Acórdão nº 463/21.0T8MMN-D.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 23-11-2023

Data de Julgamento23 Novembro 2023
Ano2023
Número Acordão463/21.0T8MMN-D.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
Apelação n.º 463/21.0T8MMN-D.E1
(2.ª Secção)
Relatora: Cristina Dá Mesquita
Adjuntas: Isabel Peixoto Imaginário
Anabela Luna de Carvalho

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:

I. RELATÓRIO
I.1.
Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), CRL, credora reclamante, interpôs recurso da sentença de verificação de graduação de créditos proferida pelo Juízo de Competência Genérica de Montemor-o-Novo, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Évora, no âmbito do processo de insolvência de (…), Lda. na parte em que reconheceu aos créditos laborais reclamados pelos trabalhadores da insolvente e ao crédito reclamado pelo Fundo de Garantia Salarial (por sub-rogação) o privilégio imobiliário especial previsto no artigo 333.º, n.º 1, alínea b), do Código do Trabalho e, em conformidade, os graduou em 1.º lugar pelo produto da venda do (único) imóvel apreendido nos autos, ou seja, em lugar preferível ao crédito hipotecário da recorrente.
I.2.
A recorrente formula alegações que culminam com as seguintes conclusões:
«27. A sentença proferida para verificação e graduação de créditos graduou os créditos nos seguintes termos:
«Pelo produto da venda do imóvel apreendido nos autos, dar-se-á pagamento pela ordem seguinte:
Em primeiro lugar e a par do crédito do Fundo de Garantia Salarial, os créditos laborais de (…); (…); (…); (…); (…) e (…).
Em segundo lugar, o crédito do Estado/AT, por IMI.
Em terceiro lugar, o crédito garantido do credor Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), C.R.L..
28. Esta decisão confere aos créditos laborais, quer sejam estes titulados pelos trabalhadores, quer pelo Fundo de Garantia Salarial (por efeito de sub-rogação nos direitos de crédito e respetivas garantias, nomeadamente privilégios creditórios dos trabalhadores, na medida dos pagamentos efetuados acrescido de juros de mora vincendos), um lugar que à luz da Lei não lhes compete.
29. A conclusão pela existência de privilégio creditório, imobiliário especial sobre o imóvel apreendido, é errada, porquanto não estão reunidos os pressupostos de facto e de direito, para a existência desta garantia prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 333.º do Código do Trabalho.
30. Os autos contêm factualidade bastante para que se conclua em sentido oposto ao defendido pelo Tribunal a quo, sendo manifesto que no prédio apreendido a insolvente não desenvolvia qualquer atividade, nem mesmo aquela que constituía o seu objeto social.
31. Para decidir como fez o Tribunal a quo estava obrigada a invocar factos concretos e sindicáveis pelas partes, nos quais teria que invocar factos suscetíveis de fundamentar a existência de uma ligação funcional entre os trabalhadores cujos créditos foram verificados e o prédio apreendido.
32. Para fundamentar a existência de privilégio creditório imobiliário especial sobre o imóvel apreendido, o Tribunal a quo limitou-se a invocar um Acórdão deste Tribunal da Relação, dali extraindo o que considerou ser bastante para, assim, graduar os créditos laborais em segundo lugar.
33. Pese embora bem se saiba que a toda a decisão judicial tem, necessariamente, ser conter fundamentos de facto, sempre se dirá que os excertos do citado Acórdão surgem na sentença recorrida de modo descontextualizado, de tal sorte que é ali invertido o sentido daquela decisão jurisprudencial.
34. Da integral leitura daquele aresto conclui-se, justamente, pela necessidade de o julgador aplicar o disposto na citada norma do CT em respeito à factualidade que, em cada caso concreto, permitirá aferir pela existência, ou não, de uma ligação funcional entre a prestação de trabalho e a atividade desenvolvida no prédio do empregador que se pretende afetado pelo privilégio creditório.
35. Da sentença recorrida nada consta a este respeito e não poderia mesmo constar, pois nenhum facto pode suportar a referida ligação.
36. Consequentemente, não estão reunidos os pressupostos para que o prédio apreendido seja objeto do citado privilégio creditório, o que equivale a dizer que os créditos laborais detidos pelos trabalhadores e Fundo de Garantia Salarial não gozam desta garantia.
37. De tudo isto resulta que a sentença recorrida violou regras legais essenciais, e disso resultou a ilegal graduação dos créditos dos trabalhadores e do Fundo de Garantia Salarial em lugar preferível ao crédito hipotecário da aqui recorrente.
38. Não fora esta grosseira violação Lei e apenas se poderia falar de um único privilégio creditório imobiliário especial, aquele de que beneficiaria o crédito da Autoridade Tributária, resultante de IMI, e que lhe permitirá ser pago pelo produto da venda do prédio apreendido, em primeiro lugar.
39. E na sentença que deverá ser proferida em substituição da recorrida, àquele crédito seguir-se-á o hipotecário da recorrente, nos termos do artigo 686.º do Código Civil, pois que a prioridade do registo, junto do Registo Predial, confere-lhe prioridade sobre o outro crédito garantido por hipoteca.
40. Ao decidir nos termos em que o fez o Tribunal a quo proferiu uma decisão violadora dos direitos e interesses da recorrente, e para a qual não dispunha de factos capazes de fundar o Direito ali enunciado.
41. A ausência de fundamentação de facto que, por um lado contrarie tudo quanto nos autos prova a inexistência de qualquer atividade no prédio apreendido e, por outro justifique a existência do privilégio creditório imobiliário especial atribuído aos créditos laborais, constitui vício da sentença gerador da sua nulidade, conforme resulta do n.º 1, alínea b), do artigo 615.º do CPC.
Assim decidindo será feita Justiça».
I.3.
Houve resposta às alegações de recurso por parte do Ministério Público, da credora reclamante (…) e pelo Administradora da Insolvência. O primeiro e o terceiro pugnaram pela improcedência do recurso e a segunda pela procedência do recurso da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), CRL.
O recurso foi recebido pelo tribunal a quo.
Corridos os vistos em conformidade com o disposto no artigo 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1.
As conclusões das alegações de recurso (cfr. supra I.2) delimitam o respetivo objeto de acordo com o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2 e artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC), não havendo lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, ambos do CPC).

II.2.
As questões a decidir são as seguintes:
1 – Saber se ocorre nulidade da sentença por falta de fundamentação.
2- Reapreciação da decisão de mérito.

II.3.
FUNDAMENTAÇÃO
II.3.1.
FACTOS
Os factos a considerar são:
Os que constam da sentença recorrida, concretamente:
«A. Da verificação dos créditos
O Sr. Administrador de Insolvência juntou aos autos lista de credores, onde reconhece os seguintes créditos:
1. Autoridade Tributária e Aduaneira, com créditos emergentes de:

a. IRS, de natureza...

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