Acórdão nº 4128/23.0BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 19-03-2024

Data de Julgamento19 Março 2024
Ano2024
Número Acordão4128/23.0BELSB
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Face ao teor da informação que antecede, importa aferir da extemporaneidade da pronúncia do Ministério Público datada de 22.02.2024, constante de fls. 118 e ss. do SITAF.
Nos termos do n.º 1 do artigo 146.º do CPTA, “Recebido o processo no tribunal de recurso e efetuada a distribuição, a secretaria notifica o Ministério Público, quando este não se encontre na posição de recorrente ou recorrido, para, querendo, se pronunciar, no prazo de 10 dias, sobre o mérito do recurso, em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no n.º 2 do artigo 9.º.” Acrescenta o n.º 2 que, “No caso de o Ministério Público exercer a faculdade que lhe é conferida no número anterior, as partes são notificadas para responder no prazo de 10 dias.” Estando em causa um processo de natureza urgente, o referido prazo de 10 dias de que o Ministério Público dispõe para se pronunciar sobre o mérito do recurso é reduzido para metade – sendo, assim, de 5 dias -, conforme estipula o n.º 2 do artigo 147.º. Trata-se de um prazo peremptório, cujo decurso, como tal, extingue o direito de praticar o acto (cfr. artigo 139.º, n.ºs 1 e 3, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 3, do CPTA), podendo, porém, nos termos dos n.ºs 4 e 5, o acto ser praticado fora do prazo em caso de justo impedimento, nos termos regulados no artigo 140.º do CPC, e, independentemente de justo impedimento, dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa.
Quanto à realização da notificação, de acordo com o disposto no artigo 252.º, n.º 2, do CPC – aplicável ex vi artigo 23.º do CPTA -, “As notificações ao Ministério Público são efetuadas por via eletrónica, através do sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais e presumem-se efetuadas no terceiro dia posterior ao do envio da notificação, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.”
No caso em apreço, o ofício de notificação do Ministério Público nos termos e para os efeitos previstos no n.º 1 do artigo 146.º foi-lhe remetido via electrónica em 01.02.2024 – cfr. fls. 117 do SITAF -, pelo que a sua notificação se presume efectuada em 05.02.2024, correspondente ao primeiro dia útil seguinte ao terceiro dia posterior ao do envio. Considerando que a pronúncia do Ministério Público foi emitida em 22.02.2024, sem que tenha sido invocado o disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 139.º do CPC, conclui-se que o foi para além do prazo legalmente previsto para o efeito, sendo, por isso, extemporânea.
Nestes termos, impõe-se o respectivo desentranhamento, o que se determina.
Notifique.
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ACÓRDÃO

Acordam, em conferência, os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul:


I – RELATÓRIO

S…, nacional do Bangladesh, residente em Portugal, intentou intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, contra a Agência para a Integração, Migrações e Asilo, I.P.. Pede a condenação da entidade demandada a decidir, no prazo de quinze dias, o pedido de concessão de autorização de residência por si apresentado. Alega, para tanto e em síntese, que: (i) Veio para Portugal em 10.03.2023 e está inscrito como contribuinte desde 15.03.2023, tendo iniciado a sua carreira contributiva em 05/2023, enquanto trabalhador subordinado com contrato de trabalho a termo certo, ainda hoje desenvolvendo actividade profissional subordinada nesses termos; (ii) Em 17.05.2023, ao abrigo do artigo 88.º, n.º 2, da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, apresentou manifestação de interesse no sítio do SEF na Internet, com vista à concessão de autorização de residência temporária com dispensa de visto para o exercício de actividade profissional subordinada, nos termos do disposto nos artigos 3.º, n.º 1, alínea x), 77.º e 88.º da referida lei e, com tal pedido, juntou os documentos legalmente previstos; (iii) O requerimento por si apresentado constituiu a entidade demandada no dever de decidir, nos termos do artigo 13.º do Código do Procedimento Administrativo, sujeito ao prazo de 90 dias, atento o disposto no artigo 82.º, n.º 1, da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, prazo esse que já foi ultrapassado; (iv) A inércia da entidade demandada lança o autor numa situação de incerteza absoluta, limitadora do direito de decidir qual o rumo a dar à sua vida, pois está o mesmo indocumentado e reside ilegalmente em Portugal por não ser titular de autorização de permanência ou residência, embora aqui se mantenha a trabalhar desde 05/2023, e a pagar impostos e contribuições tal como os demais trabalhadores portugueses em idênticas condições; (v) Uma vez que o pedido formulado pelo autor se reporta a um documento de identificação, a falta de decisão por parte da Administração representa um obstáculo ao livre desenvolvimento da personalidade, nos termos do disposto no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição; (vi) Vive de modo instável e com constante receio de uma possível expulsão, de invocar um apoio policial, caso necessite, de se deslocar livremente, de se apresentar e celebrar negócios civis básicos, de deslocar-se a um hospital, de tentar alcançar melhor trabalho, de reclamar as devidas condições para o trabalho, vivendo uma situação de profunda vulnerabilidade, devido à inércia da entidade demandada; (vii) A urgência da situação em que vive é evidente e actual; (viii) A legalização da sua residência em Portugal é uma condição sine qua non para que consiga uma legal integração no mercado de trabalho e para que beneficie dos demais direitos dos cidadãos portuguesas, nos termos do artigo 15.º da Constituição; (ix) A omissão de decisão da entidade demandada coloca em causa o princípio da dignidade humana, bem como os seus direitos à liberdade, à livre deslocação no território nacional, à segurança, à identidade pessoal, a trabalhar, à estabilidade no trabalho e à saúde; (x) O uso de meios cautelares é inidóneo pois uma providência antecipatória implicaria a atribuição efectiva, durante o tempo em que decorresse o processo principal, da autorização de residência, equivalendo à atribuição, de facto, do direito que só por via do processo definitivo havia de ser concedido, sobrepondo-se àquela que pudesse corresponder à do processo principal, além de que a providência cautelar, pela sua precariedade, tem um desfecho incerto e depende de uma acção principal, que poderá demorar muitos anos, e é normalmente objecto de recurso por parte da entidade demandada, o que aumenta a incerteza do autor, e o uso de um meio processual não urgente não acautelaria, em tempo útil, a sua situação.
Pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa foi proferido despacho a determinar a notificação do autor para “(…) substituir a petição inicial, para o efeito de requerer a adoção da providência cautelar adequada à tutela do direito que pretende fazer valer, sob cominação de indeferimento liminar da petição inicial.”, por no mesmo se ter considerado não estarem verificados os pressupostos de que depende o recurso ao processo urgente de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias.
Notificada de tal despacho, o autor veio “declinar” o convite que lhe foi dirigido pelo Tribunal e reiterar o pedido de intimação da entidade demandada nos termos da p.i..
Pelo mesmo Tribunal foi proferida sentença a rejeitar liminarmente a petição por o autor não ter substituído a p.i. nos termos do despacho que antecede, aplicando a cominação no mesmo estabelecida.
O autor interpôs o presente recurso de apelação, cujas alegações contêm as seguintes conclusões:
A) O Tribunal a quo faz uma interpretação errada da Lei, e ignora a...

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