Acórdão nº 43/22.3GAMTS.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-03-08

Ano2023
Número Acordão43/22.3GAMTS.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. nº 43/22.3GAMTS.P1


Tribunal de origem: Juízo Local Criminal de Matosinhos, Juiz 2 – Tribunal Judicial da Comarca do Porto


Acordam em conferência os Juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:


I. RELATÓRIO

No âmbito do processo sumário nº 43/22.3GAMTS que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Criminal de Matosinhos – Juiz 2, em 07/10/2022 foi proferida Sentença, cujo dispositivo é do seguinte teor:
«Pelo exposto, julga-se a acusação procedente por provada e, em consequência, o Tribunal decide:
1) Condenar o arguido AA pela prática em 22-09-2022 de um crime contra a preservação da fauna e das espécies cinegéticas, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 30.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 173/99, de 21.09, 2.º, alínea g) e j), da Lei n.º 173/99, de 21.09, e os 52.º, n.º 1, e 53.º, n.º 1, alínea b), ambos do Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18.09, numa pena de 35 (trinta e cinco) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros).
2) Condenar nas sanções acessórias de interdição do direito de caçar pelo período de 3 anos e a perda da arma e munições apreendidas, a favor do Estado, previsto e punido pelo artigo 35.º, n.ºs 1, 2, 3, 4 e 5, da Lei n.º 173/99, de 21.09
3) Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal. »

