2. Recurso da decisão
A assistente DD recorreu da decisão instrutória, terminando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição parcial):
a) Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou, designadamente, o disposto nos artigos 48.°, 50.°, 53.°, n.° 2 a) e c), 119.° b), 283, n.° 1 e 2, todos do Código de Processo Penal e artigo 180.°, 199.° e 192, n.° b) e d) do Código Penal, bem como, violou o direito da recorrente à tutela jurisdicional efectiva, previsto no artigo 20.° da Constituição da República Portuguesa.
b) A recorrente apresentou queixa contra as arguidas AA, BB e CC por três crimes: crime de difamação, p. e p. pelo artigo 180.° do CP, crime de devassa da vida privada, p. e p. pelo artigo 192.°, n.° 1, b) e d) do CP, e crime de gravações e fotografias ilícitas, p. e p. pelo artigo 199.° do CP.
c) O Ministério Público proferiu despacho a determinar o arquivamento dos autos relativamente ao crime de gravações e fotografias ilícitas, p. e p. pelo artigo 199.° do CP e a não acompanhar a acusação deduzida pela assistente, aqui recorrente relativamente ao crime de difamação, p. e p. pelo artigo 180.° do CP.
d) Ora, desde já se denote que o Ministério Público não se pronunciou sobre o crime de devassa da vida privada da recorrente e sobre o qual esta apresentou queixa.
e) Omissão de pronúncia que gera a nulidade insanável do despacho, nos termos do disposto nos artigos 48.° e 119.° b) do CPP.
f) E, consequentemente, impõe a declaração de nulidade do despacho de arquivamento e de não acompanhamento, bem como todo o subsequente processado, determinando a remessa dos presentes autos novamente para a fase de inquérito para que o Ministério Público profira despacho de arquivamento ou deduza acusação contra as arguidas relativamente à queixa apresentada sobre o crime da devassa da vida privada da recorrente, p. e p. pelo artigo 192.°, n.° 1, b) e d) do CP.
g) Sem prescindir, o Ministério Público também não acompanhou para julgamento, nos termos requeridos, a acusação particular deduzida pela aqui recorrente contra as arguidas AA, BB e CC, na qual lhes foi imputada a prática do crime de difamação, p. e p. pelos artigos 180.°, 183.°, n.° 1 a) e 184.° do CP, uma vez que aquelas se limitaram a comentar a reportagem televisiva.
h) Ora, desde já se faça sublinhar que utilizar a fotografia da recorrente, sem o seu consentimento, apelidando-a de "doente" (AA) não consubstancia um comentário à reportagem.
i) Utilizar a fotografia da recorrente, sem o seu consentimento, apelidando-a de "pessoa maquiavélica e perigosa" (BB) não consubstancia um comentário à reportagem.
j) Utilizar a fotografia da recorrente, sem utilizar seu consentimento, apelidando-a de "manipuladora, invejosa e psicopata" (CC) não consubstancia um comentário à reportagem.
k) Pelo que se impunha que o Ministério Público acompanhasse a queixa deduzida pela recorrente relativamente ao crime de difamação.
(…)
o) S.m.o., o teor das afirmações difamatórias põem em causa o exercício das funções da recorrente.
p) Pelo que se afigura como agravado o crime perpetrado pelas arguidas BB e CC.
q) No entanto, admitindo a recorrente que o Tribunal entenda a falta de circunstâncias que agravem o crime de difamação, sempre terá de subsistir o crime de difamação, na forma simples.
r) A qualificação jurídica feita pela assistente, aqui recorrente, não vincula o Tribunal.
s) Na verdade, o juiz de instrução apenas está vinculado aos factos que constam da acusação do MP e do requerimento do assistente para a abertura de instrução.
t) Aliás, seria intrinsecamente contraditório o tribunal poder alterar a qualificação jurídica dos factos até ao encerramento da audiência (desde que conceda o prazo estritamente necessário para a defesa quanto à alteração - artigo 358 n°s 1 e 3 do CPP) e não poder ter a mesma iniciativa, em momento processual muito anterior, quando são maiores as possibilidades de preparação da defesa.
u) Pelo que se impõe a alteração da qualificação jurídica e consequente dedução de acusação pelo Ministério Público relativamente ao crime de difamação, uma vez que existem indícios suficientes da sua prática pelas arguidas.
v) Sublinhando-se, uma vez mais, não poder colher o argumento de que as arguidas se limitaram a comentar a história quando utilizam termos como "doente, manipuladora e psicopata"!
w) Mais, não pode a recorrente conformar-se com o despacho de arquivamento relativamente ao crime de gravação e fotografias ilícitas.
x) O Ministério Público fundamentou tal despacho com o alegado não preenchimento do elemento subjectivo do crime, uma vez que, no seu entendimento, as arguidas não utilizaram a fotografia da recorrente com dolo.
