Acórdão nº 406/23.7T8FND.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2023-10-10

Ano2023
Número Acordão406/23.7T8FND.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO DE COMÉRCIO DO FUNDÃO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO)

Relator: Arlindo Oliveira
1.ª Adjunto: Maria João Areias
2.º Adjunto: José Avelino Gonçalves

Processo n.º 406/23.7T8FND.C1 – Apelação

Comarca de Castelo Branco, Fundão, Juízo de Comércio

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

AA, casado, com domicílio profissional na Rua ..., ..., ..., ... ..., ..., veio, ao abrigo do n.º 1 do artigo 362.º do Código de Processo Civil, instaurar procedimento cautelar comum contra C..., S.A., sociedade comercial anónima com sede na Zona Industrial, lote..., ... ..., peticionando que seja:

a) Ordenada, com efeitos imediatos, a suspensão da deliberação social de nomeação do novo Conselho de Administração da requerida para o triénio em curso (Presidente do Conselho de Administração: BB; Vogais: CC e DD), tomada na sequência da discussão e votação do ponto três da ordem de trabalhos da assembleia geral da requerida de 16 de maio de 2023;

b) Ordenada, com efeitos imediatos, a suspensão da deliberação social de destituição com justa causa do Presidente do Conselho de Administração AA, tomada na sequência da discussão e votação do ponto seis da ordem de trabalhos da assembleia geral da requerida de 16 de maio de 2023;

c) Proferida decisão de dispensa da audiência prévia da requerida;

d) Decretada a inversão do contencioso, sendo o requerente dispensado da propositura da ação principal.

Alega, para o efeito e em síntese, que é sócio e gerente da acionista maioritária da requerida, J..., LDA, sociedade comercial por quotas, com o número único de pessoa coletiva ...; esta sociedade tem apenas dois sócios (simultaneamente gerentes), cada um titular de metade do capital social: o requerente e BB; até ao passado dia 16 de maio de 2023 o requerente era o Presidente do Conselho de Administração da requerida, mas não sendo, contudo, sócio da requerida; face ao absoluto conflito de interesses entre o outro sócio-gerente da J..., LDA (BB), tão pouco poderia ser esta sociedade, na qualidade de acionista da requerida, a instaurar os presentes autos.

Ciente de que se encontra em falta um dos pressupostos para o decretamento do procedimento cautelar especificado de suspensão de deliberações sociais, uma vez que não é socio da sociedade requerida, alega o requerente que o meio processual mais adequado para tramitar os seus pedidos é o procedimento cautelar comum.

Por não lhe ter sido, ainda, disponibilizada a ata da assembleia geral do dia 16 de maio de 2023, cujas deliberações contesta, o requerente junta a transcrição da respetiva gravação e o respetivo ficheiro áudio, uma vez que a mesma, conforme acordo de todos os presentes, foi registada através de gravação de áudio.

Alega o requerente que a requerida é uma sociedade comercial anónima com o capital social de 400.000,00 €, sendo seus acionistas:

– CC, com o número de identificação fiscal ..., titular de 16, 25 % do capital social;

– DD, com o número de identificação fiscal ..., titular de 16, 25 % do capital social;

– e a sobredita sociedade J..., LDA, sociedade comercial por quotas, com o número único de pessoa coletiva ..., titular de 67, 5 % do capital social, que, por sua vez, tem como sócios e gerentes, o requerente, titular de uma quota no valor de 125.000,00 € e BB, titular de uma quota no valor de 125.000,00 €.

Mais refere o requerente que BB integrou o Conselho de Administração da sociedade requerida, como vogal, juntamente com o requerente, na qualidade de Presidente do Conselho de Administração, com voto de qualidade, desde 13 de julho de 2018 a 8 de agosto de 2022, concluindo que, por força desta realidade, era a sua acionista maioritária (J..., LDA) quem controlava a sociedade requerida, na medida em que os sócios- gerentes desta eram, por sua vez, os administradores da requerida; sendo que em bom rigor o responsável pela gestão da requerida foi sempre o requerente; quando ambos integravam o Conselho de Administração da requerida todos os assuntos eram submetidos à apreciação do requerente e pelo mesmo tratados; na Assembleia Geral da requerida ocorrida no dia 8 de agosto de 2022, os acionistas deliberaram a destituição com justa causa de BB do cargo de vogal do Conselho de Administração; a referida deliberação teve como pressuposto a descoberta de inúmeros atos praticados por BB em prejuízo da requerida. No passado dia 8 de fevereiro de 2023, indiciada a prática dos referidos factos, o requerente, em representação da requerida e em cumprimento da incumbência deliberada na assembleia geral de 8 de agosto de 2022, instaurou a ação declarativa de condenação tendente à efetivação da responsabilidade civil de BB, encontrando-se a correr os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo de Comércio ... – Juiz ..., sob o número de processo 482/23...., estando a correr o prazo para a requerida apresentar a réplica.