Inconformado com a decisão, dela recorreu, em 06/11/2022, o arguido AA, extraindo da motivação as seguintes conclusões:
I. O presente recurso tem como objeto a matéria de facto e de direito da sentença proferida nos presente autos, a qual condenou o Arguido pela prática de um crime contra a preservação da fauna e das espécies cinegéticas, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 30.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n. 173/99, de 21/09, 2.º, alínea g) e j), da Lei n.º 173/99, de 21/09 , e os 52.º, n.º 1, e 53.º, n.º 1, alínea b), ambos do Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18/09, numa pena de 35 (trinta e cinco) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros).
E ainda nas sanções acessórias de interdição do direito de caçar pelo período de 3 anos e a perda da arma e munições apreendidas a favor do Estado, previsto e punido pelo artigo 35.º, n.ºs 1, 2, 3, 4 e 5 da Lei n.º 173/99, de 21/09.
II. O Tribunal a quo deu, designadamente, como provado que:
a) No dia 22/09 pelas 11h30 o Arguido AA deslocou-se para a Rua ... com o propósito de caçar pombos. Para tal dotou-se de 1 espingarda de caça, marca “Browning”, calibre 12, pertencente à classe D.
b) Uma vez chegado ao à Rua ... muniu a espingarda de caça marca “Browning”, calibre 12, pertencente à classe D e colocou-se em posição de disparar por de trás do veículo automóvel que ali se encontrava imobilizado.
c) A Rua ... é uma caminho agrícola de acesso a terrenos agrícolas composta por aglomerados populacionais.
d) O Arguido encontrava-se a cerca de 180 metros do aglomerado populacional mais próximo da Rua ....
e) A posição a que se encontrava o Arguido AA fica a cerca de 120 metros de uma habitação sita na Rua ..., ....
III. O douto Tribunal assentou a sua convicção no que foi parcialmente admitido pelo Arguido e nos depoimentos das testemunhas.
IV. Sucede que, relativamente ao facto descrito na alínea b) do artigo 5.º do presente Recurso, o Tribunal a quo assentou a sua convicção alegadamente no que foi parcialmente admitido pelo Arguido e essencialmente no depoimento da testemunha Agente da GNR - BB,
V. entendendo o douto Tribunal que a referia testemunha foi clara ao explicar que o Arguido estava no ceio de uma zona populacional, em posição de disparar, com a arma já preparada com cartuchos nos seu interior, encostada ao veículo e que aguardava o aparecimento de pombos.
VI. Tal convicção assentou no que foi parcialmente admitido pelo Arguido e no depoimento da testemunha – Agente da GNR BB
VII. entendendo o douto Tribunal que a referia testemunha foi clara ao explicar que o Arguido estava no ceio de uma zona populacional, em posição de disparar, com a arma já preparada com cartuchos nos seu interior, encostada ao veículo e que aguardava o aparecimento de pombos.
VIII. Sucede que, do depoimento do Arguido, o qual teve inicio às 10:08:30horas e fim às 10:21:32horas, em momento algum foi por este referido que se encontrava em posição de disparar, antes pelo contrário
IX. Resultou do depoimento do Arguido que no momento em que chegaram os Agentes não estava a exercer o ato da caça e que a arma estava encostada ao veículo automóvel.
X. Já do depoimento da Agente da GNR – BB – o qual teve início às 10:22:19 horas e termo às 10:32:39 horas, resultou que se deslocaram ao local porque populares tinham feito denuncia por terem ouvido tiros noutros dias.
XI. Resultou ainda do depoimento da referida testemunha que quando chegaram ao local encontraram o Arguido AA que se encontrava com a arma encostada ao carro, eventualmente à espera que aparecesse algum pombo, indicando ainda que não tinha o Arguido ainda iniciado a prática da caça.
XII. Nesse sentido, entende-se que o facto julgado como provado – que o Arguido se encontrava em posição de disparar
XIII. foi incorretamente julgado, porque não resulta de nenhuma das provas produzidas a veracidade deste facto, conforme supra se demonstrou.
XIV. Assim, o Tribunal a quo, ao dar como provado que no dia 22/09/2022, às 11h30, o Arguido se encontrava em posição de disparar, violou, entre outros, princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 127.º do Código de Processo Penal.
XV. Mais a mais, ao dar como provados factos que não resultaram da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, violou, ainda, o disposto no artigo 355.º, n.º 1, do CPP – da qual resulta que não valem em julgamento, para efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas na audiência.
XVI. O Tribunal a quo condenou o Arguido pela prática, em 22/09/2022 de um crime contra a preservação da fauna e das espécies cinegéticas, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 30.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n. 173/99, de 21/09, 2.º, alínea g) e j), da Lei n.º 173/99, de 21/09 , e os 52.º, n.º 1, e 53.º, n.º 1, alínea b), ambos do Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18/09, numa pena de 35 (trinta e cinco) dias de multa, á taxa diária de €6,00 (seis euros).
XVII. E ainda nas sanções acessórias de interdição do direito de caçar pelo período de 3 anos e a perda da arma e munições apreendidas a favor do Estado, previsto e punido pelo artigo 35.º, n.ºs 1, 2, 3, 4 e 5 da Lei n.º 173/99, de 21/09.
XVIII. Em primeiro lugar, importa referir que para que se justifique a aplicação de uma pena acessória é necessário que haja condenação do agente numa pena principal mas não é, sua condição suficiente pois torna-se, porém, sempre necessário ainda que o juiz comprove, no facto, um particular conteúdo do ilícito, que justifique materialmente a aplicação em espécie, da pena acessória (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 197).
XIX. Acresce que, no caso concreto determinou o Tribunal a quo que o Arguido não estava a atuar com o conhecimento de que estaria a menos de 250 metros, mas que admitiu que podia efetivamente estar a menos e conformou-se com o resultando, determinando que atuou apenas com dolo eventual.
XX. Ora, do depoimento do Arguido resulta que não sabia que se encontrava a menos de 250 metros do aglomerado populacional e que se tivesse sido alertado para o facto de não puder caçar naquela zona, teria de imediato arrumado os seus pertences e abandonado o local, nunca mais lá voltando.
XXI. A própria testemunha Agente da GRN – BB – afirmou que se seria suficiente um alerta para o Arguido perceber que não poderia caçar naquela zona, afirmando, ainda, que acredita que o mesmo não voltaria aquele local.
XXII. Pelo que, não se entende, nem se aceita a conclusão a que o Tribunal a quo chegou quando estabelece que o Arguido admitiu que podia estar a menos de 250 metros, conformando-se com tal resultado.
XXIII. Nem se se compreende a aplicação da pena acessória, a qual entendemos não ser adequada nem ter sido devidamente fundamentada.
XXIV. Refere o n.º 1 do artigo 35.º da Lei nº 173/99 de 21 de Setembro que "a condenação por qualquer crime ou contra-ordenação previsto nesta lei pode implicar ainda a interdição do direito de caçar e a perda dos instrumentos e produtos da infracção a favor do Estado."
XXV. A expressão "pode implicar" deverá merecer por parte do Julgador a absoluta justificação.
XXVI. No presente caso e para além da profunda desproporcionalidade da condenação de que foi alvo o Recorrente, (condenação penal a que acresce a condenação acessória),
XXVII. Verifica-se que não existe nenhuma razão objetiva que fundamente a aplicação da sanção acessória.
XXVIII. Resulta da Lei que todas as decisões têm que ser objetivamente fundamentadas.
XXIX. O que não verifica no caso da aplicação ao Recorrente da sanção acessória.
XXX. Tal facto causa nulidade da sentença nesta parte, face ao disposto no n.º 2 do artigo 374° do Código de Processo Penal
XXXI. O artigo 374°, n.º2 do Código de Processo Penal impõe uma fundamentação, ainda que concisa, de facto e de direito e uma análise crítica da prova;
XXXII. Essa análise, ainda que também sucinta, é, por definição, mais que um resumo acrítico do que se passou em audiência de julgamento;
XXXIII. Devendo haver indicação, ainda que sumária, de que elementos de prova se considerou com ligação aos factos, provados e não provados, pois não havendo tal facto impossibilita uma pronúncia eficaz do Arguido sobre essa prova, cerceando os seus direitos de defesa;
XXXIV. O que determina nulidade da sentença nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 379.º do Código de Processo Penal.
XXXV. No caso em concreto (aplicação ao Recorrente da sanção acessória) verifica-se uma absoluta falta de
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