Acórdão nº 4704/21.6T8CBR.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 08-06-2022

Data de Julgamento08 Junho 2022
Ano2022
Número Acordão4704/21.6T8CBR.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO DO TRABALHO DE COIMBRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA)


Recurso n.º 4704/21.6T8CBR.C1

Acordam[1] na Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

A arguida E..., SA, com sede em ..., veio impugnar a decisão administrativa que lhe aplicou a coima única de € 2.300,00 pela prática, como reincidente, de duas contraordenações muito graves p. e p. pelos artigos 36.º, n.º 1, i), do Regulamento (UE) n.º 165/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 04/02; 13.º, n.º 1, 25.º, n.º 1, b) e 14, n.º 4., a), todos da Lei n.º 27/2010, de 30/08 e 561.º, n.º 1, do CT. *

Recebido o recurso, procedeu-se a audiência de julgamento.

*

De seguida, foi proferida a sentença de fls. 107 segs. e cujo dispositivo é o seguinte:

Face ao exposto e ao abrigo do disposto nos artigos 61.º, n.º 1 e 64.º, n.º 1, ambos do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de outubro (com as últimas alterações introduzidas pela Lei nº 109/2001, de 24 de dezembro) e 39.º da Lei n.º 107/2009 de 14 de Setembro, julgo improcedente o recurso, mantendo a condenação da arguida, pela prática, em reincidência, das contraordenações previstas e punidas pelas disposições conjugadas dos artigos, 36º nº 1, do Regulamento (UE), nº165/2014, de 04/02, do Parlamento Europeu e o Conselho, publicado no jornal oficial da União Europeia, nº L 60/1 33, de 28/02/14 e artigos, 13º, nº1, 25º, nº1 alínea b) e 14º, nº4 alínea a), estes, da Lei n.º 27/2010 de 30 de agosto, na coima única de €3.000,00 (três mil euros).”

*

A arguida, notificada desta sentença, veio interpor o presente recurso que concluiu da forma seguinte:

“1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo, a qual decidiu julgar improcedente o recurso de impugnação judicial interposto,

2. o que a Recorrente não pode aceitar.

3. Já que, evidencia uma errada aplicação do direito ao caso concreto e uma incorrecta interpretação das normas jurídicas aplicáveis.

4. Quanto ao dia em que o Motorista conduziu, não se concebe que, perante a globalidade da prova produzida tanto em sede administrativa, como em sede de audiência de julgamento, e bem assim da aplicação do direito ao caso sub judice, tenha o Tribunal a quo considerado imputável à aqui Recorrente a prática da infracção em apreço.

5. Primeiramente porquanto, impende sobre o Motorista a obrigação de manter na sua posse o cartão de condutor e as folhas de registo já utilizadas, e após terem sido utilizadas, nos 28 dias subsequentes à sua utilização — cft. al. j) do nº 3 do art.º 7º do DL 169/2009 de 31.07, e, ainda, por aplicação analógica do disposto na alínea c) do mesmo preceito.

6. Depois, porque, a Recorrente prestou ao Motorista em causa nos presentes autos toda a formação necessária e adequada, designadamente, em matéria de tacógrafos analógicos e digitais, e respectivos discos diagramas ou cartão de condutor e ainda de tempos máximos de condução, pausas e períodos de repouso por forma a evitar que situações como a presente ocorram — cft. factos provados.

7. Ademais, a Recorrente procede à verificação e fiscalização dos registos tacográficos de todos os seus Motoristas, entre os quais o Sr. Motorista em apreço.

8. Não se concebendo, nem se aceitando, a posição assumida pelo Tribunal a quo.

9. Nesta conformidade, resulta à evidência que mal andou o Tribunal a quo ao não considerar afastada a presunção que sobre a Recorrente incide, nos termos do consagrado no artigo 10º n.º 3 do Regulamento 561/2006.

10. O que se requer seja nesta sede apreciado, e consequentemente, seja a decisão recorrida revogada, com todas as consequências legais daí advenientes, o que expressamente se requer.

Sem prescindir, sempre se diga:

11.Resulta da sentença recorrida que a Recorrente omitiu as medidas necessárias ao cumprimento das regras legais e que permitissem que os seus motoristas se fizessem acompanhar e apresentassem ao agente fiscalizador todos os suportes de registo e/ou declaração de actividade.

12.Incorrendo, assim, a sentença recorrida em manifesto erro na aplicação e interpretação do Direito.

13.É que, nos termos da legislação — nacional e comunitária — aplicável ao caso vertente, os Motoristas não estão obrigados a fazer-se acompanhar nem a apresentar Declaração de actividade.

14.De resto, nos termos do art. 36º n.º 1 do Regulamento (CE) nº 165/2014, os Motoristas devem exibir ao agente autuante, sempre que solicitado:

a. as folhas de registo (referentes aos dias em que conduziu veículos equipados com aparelhos de tacógrafo analógico) e/ou

b. o cartão de condutor (quanto aos dias em que conduziu veículos equipados com aparelhos de tacógrafo digital).

15.Sendo que, poderá, ainda, ser exigida a exibição de registo manual e impressão do cartão do condutor, quando este cartão se encontre danificado, a funcionar mal ou não estiver na posse do condutor — cft. art.º 15º do Regulamento 561/2006 por remissão do art.º 36º iii) do Regulamento 165/2014.