Explicita o requerente que desde o dia 8 de agosto de 2022 até ao passado dia 2 de maio de 2023 integravam o Conselho de Administração da requerida:

– O requerente (Presidente) e

– EE (vogal).

No dia 2 de maio de 2023 teve lugar uma assembleia geral da requerida com a seguinte ordem de trabalhos:

“1. Discussão e votação do relatório de gestão e das contas do exercício de 2021;

2. Proposta de aplicação de resultados referente ao exercício de 2021;

3. Tomar conhecimento da renúncia da vogal EE e exoneração de responsabilidade;

4. Eleição do novo vogal para o Conselho de Administração;

5. Remuneração dos membros dos órgãos sociais.”

Na sequência da renúncia da vogal do Conselho de Administração (EE), o requerente passou temporariamente a ser o único membro do Conselho de Administração da requerida; tratou-se de uma situação excecional, para assegurar a administração da requerida até que fosse deliberada a nomeação de um ou mais vogais para o Conselho de Administração, ou fosse deliberada a destituição ou renúncia do atual Presidente do Conselho de Administração, o requerente.

Mais alega o requerente que no dia 16 de maio de 2023 ocorreu nova assembleia geral da requerida, desta feita com a seguinte ordem de trabalhos:

“1. Discussão e votação do relatório de gestão e contas do exercício de 2022;

2. Proposta de aplicação dos resultados de 2022;

3. Nomeação e remuneração do novo Conselho de Administração;

4. Nulidade da ata da assembleia geral de 8 de Agosto de 2022;

5. Nomeação de um novo vogal do Conselho de Administração;

6. Destituição do Presidente do Conselho de Administração com justa causa;

7. Nomeação de um novo Presidente e Secretária da Mesa da Assembleia Geral”.

Na sequência do ponto três da ordem de trabalhos (“nomeação e remuneração do novo Conselho de Administração”) foi tomada a seguinte deliberação social (deliberação social n.º 1): “Constituição de um conselho de administração, um novo conselho de administração, em que o presidente seria o Senhor BB, o acionista Senhor BB, e os restantes membros do conselho de administração, o Senhor DD, e o Senhor CC”; na sequência do ponto seis da ordem de trabalhos (“destituição do Presidente do Conselho de Administração com justa causa”) foi tomada, ao que o requerente logrou compreender (já que não foi apresentada nenhuma proposta escrita e o requerente não tem ainda acesso à ata), a seguinte deliberação social (deliberação social n.º 2): “Destituição do Presidente do Conselho de Administração à data da convocatória da assembleia (2 de maio de 2023), AA”.

Na sequência do ponto três da ordem de trabalhos (“nomeação e remuneração do novo Conselho de Administração”) o senhor acionista CC apresentou, o que fez apenas em sede da assembleia, a seguinte proposta para composição do novo Conselho de Administração:

- BB: Presidente do Conselho de Administração;

- CC: Vogal;

- DD: Vogal.

Nota o requerente que a referida proposta foi aprovada com o voto favorável dos acionistas DD e CC e com a não expressão do voto da acionista J..., por divergência de posição dos seus gerentes, como já tinha salientado anteriormente.

Entende, contudo, o requerente que a deliberação social tomada na sequência do ponto três da ordem de trabalhos, relativa à nomeação do novo Conselho de Administração, é nula por ofender os bons costumes e/ou preceitos legais que não podem ser derrogados. Em primeiro lugar, porque os senhores acionistas jamais poderiam deliberar a nomeação de um novo Conselho de Administração, quando o Conselho de Administração nomeado para o triénio em curso ainda se encontrava em funções; o que poderia ter sido deliberado, quando muito, era a recomposição do Conselho de Administração por aprovação de novos membros, não a substituição do Presidente do Conselho de Administração atualmente em funções; o Presidente do Conselho de Administração não foi destituído, nem renunciou ao cargo, nem as suas funções cessaram por caducidade; não houve qualquer deliberação de destituição do Conselho de Administração em funções.

Mais considera o requerente que nomear alguém para um cargo que não está livre é um ato inexistente. A deliberação teve, assim, um objeto física e legalmente impossível (artigo 280.º do Código Civil), pelo que a deliberação é nula, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 56.º do Código das Sociedades Comerciais, por ser ofensivo de um preceito legal que não pode ser derrogado.

Mesmo que se considere, o que apenas por mera cautela de patrocínio concede, que a deliberação não padece do vício de nulidade, a mesma sempre será anulável por violação de disposições da lei (em especial o artigo 280.º do Código Civil).

Por outro lado, considera o requerente que a nomeação do Senhor BB para administrador da requerida gera uma situação de conflito de interesses absolutamente irremediável e lesiva dos interesses da requerida, porquanto pretende promover a desistência da ação judicial em curso, prejudicando a sociedade em benefício exclusivo do Senhor BB; a apresentação da proposta da nomeação do Senhor BB por...

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