Acórdão n.º 462/2016

Data de publicação13 Outubro 2016
SeçãoParte D - Tribunais e Ministério Público
ÓrgãoTribunal Constitucional

Acórdão n.º 462/2016

Processo n.º 64/16

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

Relatório

Nuns autos de promoção e proteção que correm termos na 4.ª Secção de Família e Menores da Instância Central da Comarca do Porto, o Ministério Público requereu que fosse aplicada a favor da menor A. a medida de confiança a instituição com vista a futura adoção.

Teve lugar o debate judicial, no qual, além do mais, a menor A. requereu que, em substituição de uma testemunha não notificada, fosse ouvida como testemunha a sua própria mãe, B., o que foi indeferido.

Encerrado o debate judicial, foi proferida decisão nos termos da qual se aplicou a favor da referida menor a medida de promoção e proteção de confiança a instituição com vista a futura adoção.

A menor interpôs então recurso da decisão que não admitiu a sua mãe a depor na qualidade de testemunha, tendo, nas alegações do aludido recurso, apresentado a seguinte conclusão:

«4) A norma dos arts. 497 n.º 1 al a) parte inicial, 496 "a contrario", do C.P.C. e 126 e 100 da Lei n.º 147/99, de 1 de setembro, na interpretação segundo a qual, no processo judicial de promoção e proteção das crianças e jovens em perigo, previsto pela Lei n.º 147/99 de 1 de setembro, não podem os progenitores da criança deporem no debate judicial na qualidade de testemunhas, é inconstitucional por violar o princípio constitucional de acesso aos Tribunais.»

O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 15 de outubro de 2015, negou provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida, não tendo tomado conhecimento da questão de constitucionalidade suscitada na referida conclusão, com fundamento na circunstância de tal questão apenas constar das conclusões, não encontrando eco "nas alegações propriamente ditas".

A menor requereu a reforma deste acórdão, sustentando que o mesmo não tomou conhecimento de questão de constitucionalidade que havia sido suscitada nas conclusões do requerimento de interposição de recurso, tendo ainda suscitado duas questões de constitucionalidade, nos seguintes termos:

«[...] sendo inconstitucional a norma do art. 635, n.º 3 do C.P.C. na interpretação segundo a qual, tendo a questão de inconstitucionalidade submetida à consideração do Tribunal "ad quem" nas conclusões da alegação do recurso não sido explanada no corpo da alegação, está vedado ao Tribunal "ad quem" dela conhecer, é inconstitucional por violar o princípio consagrado na Constituição da República do acesso aos Tribunais.

Destarte é inconstitucional a norma do art. 639 n.º 3 do C.P.C., interpretada no sentido de que, tendo a questão submetida nas conclusões do recurso à apreciação do Tribunal "ad quem", não sido versada no corpo da alegação do recurso, está vedado ao Tribunal "ad quem" notificar o recorrente para que proceda ao aperfeiçoamento da alegação propriamente dita por forma a ser nela desenvolvida a questão constante da conclusão, por violar o princípio constitucional da não descriminação, do acesso aos Tribunais, e o princípio constitucional da igualdade.»

O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 3 de dezembro de 2015, tendo concluído pela falta de fundamento do pedido de reforma apresentado pela recorrente, indeferiu o requerido.

Inconformada, a recorrente interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), nos seguintes termos:

«A., nos autos - apelação -, à margem melhor referenciados,

não se podendo conformar com o douto acórdão de fls. 78, vem dele interpor recurso para o Tribunal Constitucional.

O recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do art. 70 da Lei do Tribunal Constitucional (LTC),

porquanto:

a) a norma do art. 635, n.º 3 do C.P.C. na interpretação segundo a qual tendo a questão de inconstitucionalidade sido submetida à consideração do Tribunal da Relação, pelas conclusões da alegação do recurso, mas não tendo sido explanada no corpo da alegação, deve uma tal questão ser desconsiderada pelo Tribunal da Relação, é inconstitucional por violar o princípio consagrado na Constituição da República do acesso aos Tribunais.

b) a norma do art. 639 n.º 3 do C.P.C., interpretada no sentido de que, não tendo a questão que é submetida nas conclusões do recurso à apreciação do Tribunal da Relação, sido versada no corpo da alegação do recurso, não tem o Tribunal da Relação que notificar o recorrente para que proceda ao aperfeiçoamento da alegação por forma a que, no corpo da alegação, seja desenvolvida a questão constante da conclusão da alegação mas ali omitida, por violar o princípio constitucional, do acesso aos Tribunais, e o princípio constitucional da igualdade.

A arguição da alínea a) de inconstitucionalidade consta do requerimento em que é requerida a reforma do douto acórdão de fls. 55.

