Acórdão nº 424/22.2PBCSC-A.L2-9 de Tribunal da Relação de Lisboa, 20-04-2023

Data de Julgamento20 Abril 2023
Ano2023
Número Acordão424/22.2PBCSC-A.L2-9
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, em conferência, na 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
No âmbito do processo nº 424/22.2PBCSC que corre termos no Juízo Central Criminal de Cascais - J2, o arguido, A, viera peticionar (em 23/12/2022) a alteração da medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica por outra menos gravosa, designadamente de obrigação de apresentações periódicas ou, subsidiariamente, que lhe fosse concedida a autorização para se ausentar da habitação estritamente com destino ao local de trabalho que lhe vier a ser designado e às consultas médicas que careça realizar (nos temos constantes das actuais fls. 63-67 aqui dadas por reproduzidas).
Foi proferido despacho (em 5/1/2023 nos termos constante das actuais fls. 70-71 verso):
« O arguido A, sujeito à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, veio requerer a alteração da medida e coação por outra menos gravosa, para poder reiniciar a sua actividade laboral, ou em alternativa, que tal lhe seja autorizado a ausentar-se da sua habitação, estritamente com destino ao local de trabalho que lhe venha a ser designado e às consultas médicas que careça de realizar.
O Ministério Público, nos termos e com os fundamentos que antecedem, opôs-se à pretensão do arguido.
Cumpre decidir.
O arguido foi sujeito à medida de coacção de prisão preventiva em 02/05/2022 e, em 23/06/2022, foi tal medida substituída pela medida de OPHVE.
Entretanto, foi deduzida acusação contra o arguido, sendo-lhe imputada a prática, em autoria material, de (um) crime de violação, na forma agravada, previsto e punido pelos artigos 164.º, n.º 2, alínea a) do Código Penal, 1 (um) crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal e 2 (dois) crimes de ameaça agravados, previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos artigos 153.º, n.º 1, e 155.º, n.ºs 1, alíneas a) e c), com referência ao disposto no artigo 132.º, n.º 2, alínea l), todos do mesmo diploma.
O estatuto coactivo do arguido tem vindo a ser reapreciado nos termos legais, mantendo-se inalterados os pressupostos, de facto e de direito, que estiveram subjacentes à aplicação ao arguido da mencionada medida de coacção, vindo aliás, com a dedução da acusação e, posteriormente, do despacho de pronúncia, a ser reforçados.
A medida de coacção de obrigação de permanência na habitação visa, como aliás, todas as demais medidas de coacção, com excepção do termo de identidade e residência, prevenir os perigos enunciados no artigo 204º do C.P.P..
É requisito específico da sua aplicação a existência de fortes indícios da prática de crime doloso punível com pena de prisão de superior a três anos (artigo 201º, nº 1 do C.P.P.), sendo ainda necessário, para o mesmo efeito, como requisito geral, a verificação, no caso concreto, de um ou mais do que um dos perigos elencados no referido artigo 204º do C.P.P..
A medida de coacção de OPHVE é a segunda mais grave ou onerosa das medidas de coacção legalmente admissível, por contender, além do mais, com a liberdade dos cidadãos – obviamente, com menos intensidade do que a prisão preventiva – prevendo a obrigação do arguido não se ausentar do domicílio, que constitui o objecto da medida.
Nos termos do preceituado no artigo 11.º da Lei nº. 33/2010, de Setembro, as ausências do local determinado para vigilância electrónica são autorizadas pelo juiz, mas em situações excepcionais, quando estejam em causa motivos imprevistos e urgentes. E, apenas nestas circunstâncias, deve ser solicitada previamente aos serviços de reinserção social, nos termos do disposto na alínea f) do artigo 6.º, que decidem tendo em conta os fundamentos invocados, a segurança da comunidade e o controlo de execução da medida.
Temos por certo que nestas circunstâncias, que, repete-se, são excepcionais, incluem-se, entre outras, necessidades pontuais como as de tratamento médico inadiável do arguido e de familiares consigo residentes e que necessitem de acompanhamento para esse efeito, ou o cumprimento de relevantes obrigações sócio-familiares, como sejam, a visita de ascendente ou descendente gravemente doente ou a comparência em cerimónias fúnebres de tais familiares.
Ora, a circunstância invocada pelo arguido, que pretende autorização para fins do exercício de uma actividade profissional regular, não pode considerar-se de natureza excepcional, não apenas por se tratar de uma actividade duradoura, como também, e sobretudo, porque pode pôr em causa os fins que a medida de coacção visava acautelar quando foi decretada, e que ainda, evidentemente, subsistem, já que a pretendida autorização para exercer actividade profissional, facultaria ao arguido a oportunidade necessária para continuar a actividade criminosa e, consequentemente, de perturbar a ordem pública, perigos que sustentaram a medida de coacção à qual se encontra sujeito, tanto mais que as características da proposta apresentada, nomeadamente a mobilidade geográfica decorrente das funções que pretende exercer, associadas à ausência de um interlocutor imparcial, introduzem sérios constrangimentos em termos de controlo, não tendo a DGRSP forma de assegurar o controlo dos períodos de ausência, nem tão pouco assegurar que o arguido não venha a utilizar parte dos períodos de ausência para fins e locais não previstos.
