Acórdão nº 45/22.0YTLSB.L1-5 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-02-07

Ano2023
Número Acordão45/22.0YTLSB.L1-5
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório
No processo nº 4/21.0SWLSB do Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa (Juiz 4) foi, em 10.08.2022, proferido o seguinte despacho:
Nulidade da acusação.
Nos presentes autos o Ministério Público deduziu acusação, entre outros, contra MC e MG, imputando-lhes a prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo disposto no artigo 21.º, n.º 1 do Decreto - Lei n.º 15/93 de 22/01, com referência às tabelas I-B, II-A, a este anexas.
Estes arguidos requereram a abertura da instrução com o sustento da nulidade da acusação deduzida, por a mesma não conter a descrição dos factos cuja prática lhes seja imputada.
Analisada a acusação resulta claro que o Ministério Público, apesar de efectuar uma apresentação genérica da situação, nunca imputa concretamente qualquer facto susceptível de integrar a referida incriminação em relação aos mencionados arguidos.
Assim, da acusação resulta claro, como referem os arguidos MC e MG nos respectivos RAI, que a imputação criminosa deriva de meras considerações sobre a situação dos arguidos, mas não sobre algo que os mesmos tenham feito e, portanto, de que se possam defender.
Independentemente da indiciação ou da relevância dos meios de prova apresentados, apenas se descreve que a arguida MC aderiu ao plano de traficar estupefacientes, sendo que, em duas situações, estava a acompanhar outro arguido (a quem são imputados a guarda, o transporte e a entrega de estupefacientes), seu marido.
Também quanto ao arguido MG apenas se descreve que na habitação e outras instalações deste arguido foram utilizadas por outro co-arguido (AC) para a guarda de produtos relacionados com o tráfico de estupefacientes.
Por mais ampla que possa ser a incriminação prevista no art.º 21.º do DL 15/93 de 22 de Janeiro, o simples acompanhamento de alguém que pratica os actos ali previstos, não integra a referida incriminação. Como não a integra o simples conhecimento dessa actividade.
Da mesma forma, a qualidade de proprietário, comproprietário ou usuário de um local onde se encontram guardados produtos estupefacientes, não integra a mesma incriminação.
Para que tal aconteça é necessário que seja imputado aos arguidos a guarda de estupefacientes, de objectos relacionados com os mesmos, a permissão efectiva ou acordo para tal guarda (que seja essencial para a referida verificação), actos de transporte ou entrega de estupefaciente, de entrega ou recebimento de dinheiro, a condução de veículos necessária a tais actos, a vigia para prevenir acções policiais, a intervenção em comunicações de transacção de estupefacientes, etc.
O que não significa que as condições descritas na acusação impeçam a consideração das pessoas na situação dos requerentes da instrução como suspeitos e, conforme os meios de prova que sejam efectivamente recolhidos, lhe venham a atribuir, em concreto, actos de tráfico de estupefacientes, nomeadamente a guarda de estupefacientes e de outros objectos ou dinheiro sob a sua responsabilidade, ainda que partilhada, ou alguma simples conversa de transacção ou entrega singular quanto a estupefacientes.
Mas o que não pode é deixar de se fazer tal imputação concreta.
Por isso, se o Ministério Público, em honestidade, não conseguiu imputar aos arguidos requerentes da instrução algum facto concreto de tráfico de estupefacientes, independentemente da análise da indiciação ou do tipo de integração típica pretendida pelo Ministério Público, manifestamente a acusação encontra-se em violação do disposto no art.º 283.º, n.º3, b), do Código de Processo Penal, quanto a tais arguidos, por não descrever factos de onde podia resultar a responsabilidade dos mesmos quanto ao crime pelo qual foi deduzida acusação; sendo, consequentemente, nula.
Em face do exposto, declaro nula a acusação deduzida contra os arguidos MC e MG.
Notifique.”
*
Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso daquela decisão, formulando as seguintes conclusões:
“1.º A Decisão recorrida declarou nula a acusação deduzida pelo Ministério Público contra os arguidos MC e MG, entendendo que «a acusação encontra-se em violação do disposto no art.º 283.º, n.º 3, b), do Código de Processo Penal, quanto a tais arguidos, por não descrever factos de onde podia resultar a responsabilidade dos mesmos quanto ao crime pelo qual foi deduzida acusação».
2.º Porém a Acusação não é nula, pois contém a narração dos factos imputados aos arguidos MC e MG.
3.º Como o crime está imputado em co-autoria material, e o resultado total deve ser imputado a todos os participantes, importa, sucintamente, referir factualidade constante da Acusação.
