Acórdão nº 398/18.4T8VNG.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-09-18

Data de Julgamento18 Setembro 2023
Ano2023
Número Acordão398/18.4T8VNG.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
APELAÇÃO n.º 398/18.4T8VNG.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I.RELATÓRIO
I.1 AA, deu início à fase litigiosa da presente acção para a efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho, apresentando petição inicial e demandando “A..., S.A.”, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe o seguinte:
A) € 15,00 de despesas de deslocação de casa ao IML e ao Tribunal;
B) € 9.747,99 referente ao período em que se encontrou de incapacidade temporária absoluta (de 04/10/2017 a 03/02/2019), num período fixável em 488 dias, sendo 365 dias a 70% e 123 dias a 75%;
C) O capital de remição da pensão anual e vitalícia, de € 143,26, devida desde o dia 04/02/2019, calculada com base na retribuição anual x 70% x IPP.
D) Juros de mora à taxa legal sobre todas as quantias até efectivo e integral pagamento.
Na tentativa de conciliação realizada no termo da fase conciliatória não foi obtido o acordo da seguradora, em razão desta não ter reconhecido o acidente dos autos como sendo de trabalho, nem o nexo de causalidade entre este e as sequelas, não aceitando “qualquer responsabilidade no acidente, [por entender] que a ocorrência participada não se enquadra no conceito de acidentes de trabalho, de acordo com o disposto no arto 9º, no 2, alínea a) e nº 3 da Lei 98/2009 de 04 de Setembro”.
Na petição inicial, o autor legou, em síntese, que foi vítima de um acidente de viação quando se dirigia para o seu local de trabalho, sito no B..., tendo iniciado o seu trajecto de casa.
Em consequência do acidente sofreu várias lesões que lhe vieram a determinar uma incapacidade temporária absoluta e, a final, uma incapacidade permanente parcial nunca inferior a 2%, em consequência tendo direito ao pagamento do capital de remição de uma pensão anual, bem como ao pagamento das quantias que não lhe foram pagas durante o período de incapacidade temporária, bem como das suas despesas em deslocações obrigatórias, estando a responsabilidade do seu pagamento a cargo da ré.
Citado para o efeito, veio o ISS,IP pedir a condenação da ré a pagar-lhe as quantias pagas ao autor a título de subsídio de doença, no valor total de € 2.462,52.
A ré contestou, defendendo-se por impugnação (motivada) e excepção peremptória de descaracterização do acidente de trabalho, pretendendo que a acção seja julgada improcedente, sendo absolvida do pedido.
Alegou, para o efeito, no essencial, que o acidente de viação ocorreu depois de o autor ter estado a conversar com um amigo durante não menos de 15 minutos e depois de ter feito um desvio entre os dois locais de trabalho de cerca de 2 Km. Entre o momento em que saiu do emprego na C... e o do acidente, ocorreu um período de tempo muito mais dilatado que o necessário para a deslocação entre os dois locais de trabalho.
Notificado para o efeito veio o autor esclarecer o percurso efectuado com o motociclo desde as 18 horas até às 19 horas do dia 03 de Outubro de 2017.
A ré respondeu ao novo articulado impugnando, de novo, a matéria ali vertida e reiterando a posição assumida.
Foi proferido despacho saneador e elaborada a seleção dos factos assentes e fixados os temas de prova.
Foi ordenado o desdobramento do processo para conhecimento da questão da incapacidade do autor no apenso próprio.
Realizou-se audiência de julgamento com observância das formalidades legais.
I.2 Subsequentemente o Tribunal a quo proferiu sentença, concluída com o dispositivo seguinte:
-«(..)
Pelo exposto, julgo procedente e provada, a presente acção e, em consequência:
1. Fixo ao autor, AA, a incapacidade permanente parcial de 4%, desde 03/02/2019.
2. Condeno a ré "Companhia de Seguros D..., S.A” a pagar ao autor:
a) a quantia de € 7.084,41 (sete mil, oitenta e quatro euros e quarenta e um cêntimos), a título de indemnização pelo período de incapacidade temporária;
b) o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia no valor de € 286,51, (duzentos e oitenta e seis euros e cinquenta e um cêntimos), desde 04/02/2019;
c) a quantia de € 15,00 (quinze euros) a título de deslocações obrigatórias;
d) juros de mora sobre as prestações supra atribuídas e em atraso, vencidos e vincendos, à taxa anual de 4%, até integral pagamento.
3. Condeno a ré “A..., S.A.” a pagar ao "Instituto da Segurança Social, I.P." a quantia de € 2.462,52 (dois mil, quatro centos e sessenta e dois euros e cinquenta e dois cêntimos), acrescida de juros calculados à taxa anual de 4% desde a data da notificação do respectivo pedido de reembolso de prestações da Segurança Social à ré.