Os factos pelos quais o arguido se encontra acusado, e que já se encontravam indiciados aquando da aplicação ao mesmo das medidas de coacção supra referidas, são graves, inscrevem-se no conceito de criminalidade violenta e especialmente violenta (cfr. artigo 1º, als. j) e l) do C.P.P.) e o perigo de continuação da actividade criminosa e de perturbação da ordem e tranquilidade públicas foram uns dos fundamentos que sustentaram a aplicação ao arguido do estatuto coactivo em que se encontra.
Em face do exposto, por não se verificarem preenchidos os seus pressupostos legais, e mantendo-se inalterados os pressupostos de facto e de direito que estiveram subjacentes à aplicação ao arguido da medida de coacção a que se encontra sujeito, indefiro o requerido.
Notifique.»
*
Inconformado com esse despacho, em 13/1/2023 o arguido interpôs o recurso a que se reportam os presentes autos, concluindo a sua motivação e respectivo petitório do seguinte modo (transcrição):
« a) A decisão recorrida é nula, por omissão de pronúncia, atendendo a que requereu «que seja concedida ao Arguido autorização para se ausentar da sua habitação, estritamente com destino ao local de trabalho que lhe venha a ser designado e às consultas médicas que careça de realizar», não se tendo o Tribunal a quo pronunciado senão relativamente à autorização para se ausentar da sua habitação, estritamente com destino ao local de trabalho, omitindo qualquer pronúncia, quer quanto à situação (gravíssima, de perigo eminente de morte) que aliás determinou que a medida de prisão preventiva fosse alterada para permanência na habitação, quer quanto à incapacidade dos serviços da DGRSP para dar resposta aos pedidos de deslocação a consultas médicas.
b) De facto, o Arguido está privado de comparecer às consultas da especialidade de Cardiologia, tendo faltado àquela que lhe foi agendada em 21 de Julho de 2022 (!), apesar de o Tribunal e os serviços da DGRSP saberem que padece de miocardiopatia dilatada, uma disfunção miocárdica que provoca insuficiência cardíaca, de resto, já suficientemente caracterizada através dos relatórios juntos aos autos (convém no entanto recordar que 20% dos pacientes diagnosticados com esta condição, morrem no primeiro ano e cerca de 10% um ano depois; aproximadamente 40 a 50% das mortes são repentinas em decorrência de arritmia maligna ou evento embólico), sendo tal condição agravada pelo facto de sofrer de disritmia sintomática, por taquicardia supra ventricular paroxística, extrosistolia supra ventricular, e extrasistolia ventricular monfórmica, e associadas e como agravantes desta condição, uma frágil condição imunológica, caracterizada por pneumonias repetitivas, rinite, bronquiolites, amigdalites e otites de repetição.
c) Se a decisão recorrida não é nula por omissão de pronúncia, então, parece dela resultar que a situação supra descrita, não se subsume a situações «excepcionais, incluem-se, entre outras, necessidades pontuais como as de tratamento médico inadiável do arguido», que o Tribunal a quo entente serem as únicas que podem determinar a autorização de saída quando exista uma medida de coação de obrigação de permanência na habitação.
d) Mal: porque, cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17-02-2010 (Processo 42/06.2TAOVR-C.P1): «Posto que a lei penal não previna relativamente ao regime de permanência na habitação os objectivos e saídas que consagrou para o regime de semidetenção, não resulta daí que a lei pretenda afastar que o condenado segundo aquele regime possa prosseguir a sua actividade profissional, a sua formação profissional ou os seus estudos, salvaguarda que se mostre a compatibilidade com as finalidades de prevenção.».
e) Aliás, nos termos do Artigo 11.º, da Lei n.º 33/2010, de 02 de Setembro, que regula a utilização de meios técnicos de controlo à distância (vigilância electrónica), apenas impõe que «as ausências do local determinado para a vigilância eletrónica são autorizadas pelo juiz, mediante informação prévia dos serviços de reinserção social quanto ao sistema tecnológico a utilizar, podendo o despacho ter natureza genérica.», sem fazer qualquer alusão às respectivas razões.
f) Como se nos afigura manifesto, o despacho recorrido deveria fazer referência ao facto de existir uma alteração substancial do circunstancialismo em que a prisão preventiva foi determinada, tendo sido já deduzida acusação, estando ultrapassado o prazo de abertura de instrução e tendo sido retirada ao Arguido a “pulseira electrónica”, por erro dos Serviços da
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