Acórdão nº 4/18.7T9CPV.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-03-29

Data de Julgamento29 Março 2023
Ano2023
Número Acordão4/18.7T9CPV.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. n.º 4/18.7T9CPV.P1
Conferência de 29-03-2023.
Relator: Raul Cordeiro.

Sumário:
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Acordam, em conferência, os Juízes da 2.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I
Nos autos de Inquérito n.º 4/18.7T9CPV foi, em 10-11-2022, proferido despacho pela Exm.ª Juíza do Juízo de Competência Genérica de Castelo de Paiva a determinar a perda a favor do Estado e a destruição dos bens apreendidos à ordem dos autos (ref.ª 124366858).
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Descontente com tal decisão, dela interpôs recurso a denunciada A..., Ld.ª, tendo apresentado a respectiva motivação, com as seguintes conclusões:
“1 - Não pode a ora recorrente concordar com o decretamento da perda a favor do Estado e a destruição dos seus relógios apreendidos nos presentes autos, uma vez que entende não ter o mesmo qualquer suporte fáctico ou legal.
2 - Desde logo porque, ao contrário do que consta do douto despacho recorrido, dúvidas não houve quanto à inexistência de contrafacção (e não quanto à sua ocorrência), como consta expressamente no douto despacho de arquivamento proferido nos presentes autos.
3 - Por outro lado, também ao contrário do que consta do douto despacho recorrido todos os relógios – e também os apreendidos nos presentes autos – são objectos compostos por diversas e diferentes peças e componentes, todas elas autónomas e comercializáveis individualmente, podendo perfeitamente (tal como são montados) ser desmontados e novamente “transformados” nas suas peças iniciais.
4 - Sendo que todas elas são passíveis de ser destruídas, ou utilizadas, independemente umas das outras.
5 - Tal como referiu já no requerimento que fez ao processo e sobre o qual recaiu o despacho de que se recorre, a ora recorrente não pretende vender o que não pode vender, pretendendo apenas comercializar as peças que não contenham qualquer referência à marca ..., como lhe parece ser seu direito, sendo certo que tais componentes significam cerca de 50.000,00€ que deixaria a ora recorrente de poder realizar, sem qualquer motivo atendível e que se traduzem num prejuízo de igual montante, totalmente injustificado.
6 - Temos, pois, que os relógios em causa (e muito menos as suas peças componentes) não são contrafacções, nem a ora recorrente alguma vez contrafez ou vendeu material contrafeito, sendo perfeitamente possível desmontar os relógios apreendidos e destruir as peças que os compõem e que contêm a indicação da marca “...”, preservando as que não têm e que, portanto, são passíveis de comercialização.
7 - Pelo que mal se compreende o douto despacho de que recorre.
8 - Finalmente e sem querer pôr em causa a competência do douto tribunal a quo de que se recorre – apesar de se desconhecer inteiramente o Of. 6762, de 19/09 – o certo é que o Decreto-Lei 36/2003 de 05/03 invocado como fundamento para a perda determinada, foi totalmente revogado, não se encontrando em vigor desde 2018, pelo que não pode, nem deve ser aplicado ao caso dos autos.
9 - É, pois, nula a decisão de que se recorre, porquanto a mesma carece de fundamento legal, nulidade essa que ora expressamente se invoca para todos os devidos e legias efeitos.
10 - Ao decidir da forma expendida no douto despacho proferido, violou o douto tribunal a quo, entre outros, os artigos 1.º e 2.º do Código Penal, 329.º do DL 110/2018, de 10/12, na sua redacção actual e os princípios, penal e constitucionalmente consagrados, da legalidade, da tipicidade e da nulIa poena sine crimen.
Termos em que e nos mais de direito, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, e, consequentemente, ser o douto despacho recorrido revogado e substituído por outro que defira a pretensão da ora recorrente.
Justiça!” (ref.ª 13884184).