16.E, ainda, nas situações previstas no n.º 3 do artigo 36º do Regulamento 165/2014, seja, em casos de roubo, extravio ou defeito de cartão de condutor, ou mau funcionamento do aparelho — cft. artigos 29º e 37º do Regulamento 165/2014.

17. O que, não sucedeu no caso em apreço.

18.Resultando, assim, à evidência que apenas e só nas supra identificadas situações é exigível aos motoristas que se façam acompanhar de documento comprovativo que justifique a ausência de registos tacográficos/ discos.

19. Não se encontrando, pois, prevista a obrigação de os Motoristas se fazerem acompanhar de declaração de actividade em situações em que não prestaram qualquer actividade, como a dos presentes autos (com excepção do já aludido quanto ao dia 07.02.2019).

20. Pois que, e na verdade, inexiste qualquer norma — nacional ou comunitária — que obrigue à utilização e exibição de Declaração de Actividade.

21.Tendo o Tribunal a quo, contrariando a lei, entendido que deveriam tais Motoristas fazer-se acompanhar da dita Declaração, verificando-se a prática da infracção em apreço.

22. Com tal decisão, o Tribunal a quo descurou o disposto no artigo 15º nº 7 do Regulamento (CE) nº 3821/85 de 20 de Dezembro, incorrendo assim numa errada aplicação do Direito ao caso concreto.

23. Acresce ainda que, a Doutrina e Jurisprudência Portuguesas têm sufragado a tese ora expendida pela Recorrente — seja, a de não obrigatoriedade da dita Declaração de Actividade no ordenamento jurídico Português — citando-se a título de exemplo as decisões preferidas nos processos 1269/16.4T8VFR, 981/17.5T8FIG e bem assim no Acórdão proferido pela 4ª Secção (Social) do Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do processo nº 2010/16.7T8BRR.

24. Nesta conformidade, impõe-se a revogação da sentença recorrida, com a consequente absolvição da Recorrente.

Sem prescindir, mas caso assim se não entenda, sempre se dirá:

25.a Recorrente impugnou a decisão que lhe foi notificada, pelo ... da ACT, e nos termos da qual lhe foi aplicada coima no valor de €:2.300,00, pugnando pela sua absolvição.

26.Não obstante, o Tribunal a quo decidiu condenar a Recorrente na coima de €:3.000,00…

27.Porquanto, entendeu existir lapso de escrita /cálculo por parte da entidade administrativa.

28.O que não se concebe nem concede.

29.Tanto mais que, posterga e derroga um dos mais elementares e estruturantes princípios em direito contraordenacional e penal conhecidos, o princípio da proibição da reformatio in pejus.

30.De resto, jurisprudencialmente foi já deliberado pelo Supremo Tribunal de Justiça que “ao arguido compete defender-se dos factos que lhe são imputados (…) a pena do arguido deve, porém, conter-se no limite máximo da incriminação dos factos atribuída na acusação ou na pronúncia sob pena de alteração substancial dos factos”.

31.Desta feita, não se afigura possível o agravamento da coima aplicada.

32.Sendo que, e se dúvidas restassem, o Regime Jurídico que Regula o Ilícito de Mera Ordenação Social, aplicável ao caso sub judice por forma da remissão operada no artigo 60º do DL 107/2009 de 14.09, proíbe expressamente a reformatio in pejus, no seu artigo 72º A.

33.Impondo-se, pois, a reapreciação da sentença recorrida — que labora em erro na aplicação do Direito ao caso concreto — por este Venerando Tribunal, por forma a preservar a boa aplicação do direito ao caso sub judice.

34.Nesta conformidade, e atento tudo quanto vem de ser exposto, impõe-se a revogação da sentença recorrida, maxime, com a consequente manutenção da coima aplicada em sede administrativa, o que se requer.

Termos em que e nos melhores de Direito, deve ser dado total provimento ao presente recurso, revogando-se, a sentença recorrida, e absolvendo-se a Recorrente, nos precisos termos requeridos, tudo com as legais consequências, assim se fazendo JUSTIÇA.”

*

O Ministério Público apresentou as suas contra-alegações concluindo nos seguintes termos:

(…).

*

O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu o parecer de fls. 140 a 141, no sentido de que “deve o recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida”. *

Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

*

II – Saneamento

A instância mantém inteira regularidade por nada ter entretanto sobrevindo que a invalidasse.

*

*

III – Fundamentação

a) - Matéria de facto provada constante da sentença recorrida:

1º - No dia 22 de abril de 2019, pelas 00H36, na EN ...7, km 5, ..., na comarca ..., foi efetuada uma ação de fiscalização pela GNR, ao veículo pesado de passageiros, matrícula ..-VE-.., e que era conduzido por, AA, que prestava a sua atividade sob as ordens, direção e dependência económica da arguida, no âmbito da qual foi levantado o auto de contraordenação nº...52;

2º - No momento da fiscalização o agente autuante verificou que o condutor acima identificado, apenas possuía registos no seu cartão de condutor referentes aos dias 3, 4, 6, 7, 8, 13, 14, 15, 19, 20, 21 e 22 de abril de 2019;

3º - No dia 15 de fevereiro de 2019, pelas 22H30, no IP ..., km 40,3, na comarca...

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