Acórdão nº 42/21.2T9MLG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-11-28

Ano2023
Número Acordão42/21.2T9MLG.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.
(Secção Penal)

I. RELATÓRIO

No processo comum singular n.º 42/21...., do Juízo Local Criminal ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., em que é arguido AA e assistente a Santa Casa da Misericórdia ..., quando os autos se encontravam ainda em fase de Inquérito, foi decidido que a Santa Casa da Misericórdia ... estava isenta do pagamento da taxa de justiça devida pela constituição como assistente, por despacho judicial de 3 de junho de 2021, com o seguinte teor:
«Nestes autos investiga-se um crime de ofensa a pessoa coletiva, organismo ou serviço, em que é ofendida a Santa Casa da Misericórdia ....
A ofendida veio requerer a sua constituição como assistente.
A ofendida entende que está isenta de custas, atento o disposto no art. 4º, n.º 1, al. f) do RCP.
O Ministério Público entende que, no caso em apreço, não se verificam os pressupostos dessa isenção.
Cumpre decidir.
Estão isentas de custas as pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos, quando atuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável (art. 4º, n.º 1, al. f) do RCP).
Em suma, o benefício da isenção de custas é reconhecido às pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos nas seguintes situações:
- Atuem, no processo, exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições;
- Atuem, no processo, para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelos respetivos estatutos ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável.
Esta isenção é motivada pela ideia de estímulo ao exercício de funções públicas por particulares que, sem espírito de lucro, realizam tarefas em prol do bem comum[1].
É uma isenção restrita, na medida em que apenas funciona em relação aos processos relativos às especiais atribuições da pessoa coletiva ou para defesa dos interesses conferidos pelo respetivo estatuto ou pela lei, que coincidam com o bem comum.
Além disso, não estamos perante uma isenção absoluta. Como decorre do n.º 5 do art. 4º do RCP, a parte isenta é responsável pelo pagamento das custas, nos termos gerais, quando se conclua pela manifesta improcedência do pedido. Por outro lado, o n.º 6 do mesmo artigo estipula que, sem prejuízo do disposto no número anterior, nos casos previstos nas alíneas b), f), g), h), s), t) e x) do n.º 1 e na alínea b) do n.º 2, a parte isenta é responsável, a final, pelos encargos a que deu origem no processo, quando a respetiva pretensão for totalmente vencida.
Daqui resulta que, caso a pretensão da assistente não venha a ter provimento, esta será responsável, a final, pelo pagamento das custas do processo.
Vejamos o caso concreto.
Como se disse, nestes autos investigam-se factos suscetíveis de integrar a prática de um crime de ofensa a pessoa coletiva, organismo ou serviço, em que é ofendida a Santa Casa da Misericórdia ....
Resulta dos autos que a ofendida que é uma pessoa coletiva de utilidade pública sem fins lucrativos.
Está aqui em causa a defesa da honra e do bom nome da ofendida, sendo que essa defesa é uma atribuição de qualquer pessoa coletiva sem fins lucrativos, pois sem esse bom nome, não terá possibilidade de exercer a sua atividade.
Consta ainda dos seus estatutos que é obrigação dos Irmãos da ofendida “honrar, defender e proteger a Santa Casa da Misericórdia em todas as circunstâncias, em especial quando ela for injustamente acusada ou atacada” (art. 7º, al. a).
Tenho entendido, noutros processos deste tipo, que a ofendida beneficia da isenção prevista no art. 4º, n.º 1, al. f) do RCP, uma vez que a defesa da honra e do bom nome é uma atribuição de qualquer pessoa coletiva sem fins lucrativos, pois sem esse bom nome, não terá possibilidade de exercer a sua atividade.
Pelos motivos, expostos, e por uma questão de coerência e de segurança jurídica, entendo que a ofendida está isenta do pagamento de custas.
Decisão idêntica foi proferida nos processos de inquérito n.º 6/21.... e 99/20.....
**
Assim, por estar em tempo, ter legitimidade e encontrando-se isenta do pagamento de taxa de justiça, admito a constituição de assistente de Santa Casa da Misericórdia ....
Notifique.»
*
Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso, apresentando a competente motivação que remata com as seguintes conclusões:

«a) Por despacho proferido em 03-06-2021, foi admitida a intervenção da Santa Casa da Misericórdia ..., sem o correspondente pagamento da taxa de justiça devida e prevista no artigo 519º do Código de Processo Penal e artigo 8º, n. º1 do Regulamento das Custas Processuais, por o tribunal a quo entender que esta beneficiaria da isenção de custas prevista no artigo 4º, n.º 1, al. f) do RCP, o qual prescreve que estão isentas de custas “…as pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos, quando atuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto ou nos termos da legislação que lhes seja aplicável, na medica em que “A defesa da honra e do bom nome é uma atribuição de qualquer pessoa coletiva sem fins lucrativos, pois sem esse bom nome, não terá possibilidade de exercer a sua atividade.” (sublinhado nosso).
b) Como decorre dos Estatutos da Santa Casa da Misericórdia ..., por esta juntos, o seu fim é a prática das Catorze Obras de Misericórdia, quer corporais, quer espirituais, visando o serviço e apoio com solidariedade a todos os que precisam, bem como a realização de atos de culto católico, de harmonia com o seu espirito tradicional, enfermado pelos princípios do humanismo e da doutrina e moral cristãs. O qual pode passar pelo apoio de crianças, idosos, pessoas de capacidade reduzida, vitimas de violência doméstica, sem abrigo, etc. conforme consta dos artigos 1.º e 3.º, n. º1 dos seus estatutos. Pelo que, o cerne das suas especiais atribuições passa por ajudar e auxiliar “todos aqueles que precisem” Sendo que o dever estatutariamente previsto de “…honrar, defender e proteger a Santa Casa da Misericórdia em todas as circunstâncias, em especial quando ela for injustamente acusada ou atacada”, previsto no art. 7º, al. a) dos estatutos desta IPSS, onera os seus Irmãos e não a instituição em si, não se podendo daí retirar uma atribuição especial da mesma em defender o seu nome e consideração.
c) A constituição como assistente e a intervenção, possivelmente, como Demandante, da Santa Casa da Misericórdia ..., em que se investiga a prática de um crime de ofensa a pessoa coletiva, praticado contra a esta, não acarreta qualquer beneficio, nem corresponde ao interesse das pessoas carenciadas que necessitam de apoio social
d) É certo que visa assegurar um direito, que é legítimo e lícito, de defender e restaurar o seu bom nome, mas que é próprio da aqui ofendida/assistente e comum a qualquer PSS ou pessoa coletiva, sendo, assim, uma atribuição geral e não uma atribuição especial, intrinsecamente relacionada com fim, objeto e atividade que desenvolve.
e) Ademais, entende este Ministério Público que o bom nome de uma IPSS não é imprescindível para o exercício da atividade que desenvolve e para o atingir dos seus fins, como pugna e considera a decisão recorrida.
f) Mesmo que se reconheça que o bom nome de uma pessoa coletiva e, assim, a sua defesa e reforço, possa, de alguma forma, contribuir para um melhor funcionamento da instituição e, assim, facilitar e potenciar a alcance da sua intervenção, tal será sempre um resultado e consequência mediata do mesmo, mas já não o seu primeiro e, muito menos, exclusivo fito, como impõe no artigo 4.º, nº 1, alínea f) do RCP. Assim, a...

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