Acórdão nº 416/20.6T8VLG.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-02-14

Ano2022
Número Acordão416/20.6T8VLG.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Recurso de apelação n.º 416/20.6T8VLG.P1
Origem: Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Valongo – J1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO
AA (Autora) instaurou contra “Centro de Formação Profissional ...” (Réu[1]) a presente ação, com processo comum, pedindo:
a) fosse o Réu condenado a reconhecer a existência de um contrato de trabalho válido e vigente celebrado entre a Autora e o Réu, desde 17 de outubro de 2017;
b) fosse declarado ilícito o despedimento da Autora, condenando-se o Réu a reintegrá-la no seu posto de trabalho (pelo que opta);
c) fosse o Réu condenado a pagar-lhe uma indemnização correspondente à quantia de €281,25, referente aos proporcionais de subsídio de Natal respeitante ao período de 17 de outubro de 2017 a 31 de dezembro de 2017, e na totalidade do subsídio de Natal referente aos anos de 2018 e 2019, no montante de €2.700,00;
d) fosse o Réu condenado no pagamento à Autora de uma indemnização pelas férias não gozadas no ano de 2017, e de onze dias de férias não gozadas no ano de 2018 e 2019, cujo montante ascende a €1.632,25 (€282,25 + €675,00 + €675,00).
e) fosse o Réu condenado no pagamento à Autora de uma indemnização, correspondente ao subsídio de férias vencido no período desde 17 de outubro de 2017 a 31 de dezembro de 2019, cujo montante ascende a €2.981,25 (€282,25 + €1.350,00 + €1.350,00);
f) reconhecer e pedir a emissão dos descontos junto da Segurança Social;
g) fosse o Réu condenado no pagamento e regularização devido sobre o prejuízo dos descontos não efetuados;
h) fosse o Réu condenado no pagamento de juros sobre as quantias acima referidas, desde a citação até efetivo e integral pagamento;
Fundou o seu pedido alegando, em síntese, ser psicóloga de profissão, e em 17.10.2017 celebrou com o Réu contrato escrito denominado de “contrato de aquisição de serviços de técnico com competências para o desenvolvimento de processos de orientação, reconhecimento e validação de competências” que terminou em 31.12.2017; em 29.12.2017 celebrou novo contrato com idêntica denominação, prevendo início em 02.01.2018 e termo em 30.06.2018; em 29.06.2018 celebrou novo contrato com idêntica denominação, prevendo início em 02.07.2018 e termo em 31.12.2018; em 28.12.2018 celebrou novo contrato com idêntica denominação, prevendo início em 02.01.2019 e termo em 31.12.2019; no dia 30.12.2019, pelas 16 horas, quando se encontrava nas instalações do Réu, o diretor desta comunicou-lhe que o contrato cessava os seus efeitos, para não comparecer dia 31; a Autora desde 17.10.2017 que foi trabalhadora subordinada do Réu, satisfazendo uma necessidade permanente do Réu, presumindo o legislador a existência de contrato de trabalho nesta situação; houve um despedimento ilícito promovido pelo Réu.

Realizada Audiência de Partes, frustrou-se a sua conciliação pelo que foi notificado o Réu para poder contestar, apresentando de seguida contestação na qual alegou, em resumo, por um lado que beneficiário dos serviços era um dos denominados Centros Qualifica, estando em causa verdadeiros contratos de prestação de serviços, sendo o tribunal de trabalho incompetente em razão da matéria para conhecer da ação, e por outro lado impugnando o alegado; acrescenta litigar a Autora de má-fé, o que deve ser declarado e condenada a mesma no pagamento de multa e indemnização a fixar em sentença final, sugerindo que não seja inferior a €1.500,00.
Termina dizendo dever ser julgadas procedentes as exceções e julgada improcedente a ação, com absolvição do Réu dos pedidos formulados.

Foi determinada a notificação da Autora para se pronunciar sobre as exceções, o que a mesma fez.

Foi proferido despacho saneador, considerando ser o tribunal materialmente competente, afirmando a validade e regularidade da instância, sendo dispensada a realização de audiência prévia bem como dispensada a prolação de despacho enunciando os temas de prova.
Foi fixado o valor da ação em €7.594,75.

Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença decidindo julgar a ação totalmente improcedente, e em consequência foi absolvido o Réu da totalidade dos pedidos deduzidos pela Autora; foi ainda considerado não se configurar litigância de má-fé por parte da Autora.

Não se conformando com a sentença proferida, dela veio a Autora interpor recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que se transcrevem[2]:
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Termina dizendo dever o recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida e ser proferida decisão em que se decida verificada a existência de contrato de trabalho, condenando-se o Recorrido a reconhecê-lo, e a reintegrar a Recorrente.

O Réu apresentou resposta, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que se transcrevem:
………………………………
……………………………....
………………………………

Termina dizendo dever ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

Foi proferido despacho a mandar subir o recurso de apelação, imediatamente, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo.