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Admitido tal recurso, respondeu ao mesmo o Ministério Público, alegando, em síntese, que não assiste razão à recorrente, pois que estamos perante bens contrafeitos, pelo que se impõe a declaração da sua perda a favor do Estado e subsequente destruição, além de não se verificar a nulidade invocada, pois que o actual regime legal é igual ao que então vigorava, devendo o recurso ser julgado improcedente (ref.ª 14026619).
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Após, a Exm.ª Juíza conheceu da nulidade invocada pela recorrente, sustentando que o referido Decreto-Lei n.º 36/2003 estava em vigor à data dos factos e das apreensões realizadas, sendo, por isso, o regime aplicável, além de que a redacção da norma actualmente vigente é igual àquela que foi aplicada, tendo julgado improcedente tal arguição de nulidade (ref.ª 125516502).
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Remetidos os autos a este Tribunal, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do provimento do recurso, devendo os reógios apreendidos ser restituídos à recorrente, sugerindo, porém, que sejam previamente retiradas as peças que contenham referência à mencionada marca, na presença de um oficial de justiça ou elemento habilitado de órgão de polícia criminal, lavrando-se auto de tal diligência (ref.ª 16574290).
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A recorrente A..., Ld.ª, notificada do mesmo, manifestou a sua adesão a tal parecer (ref.ºs 358653/54).
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Foi proferido despacho liminar e colhidos os vistos, com apreciação em conferência.
II
As conclusões da motivação apresentada, acima transcritas, delimitam o objecto do recurso (art. 412.º, n.º 1, do CPP), sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso que pudessem suscitar-se, como é o caso dos vícios indicados no n.º 2 do artigo 410.º do mesmo Código, mesmo que o recurso verse apenas sobre a matéria de direito (cfr. Acórdão do STJ de Uniformização de Jurisprudência n.º 7/95, de 19-10-1995, in DR I, de 28-12-1995).
Para apreciar a pretensão da recorrente A..., Ld.ª, importa, antes de mais, atentar no teor do despacho recorrido, o qual é o seguinte:
“O Ministério Público promoveu o decretamento da perda dos bens apreendidos nos autos a favor do Estado e a consequente destruição dos mesmos.
Determina o artigo 330.º do Decreto-Lei n.º 36/2003, de 05 de março, que os objetos em que se manifeste um crime ali previsto são declarados perdidos a favor do Estado – a menos que exista consentimento para reintrodução no comércio pelo titular da licença da marca – e, depois, destruídos, sempre que não seja possível eliminar a parte que comporta a violação do direito.
Os presentes autos foram arquivados, mas não por dúvidas quanto à contrafação, já que «Foi feito exame pericial aos relógios apreendidos por parte do INPI, que concluiu existir uma total reprodução, quer quanto ao elemento nominativo ..., quer quanto ao elemento figurativo (seta) e a sua disposição na composição do referido sinal.». Conclui-se mesmo naquele despacho que se tratam «efetivamente de cópias dos relógios da marca registada». Ademais, assentam em decisão judicial do Tribunal da Propriedade Intelectual que determina a proibição da respetiva venda, a qual, de resto, não foi autorizada pela ofendida.
Encontram-se, assim, preenchidos os pressupostos para a declaração de perda dos bens a favor do Estado.
Não se vislumbrando a possibilidade de eliminação das designações que ostentam o elemento nominativo «...» dos bens apreendidos, sem que saiam danificados, determina-se a perda a favor do Estado e a destruição dos bens apreendidos à ordem dos presentes autos, tudo ao abrigo do disposto no artigo 330.º do Decreto-Lei n.º 36/2003, de 05 de março, e da competência emergente dos artigos 94.º, n.º 4, al. f), e 130.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, da Circular n.º 8/2014, de 16 de julho, e, ainda, da homologação das propostas de afetação de processos da Comarca de Aveiro, sobre o Of. n.º 6762, de 19/09.
DN.” (ref.ª 124366858).
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Cumpre apreciar.
Como é sabido, o Tribunal da Relação conhece de facto e de direito (art. 428.º do CPP).
Versando o recurso sobre matéria de direito, como é o caso, a lei impõe que sejam indicadas nas conclusões, além do mais, “as normas jurídicas violadas” e “o sentido em que, no
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