4.º Constam do despacho de acusação:
A
«Desde, pelo menos, Janeiro de 2021, data em que chegou ao conhecimento das autoridades policiais a actividade levada a cabo pelos arguidos AC e BP, que estes acordaram entre si, de forma organizada e com regularidade, e em conjunto e em comunhão de esforços, proceder à aquisição e venda de cocaína e de MDMA a terceiros, com vista à obtenção de lucro.» ( 1 da Acusação)
B
O estupefaciente, as quantias monetárias e objectos procedentes da venda de cocaína e de MDMA eram guardadas nas residências dos arguidos situadas:
- na Rua …, em Almada (habitação dos arguidos AC e MC), Estrada …, Lisboa (habitação do arguido MG);
- na Rua …, em Lisboa (habitação do arguido BP)
Mas também no interior da garagem/arrecadação nº … sita na Rua …, em Lisboa, (nº 13 da Acusação)
C
Os arguidos utilizaram vários cartões telefónicos, no desenvolvimento desta actividade, porém «Para comunicar com os seus clientes, os arguidos utilizavam o mesmo aparelho telefónico - (número de telefone - xxxxxx - alvo 117586040). (nºs 5 e 8 da Acusação)
D
As encomendas eram feitas pelos clientes para o telefone referido em C, (nos 2, 4, 6, 7 e 8 do despacho de acusação
E
Os arguidos AC e MC procediam às entregas e recebiam o pagamento, no local e hora previamente acordado, deslocando-se, no mínimo nos veículos automóveis de marcas:
“BMW”, de matrícula …, (n.ºs 15, 21, 32, 37, 47, 56, 67, 70, 78, 91, 95, 102 da Acusação)
“Peugeot”, de matrícula … (n.º 32 da Acusação)
“Fiat Grand Punto”, de matrícula … (nos 51, 52, 55, 87, 103 da Acusação)
“Seat Ibiza”, de matrícula … (n.ºs 107, 109 da Acusação)
“Nissan Juke”, de matrícula … (n.ºs112. 138. 152. 155, 163. 164, 202 da Acusação)
“Volkswagen Polo”, de cor cinzenta e matrícula … (n.ºs 115, 117, 119, 120, 121, 123, 126 da Acusação)
“Kia Picanto”, de matrícula … (n.ºs 128. 131 da Acusação)
“Renault Clio”, de matrícula … (n.ºs 132, 134. 145. 150, 156, 159. 172, 175, 182 184 187 190 196 201 da Acusação)
F
- Até «meados de Abril de 2021», «as transacções de estupefaciente eram realizadas essencialmente durante o período da tarde/noite, e da seguinte forma:
b. De segunda-feira a quinta-feira: entre as 13h00 e as 19h00 eram realizadas pelo arguido AC;
b. Na sexta-feira: entre as 13h00 e as 19h00, eram realizadas pelo arguido AC, e entre as 19h00 e as 23h00 eram realizadas pelo arguido BP;
c. Durante o fim-de-semana (sábado e domingo): entre as 14h00 e as 20h00 eram realizadas pelo arguido BP.
G
- A partir de meados de Abril de 2021, verificou-se uma alteração no modus operandi utilizado pelos arguidos, sendo que:
c. - O arguido AC procedia à distribuição de produto estupefaciente aos clientes, de segunda-feira a sexta-feira, habitualmente no período entre as 14h00 e as 20h00;
d. - O arguido BP, procedia à distribuição de produto estupefaciente aos clientes, às quartas e quintas das 20h00 até à 00h00, na sexta-feira das 20h00 até às 02h00 e aos fins-de-semana entre as 13h00 e as 02h00.- (n.ºs 10 e 11, da Acusação)
H
«A actividade desenvolvida pelos arguidos e os encontros que tinham com os seus clientes tendentes à entrega de cocaína e de MDMA, foram objecto de várias vigilâncias policiais, algumas das quais realizadas, em tempo real, com acompanhamento das intercepções telefónicas», designadamente, como descritas na Acusação, aqui dadas por integralmente reproduzidas, nos dias:
04.01.2021, (nos 15 a 26 da Acusação)
08.01.2021, (nos 27 a 31 da Acusação) - 05.02.2021 (nos 32 a 55 da Acusação) - 10.02.2021 (nos 56 a 66 da Acusação)
11.02.2021 (nos 67 a 69 da Acusação)
12.02.2021 (nos 70 a 79 da Acusação)
05.03.2021 (nos 80 a 89 da Acusação) - 22.03.2021 (nos 90 a 94da Acusação)
15.04.2021 (nos 95 a 101 da Acusação)
06.05.2021 (nos 102 a 106 da Acusação)
16.06.2021 (nos 107 a 114 da Acusação)
12.07.2021 (nos 115 a 127 da Acusação)
21.07.2021 (nos 128 a 131 da Acusação)
20.08.2021 (nos 132 a 144 da Acusação)
01.10.2021 (nos 145 a 155 da Acusação) - Novembro de 2021 - (nos 167 a 170 da Acusação)
07.12.2021 (nos 156 a 166 da Acusação)
11.12.2021 (nos 171 a 183 da Acusação) - 19.01.2022 (nos 184 a 193 da Acusação)
02.03.2022 (nos 194 a 204 da Acusação)
I
No dia 02.03.2022,
A
Pelas 19h35, o arguido AC na viatura “Renault Clio” de matrícula … e o arguido BP, fazendo-se transportar na sua viatura de marca e modelo “Nissan Juke” de matrícula … encontraram-se na Av. a … junto à …, na via destinada à paragem de autocarro.
B
O arguido AC entregou ao arguido BP o telemóvel com o cartão telefónico com o n.º xxxxxx e recebeu deste, diversas notas que perfaziam a quantia monetária de €150,00 (cento e cinquenta euros).
C
«Nesse momento, estes arguidos foram abordados e revistados por Agentes da P.S.P.
D
Na posse do arguido AC foi encontrada e apreendida a quantia monetária de €700,00 (setecentos euros)
E
No interior da viatura de marca e modelo “Renault Clio”, de matrícula … foram encontrados e apreendidos:
- Uma bolsa de pequenas dimensões de marca “ORIGINAL LANYARDS”, de cor castanho e preto, contendo no seu interior:
- 21 (vinte e uma) embalagens de Cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 19,976gramas, produto este que apresentava um grau de
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