Acórdão nº 398/23.2KRPRT-A.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-05-24

Ano2023
Número Acordão398/23.2KRPRT-A.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo nº 398/23.2KRPRT-A.P1
1ª secção

Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto

I - RELATÓRIO
Nos autos de Inquérito que correm termos na 1ª secção do DIAP do Porto, Comarca do Porto, com o nº 398/23.2KRPRT, em que se investigam crimes de corrupção passiva e ativa, favorecimento pessoal, violação de segredo de justiça e acesso ilegítimo, o Ministério Público promoveu ao Sr. Juiz de Instrução Criminal, entre outras diligências de prova, a obtenção de dados de tráfego e de localização em tempo real, conexos com as comunicações efetuadas, nos termos doa artºs. 187º e 189º nº 2 do C.P.Penal.
Por despacho proferido em 09.03.2023, o Sr. Juiz de Instrução Criminal deferiu todas as diligências de prova requeridas, indeferindo, porém, "a faturação detalhada onde constem as chamadas efetuadas e recebidas (trace-back), bem como a informação das células ativadas durante as conversações e a identificação dos números que os contactem".
Inconformado, o Ministério Público interpôs o presente recurso, extraindo das respetivas motivações as seguintes conclusões:
1. Neste inquérito investigam-se factos passíveis de integrar, em abstrato, os crimes de corrupção passiva e ativa, favorecimento pessoal, violação de segredo de justiça e acesso ilegítimo, p. e p., respetivamente, pelos artºs. 373º nº 1 (tratando-se de titular de cargo político, p. e p. nos artºs. 17º e 18º da Lei 34/97 de 16.8), 367º nº 1 e 368º, 371º nº 1 do Cód. Penal e 6º nºs 1 e 5 al. a) da LCC.
2. Por douto despacho com a ref. 446191673 foi autorizada a intercepção e gravação de comunicações telefónicas e entre presentes, nos termos dos artºs. 187º nº 1 al. a) 4 al. a) 6 e 189º nºs 1 e 2 do C.P.P., tendo sido indeferida a obtenção de dados de tráfego e de localização referentes a essas comunicações telefónicas, ou seja, de dados a obter em tempo real, com fundamento na decisão proferida pelo Tribunal Constitucional no Ac. nº 268/2022 de 19.04.
3. A decisão de inconstitucionalidade vertida no Ac. nº 268/2022 de 19.04 não se estende aos artºs. 187º a 189º do CPP.
4. Ao ter indeferido, na parte respetiva, a promoção do Ministério Público com a fundamentação expendida nesse segmento decisório, o Tribunal a quo violou o disposto no artº 189º nº 2 do C.P.P.
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Considerando que os autos se encontram em segredo de justiça, não houve resposta às motivações de recurso.
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Neste Tribunal da Relação do Porto o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso.
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Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
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II - FUNDAMENTAÇÃO
No decurso do Inquérito o Ministério Público requereu ao Sr. Juiz de Instrução Criminal a autorização para a obtenção de determinados meios de prova, entre os quais, escutas telefónicas, obtenção de dados e registo de voz e imagem.
Para tanto, alegou o Ministério Público que:
« ... Entre Outubro e Novembro de 2022, AA, funcionário judicial e secretário dessa Junta de Freguesia desde 2017, por si ou através de terceiro, terá acedido a documentos e a dados do Inq. 482/22.0T9VRL, em segredo de justiça, com escutas telefónicas, e, a troco de vantagem não apurada, transmitiu essa informação ao suspeito BB, presidente da Junta de Freguesia ..., o qual, por sua vez, a fez chegar ao visado nessa investigação, o suspeito CC, presidente da Câmara Municipal ..., tendo este tomado conhecimento da pendência dessa investigação e das diligências em curso. [...]
Esta factualidade é passível de integrar, em abstracto, os crimes de corrupção passiva e ativa, favorecimento pessoal, violação de segredo de justiça e acesso ilegítimo, p. e p., respetivamente, pelos artºs. 373º nº 1, 374º nº 1 (tratando-se de titular de cargo político, pp pelos artºs. 17º e 18º da Lei 34/97 de 16-7), 367º nº 1 e 368º, 371º nº 1 do CP; e pelo artº 6º nºs 1 e 5 al. a) da LCC.
[...]
Para além das escutas telefónicas, mostra-se igualmente essencial para a investigação, pela mesma ordem de razões, a recolha de dados de tráfego e de localização, em tempo real e conexos com as comunicações efetuadas, nos termos conjugados dos artºs. 187º, 189º nº 2 do CPP, afigurando-se-nos absolutamente necessário obter o registo de trace-back (listagem de chamadas efetuadas e recebidas), faturação detalhada e a respetiva localização celular e outrossim, a captura de dados de telecomunicações, no caso de a identidade internacional do equipamento móvel (IMEI) e identidade internacional de assinante móvel (IMSI).»
Na sequência do aludido requerimento, o Sr. Juiz de Instrução proferiu despacho autorizando a obtenção dos restantes meios de prova, designadamente a intercepção e gravação de conversações e comunicações telefónicas. Contudo, relativamente à faturação detalhada e informação sobre localização celular, proferiu o seguinte despacho:
«No que respeita à faturação detalhada onde constem as chamadas efetuadas e recebidas (trace-back), bem como a informação das células ativadas durante as conversações e a identificação dos números que os contactem, considerando que, nos termos do artº 4º nº 1 als. c) e f) da Lei 32/2008 de 17JUL, essas informações dizem respeito a dados de tráfego e que esse normativo, bem como os seus artºs. 6º e 9º) foram declarados inconstitucionais pelo ac. do Tr. Constitucional nº 268/2022 de 19.ABR, com força obrigatória geral, não pode dar-se acolhimento a tal pretensão do M. Público.»[1]
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III - O DIREITO
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí
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