O Sr. Procurador-Geral-Adjunto, neste Tribunal da Relação, emitiu parecer (art.º 87º, nº 3 do Código de Processo do Trabalho), pronunciando-se no sentido de ser negado provimento ao recurso, referindo essencialmente o seguinte:
À Autora, foi-lhe referido desde início que o contrato a celebrar seria um contrato de prestação de serviços, era-lhe pedido que estivesse inscrita junto da Autoridade Tributária e da Segurança Social como trabalhadora independente, era-lhe pedido que celebrasse contrato de seguro de acidentes de trabalho, sendo o contrato quando comparado com os demais, um contrato com características diferentes.
Essa parece ter sido a vontade contratual desde início.
E, na execução do contrato também a sua autonomia era notória, como é característica do contrato de prestação de serviços.

Procedeu-se a exame preliminar, foram colhidos os vistos, após o que o processo foi submetido à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
*
FUNDAMENTAÇÃO
Conforme vem sendo entendimento uniforme, e como se extrai do nº 3 do art.º 635º do Código de Processo Civil (cfr. também os art.ºs 637º, nº 2, 1ª parte, 639º, nºs 1 a 3, e 635º, nº 4 do Código de Processo Civil – todos aplicáveis por força do art.º 87º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho), o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação apresentada [3], sem prejuízo, naturalmente, das questões de conhecimento oficioso.
Assim, aquilo que importa apreciar e decidir neste caso[4] é saber se:
- existe erro no julgamento sobre a matéria de facto?
- o contrato celebrado entre Autora e Réu é um contrato de trabalho, por presunção nos termos do art.º 12º do Código do Trabalho, devendo o Recorrido reintegrar a Recorrente?
*
Porque tem interesse para a decisão do recurso, desde já se consignam os factos dados como provados e como não provados na sentença de 1ª instância, objeto de recurso.
Quanto a factos PROVADOS, foram considerados os seguintes, que se reproduzem:
A) A Autora AA, é psicóloga de profissão, com licenciatura em psicologia.
B) O Réu é um Centro de Formação Profissional ... (CFP...), é um organismo de direito público, sem fins lucrativos, criado por protocolo celebrado entre o IEFP (Instituto do Emprego e Formação Profissional) e a AI... (Associação das Indústrias ... de Portugal), que tem como objetivo a valorização dos Recursos Humanos das Indústrias ....
C) Por despacho conjunto do Ministério da Educação, Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e da Economia, a Agência Nacional para a Qualificação e o Ensino Profissional, I.P. – despacho nº 1971/2017 (publicado no D.R II Série, de 08.03.2017) foi autorizada a criação e funcionamento dos Centros Qualifica, sendo um deles no CFP... – Centro de Formação Profissional ...
D) Antes de celebrar contratos com a Autora, o CFP..., enviava à Autora convite para apresentação de proposta relativa ao serviço de Técnica de Orientação, Reconhecimento e Validação de Reconhecimentos (ORVC), nos termos do Caderno de Encargos que lhe endereçava, na qual nomeadamente descrevia o tipo de serviço que lhe cabia fazer no âmbito de atuação do Centro Qualifica, mencionando que os serviços de técnico de ORVC são prestados com autonomia técnica, sem subordinação hierárquica, proporcionando ao CFP... o resultado do seu trabalho, sendo a carga horária média semanal de 30 horas e o preço base de €13,50/h.
E) A Autora em resposta enviava a sua “Proposta” e um Anexo II, na qual nomeadamente referia ter tomado perfeito conhecimento do caderno de encargos, referindo no Anexo II que se obrigava a executar o referido contrato em conformidade com o conteúdo do mencionado caderno de encargos, relativamente ao qual declara aceitar, sem reservas todas as suas cláusulas.
F) No dia 17 de outubro de 2017 o Réu Centro de Formação Profissional das Industrias da ... e do ... e a Autora, subscreveram na qualidade de Primeiro Outorgante e Segundo Outorgante respetivamente, o contrato denominado de aquisição de serviços de técnico com competência para o desenvolvimento de processos de orientação, reconhecimento e validação de competências, cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 14 a 16, nos termos do qual o CFP... contratava a AA para, na qualidade de técnica de Orientação Reconhecimento e Validação de Competências, desenvolver as atividades previstas na cláusula seguinte, no âmbito do Centro Qualifica Integrado no Centro de Formação Profissional ..., aí constando que os serviços eram prestados com autonomia técnica da Segunda Outorgante, sem subordinação hierárquica, proporcionando ao CFP... o resultado do seu trabalho.
G) Acordaram que o local de execução desses serviços era executado no Centro Qualifica integrado no Centro de Formação Profissional ..., sito na Rua ..., ..., ... ou em local a designar pelo Primeiro Outorgante.
H) Acordaram também que o horário de funcionamento do
...

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