A arguição de inconstitucionalidade da alínea b) é suscitada no requerimento em que é requerida a reforma do douto acórdão de fls. 55

Conquanto o douto acórdão recorrido observe a inexistência de lapso na apreciação da questão de dever ordenar o aperfeiçoamento das alegações de recurso e por conseguinte faltaria pressuposto para apreciação da reforma, porém refere:

"... ficou bem patente no acórdão a razão pela qual a Relação não ordenou o aperfeiçoamento das alegações de recurso - seria inusitado repeti-las..." (cf. fls. 81).

Pelo que por este segmento o douto acórdão recorrido reitera a fundamentação e tratamento dado a essa questão, pelo que, embora remetendo para o douto acórdão anterior, está a conhecer do pedido de reforma, mesmo que observe que não ocorreu lapso.

O recurso deve subir, imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.»

A recorrente apresentou alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:

«1) Interposto recurso para o Tribunal da Relação do Porto, foi nas conclusões da alegação submetida à apreciação do Tribunal "ad quem" questão de inconstitucionalidade;

2) O douto acórdão da Relação que conheceu do recurso, não conheceu da questão de inconstitucionalidade suscitada, por, constando a mesma das conclusões da alegação, não vir referida no corpo da alegação;

3) Por isso, ao não conhecer da questão da inconstitucionalidade submetida à apreciação do Tribunal da Relação nas conclusões do recurso, por não ser desenvolvida no corpo da alegação, o douto acórdão, com a interpretação que assim é feita à norma e a aplica, viola, com uma tal interpretação da norma com que é aplicada, os princípios do acesso aos Tribunais e da igualdade, consagrados nos arts. 13 e 20 n.º 1, da Constituição das República Portuguesa;

4) Pelo que a norma do art. 653 n.º 3, do CPC, tendo sido interpretada e aplicada no douto acórdão recorrido com esse condicionalismo e alcance, mostra-se ela afetada de inconstitucionalidade material.

Destarte e outrossim,

5) Faltando no contexto da alegação o desenvolvimento da questão de inconstitucionalidade submetida à apreciação da Relação nas conclusões do recurso, o Mmo Relator previamente ao douto acórdão ter julgado desconsiderada a questão, e por conseguinte dela não conhecendo, devia proferir despacho-convite para o recorrente aperfeiçoar a peça processual da alegação, desenvolvendo nela a questão inserta nas conclusões;

6) Refere o douto acórdão que a norma não prevê a possibilidade de aperfeiçoamento para as alegações, mas apenas para as conclusões;

7) Assim interpretando e aplicando o douto acórdão a norma do art. 639 n.º 3, do CPC, com esse sentido e alcance, de que previamente a ser pelo Tribunal "ad quem" desconsiderada a questão, não tem o Mmo Relator que notificar o recorrente para fazer o aperfeiçoamento da peça processual da alegação, é inconstitucional por violar os princípios consagrados nos n.os 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa, do acesso ao direito e aos Tribunais, e de um processo equitativo.

Pelo que, com o douto suprimento de V.Excias., deve ser dado provimento ao recurso, devendo tais normas assim interpretadas com o referido sentido e alcance, com que foram aplicadas no douto acórdão recorrido, serem julgadas inconstitucionais e, em sua consequência, ordenado que o douto acórdão recorrido seja reformado em conformidade ao julgamento de constitucionalidade, assim sendo feita JUSTIÇA».

O Ministério Público contra-alegou, tendo concluído da seguinte forma:

«1 - Nos termos do artigo 72.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, tem legitimidade para recorrer para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, quem suscitar a questão de inconstitucional de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de ele estar obrigado a dela conhecer.

2 - Assim, esse tribunal só está vinculado à apreciação da questão se forem respeitadas as regras processuais e procedimentais que regem o processo no âmbito do qual foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional.

3 - Desta forma, para que o tribunal conheça de uma questão de constitucionalidade levantada em alegações de recurso, terá de ser respeitado o regime e as exigências constantes do artigo 639.º do Código de Processo Civil.

4 - Consequentemente, "a norma do artigo 635.º, n.º.3, do Código de Processo Civil, na interpretação segundo a qual, tendo a questão de inconstitucionalidade sido submetida à consideração do Tribunal da Relação, pelas conclusões da alegação do recurso, mas não tendo sido explanada no corpo da alegação, deve uma tal questão ser desconsiderada pelo Tribunal da Relação", não é inconstitucional uma vez que não viola o direito de acesso aos tribunais (artigo 20.º, n.º 1, da Constituição).

5 - O artigo 639.º, n.º 3, do Código de Processo Civil apenas prevê a possibilidade de aperfeiçoamento das conclusões das alegações e não do texto das alegações, não se retirando da Constituição, designadamente do direito de acesso aos tribunais, a existência, no âmbito do processo civil, de um genérico direito ao aperfeiçoamento.

6 - Assim...

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