y) Ou seja, considerou o Ministério Público que a utilização pelas arguidas das fotografias da requerente, por esta não consentida, se justifica pelo facto de a requerente ter sido constituído arguida no processo de inquérito n.° 94/14.1TALMGG.
z) Processo judicial há vários anos findo e que não passou da fase de inquérito.
aa) Não podendo a aqui recorrente, de forma alguma, conformar-se com o despacho proferido, e verificando-se à luz imparcial da análise dos factos que, efectivamente, a conduta das arguidas preenche os elementos objectivo e subjectivo do ilícito em causa, veio a aqui recorrente requerer a abertura de instrução.
bb) De forma concisa, veio a aqui recorrente requerer que fossem as arguidas pronunciadas por se verificarem todos os elementos típicos do crime de gravação e fotografias ilícitas, p. e p. pelo artigo 199.° do Código Penal (doravante designado CP).
cc) No entanto, do despacho de que se recorre resulta a alegada inexistência de “indícios suficientes” da prática do crime de gravação e fotografias ilícitas.
(…)
ff) Parece então ser lícito que qualquer cidadão utilize fotografias de terceiros e emita opiniões pessoais vexatórias, desde que seja uma opinião sobre assunto mediatizado!
gg) Parece poder qualquer cidadão utilizar uma fotografia de um terceiro, de forma não consentida, desde que seja para emitir opinião sobre um qualquer assunto que seja mediático.
hh) Sendo o conceito mediático definido como: relativo aos média, aos meios de comunicação social; que é transmitido, difundido pelos média, que se sente à vontade ou produz efeito favorável nos média, sobretudo em televisão.
(…)
nn) No caso sub judice está em causa a publicação de uma fotografia não consentida de terceiro, acompanhada de comentários atentatória à dignidade e nome da recorrente, de forma pública.
oo) As arguidas não utilizaram o Messenger, funcionalidade do facebook que permite a partilha privada de opiniões.
pp) Outrossim, utilizaram o mural para partilhar as suas opiniões (acompanhadas da fotografia da recorrente não consentida), de forma a fomentarem o comentário e a partilha.
qq) Pelo que, salvo o devido respeito, nem sequer se compreende a invocação do princípio do in dúbio pro teo no despacho de que se recorre.
rr) Os indícios suficientes encontram-se plasmados nos autos, alegados e documentados.
ss) Pelo que a eventual "inocência" das arguidas terá de ser analisada em sede própria: em audiência de discussão e julgamento!
tt) Desde logo porque existe o preenchimento do elemento objectivo do crime em causa nos autos.
uu) Deixando-se para a audiência de julgamento a análise do preenchimento ou não do elemento subjectivo, isto é, da existência ou não de dolo nos comportamentos perpetrados pelas arguidas.
(…)
ww) Ora, perante os indícios carreados para os autos, designadamente os factos que o próprio Tribunal de Instrução julgou indiciados (11.° a 20.°, 28.°, 33.° a 37.°, 39.°, 51.°, 56.°, e 61.°), caberia ao mesmo validar a sua formalidade e capacidade de serem arguidas numa audiência de julgamento.
xx) Sob pena de violação do disposto nos artigos 199.° e 283.° do CPP e 20.° da Constituição da República Portuguesa.
yy) Ao Tribunal de Instrução Criminal não se exige a certeza, a certeza processual para além de toda a dúvida razoável, que só se obtém em sede de audiência de julgamento, conforme o art.° 301.°, n.° 1, do CPP, ou, conforme as sábias palavras do Professor Germano Marques da Silva: “...Na pronúncia o juiz não julga a causa; verifica se se justifica que com as provas recolhidas no inquérito e na instrução o arguido seja submetido a julgamento para ser julgado pelos factos da acusação ...”.
zz) No seu "julgamento", o Meritíssimo Juiz desvalorizou por completo os factos alegados pela recorrente, a sua dignidade e merecimento da tutela do direito, apenas e só pelo facto de ter sido junto aos autos certidão do processo n.° 94/14.1TALMG em que à recorrente foi aplicada a suspensão provisória do processo.
aaa) Entendendo assim o Meritíssimo Juiz que se encontra legitimada a utilização não consentida da fotografia da recorrente pelas arguidas e a emissão da opinião vexatória destas, de forma pública.
bbb) Conclusão com a qual a recorrente não se pode conformar pois que, tal como qualquer cidadão, é merecedora da tutela do Direito e não deixa de o ser por lhe ter sido aplicada a suspensão provisória do processo.
ccc) As arguidas agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que não estavam autorizadas a publicar uma fotografia e divulgar a identificação da recorrente sem autorização
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