Acórdão nº 4397/19.0T9STB-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-09-26

Data de Julgamento26 Setembro 2023
Ano2023
Número Acordão4397/19.0T9STB-A.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes na 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

I.
Nos autos de processo comum com intervenção do tribunal colectivo com o n.º 4397/19.0T9STB que correm termos no Juízo Criminal ..., Comarca ..., foi suscitada a intervenção deste Tribunal da Relação, nos termos do artigo 135º, n.º 3, do Código de Processo Penal, para quebra do sigilo profissional invocado pela testemunha AA, advogado de profissão, aquando da respectiva audição, naquela qualidade, em sede de audiência de julgamento naqueles autos.
Aquela intervenção foi solicitada pelo Mmo. Juiz titular dos autos, depois de considerar legitima a recusa em prestar depoimento por parte dessa testemunha, na sequência de pedido da defesa do arguido BB, consubstanciada em requerimento apresentado em audiência, e da audição dos demais intervenientes processuais que se pronunciaram sobre aquele requerimento.
Solicitado parecer nos termos do artigo 135º n.º 4 do Código de Processo Penal, por notificação datada de 22.05.2023 e depois de insistência a 14.07.2023, a Ordem dos Advogados não emitiu o mesmo.


II.
Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
O despacho em que suscitou o presente incidente tem o seguinte teor:
Do Incidente de Levantamento/ Quebra do Sigilo Profissional:
Nos presentes autos estão sob apreciação factos passíveis de integrar, em abstrato, a prática de 1 (um) crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1, 218.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), do Código Penal, com referência ao artigo 202.º, alínea b), do mesmo diploma legal.
No decurso da audiência de julgamento foi iniciada a inquirição de AA (advogado), enquanto testemunha arrolada pela defesa do arguido BB.
Sucede, porém, que a referida testemunha, já após iniciar o seu depoimento em audiência de julgamento, negou-se a depor quanto aos factos a que estava a ser inquirido pela defesa dos arguidos referentes aos contratos de cessão de créditos constantes de fls. 21 a 23 e 88 a 92 dos autos, dos quais terá conhecimento por via da sua atividade profissional, invocando, para tal, o sigilo profissional a que se encontra vinculado (cfr. Ata sob a Ref.ª Citius ...41 de 27.01.2023) e não mostrando disponibilidade para requerer o levantamento de tal sigilo profissional junto da Ordem de Advogados.
Nessa sequência, por considerarem que o direito de defesa dos arguidos deve prevalecer sobre a invocação do sigilo profissional e que a descoberta da verdade material prevalece em função do dever de sigilo, requereram as defesas dos arguidos BB e CC que se suscite o incidente a que alude o artigo 135.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, a fim de se determinar e ordenar que a mencionada testemunha deponha em julgamento quanto aos factos referentes aos aludidos contratos de cessão de créditos na estrita medida do que seja necessário para a descoberta da verdade material.
No exercício do contraditório veio o MINISTÉRIO PÚBLICO declarar a sua não oposição ao requerido, por considerar que o depoimento da testemunha AA se afigura imprescindível à descoberta da verdade material (cfr. Requerimento Ref.a Cit;us ...42).
Por seu turno DD, assistente nos autos, veio pugnar pela rejeição do aludido incidente. Invoca, em suma, que não foram aduzidos pelos arguidos, requerentes do incidente, os elementos necessários para que se possa decidir sobre a quebra do segredo profissional (cfr. Requerimento Ref,a Citius ...78).
Igual entendimento foi expresso nos autos pela demandante/ofendida «SOCCER FEATURES LIMITED — SUCURSAL EM PORTUGAL» (cfn Requerimento Ref.a Citius ...86).
Após convite do Tribunal nesse sentido vieram os arguidos indicar os factos eventualmente conhecidos pela testemunha AA e cobertos pelo segredo profissional de Advogado, suscetíveis de demonstrarem a absoluta necessidade ou imprescindibilidade da prestação do respetivo depoimento para a descoberta da verdade material (cfr. Requerimento Ref Citius ...56).
Cumprido o contraditório nada mais foi requerido/ alegado.
Cumpre apreciar.
Em face do disposto no artigo 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro, importará, pois, concluir pela legitimidade da recusa por parte da mencionada testemunha, advogado de profissão, na medida em que os elementos de prova pretendidos com o seu depoimento caem no âmbito do sigilo profissional legalmente definido.
Com efeito, dispõe-se no artigo 92.º do EOA que:
«1- O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha os exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, nomeadamente:
a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste;
b) A factos de que tenha tido conhecimento em virtude de cargo desempenhado na Ordem dos Advogados;
c) A factos referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja associado ou ao qual preste colaboração;
d) A factos comunicados por coautor, corréu ou cointeressado do seu constituinte ou pelo respectivo representante;
e) A factos de que a parte contrária do cliente ou respectivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio;
f) A factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo.
2 - A obrigação do segredo profissional existe quer o serviço solicitado ou cometido ao advogado envolva ou não representação judicial ou extrajudicial, quer deva ou não ser renumerado, quer o advogado haja ou não chegado a aceitar e a desempenhar a representação ou serviço, o mesmo acontecendo para todos os advogados que, direta ou indiretamente, tenham qualquer intervenção no serviço.
3- O segredo Profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, directa ou indiretamente, com os factos sujeitos a sigilo.
4- O advogado pode revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, mediante prévia autorização do Presidente do conselho regional respetivo, com recurso para o bastonário, nos termos previstos no respectivo regulamento.
5- Os actos praticados pelo advogado com violação de segredo profissional não podem fazer prova em juízo.
6 - Ainda que dispensado nos termos do disposto no n.º 4, o advogado pode manter o sigilo profissional.
7 - O dever de guardar sigilo quanto aos factos descritos no n.º 1 é extensivo a todas as pessoas que colaborem com o advogado no exercício da sua atividade profissional, com a cominação prevista no n.º 5,
8 - O advogado deve exigir das pessoas referidas no número anterior, nos termos de declaração escrita lavrada para o efeito, o cumprimento do dever aí previsto em momento anterior ao início da colaboração, consistindo infração disciplinar a violação daquele dever.» (sublinhados nossos)
O fundamento ético-jurídico do sigilo profissional de advogado radica no princípio da confiança e na natureza social da função forense l .
A este respeito citamos parcialmente o sumário do douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.02.2018 (Proc. n.0 1130/14.7TVLSB.L1.SI):
«(…) II - Na generalidade, entende-se por segredo profissional a reserva que todo o indivíduo deve guardar dos factos conhecidos no desempenho das suas funções ou como consequência do seu exercício, factos que lhe incumbe ocultar, quer porque o segredo lhe é exigido, quer porque ele é inerente à própria natureza do serviço ou à sua
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