*
Custas da acção a cargo da ré - art.º 527.º, n.º 1 do Código de Processo Civil ex vi art.º 1.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho.
*
(..)».
I.3 Inconformado com esta decisão, a Ré Seguradora apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito adequados. As alegações foram sintetizadas nas conclusões seguintes:
A. O Tribunal a quo deu como não provada a factualidade descrita na alínea d) (dos Factos não provados); “O Autor percorreu mais 2 quilómetros do que seria necessário para efectuar o percurso entre os seus dois locais de trabalho.”
B. Por tudo quanto ficou exposto, entende a Apelante que o cariz preciso e concreto dos dois depoimentos ora evidenciados, bem como a declaração de parte do Sinistrado/Recorrido e os documentos carreados nos autos deveriam servir o propósito de formação de convicção probatória para levar o Tribunal a quo a considerar como provado que o Sinistrado/Recorrido percorreu mais de 2 quilómetros do que seria necessário para efetuar o percurso entre os seus dois locais de trabalho.
C. Assim, crê a Recorrente que o ponto 3. dos Factos não provados deveria, outrossim, integrar um novo ponto n.º 30 dos Factos provados.
DA MATÉRIA DE DIREITO, DAS NORMAS JURÍDICAS VIOLADAS E DO SENTIDO EM QUE AS NORMAS QUE CONSTITUEM FUNDAMENTO DA DECISÃO DEVERIAM TER SIDO INTERPRETADAS E APLICADAS
D. Contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, em consequência com o supra expendido a propósito da peticionada reapreciação da prova produzida, temos que não ficou suficientemente demonstrada a existência de um acidente de trabalho in Itinere, tendo ficado por demais demonstrado a descaracterização do acidente de trabalho ou inexistência de acidente de trabalho.
E. Achando-se, pois, inequivocamente verificados todos os pressupostos previstos pelo artigo 9.º n.º3 da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro, para a descaracterização de acidente de trabalho in itinere, bem como afastado a aplicação do número 1 e 2 do artigo 9.º da LAT.
Da deslocação entre qualquer dos seus locais de trabalho (alínea a) do número 2 do artigo 9.ºda LAT)
F. Constitui por demais claro, pelos elementos carreados aos autos, que o Sinistrado/Recorrido pretendia deslocar-se do seu local de trabalho na “C..., SA” em Matosinhos para o seu local de trabalho na “E..., SA” em ... e, neste trajeto, procedeu a um desvio para se deslocar à sua residência habitual.
G. Na verdade, entende a Seguradora/Recorrente que é demais evidente que o desvio ou interrupção para falar com um amigo determina um “corte” com a relação laboral e que não é abarcado pelas situações previstas no n.º 3 do artigo 9.o da LAT.
H. Face ao exposto, nesta sede, se pugna pela revogação da douta sentença ora posta em crise, devendo decidir-se no sentido da descaracterização do acidente de trabalho in itinere, por não aplicação da alínea a) de n.º 2 e do n.º 3 do referido artigo 9.ºda LAT e, consequentemente, não seja a Seguradora/Recorrente responsável por reparar o evento lesivo em apreço, nem proceder ao reembolso dos montantes pagos pelo Instituto da Segurança Social, I.P.
Da deslocação entre a residência habitual e o local de trabalho (alínea b) do número 2 do artigo 9.º da LAT)
I. Tal como refere Tribunal a quo que “para que o evento ocorrido entre a residência habitual ou ocasional do trabalhador e o local de trabalho, ou entre qualquer dos seus locais de trabalho, no caso de ter mais de um emprego, mereça a qualificação de “acidente de trabalho” é necessário o preenchimento de dois requisitos, quais sejam: 1 que o evento se verifique no trajeto normalmente utilizado pelo trabalhador entre a sua residência e o local de trabalho, ou entre os dois locais de trabalho, o chamado “percurso normal”; 2 - que o evento ocorra durante o período de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador para chegar da sua residência ao local de trabalho, ou entre os dois locais de trabalho o tal “período habitual”.”
J. Isto posto, os elementos probatórios carreados nos autos determinaram que o Tribunal a quo, considerasse que o Sinistrado/Recorrido nunca entrou na sua residência habitual, tendo permanecido na via pública, o que resultou no ponto 23. dos factos provados (“O autor constatando que já não tinha tempo de ir a casa, decidiu dirigir-se de imediato para o seu local de trabalho, nos termos descritos em 9.”) e, assim, não iniciou o trajeto da residência habitual para o local de trabalho.
K. Contrariamente ao expresso na Sentença posta em crise, o quadro fáctico dos presentes autos não era enquadrável na situação descrita alínea b) do n.º2 do artigo 9.º da LAT (“Entre a sua residência habitual ou ocasional e as instalações que constituem o seu local de trabalho”) e, consequentemente, não seria enquadrável como acidente de trabalho, por não aplicação da alínea a) do n.º 1 do referido artigo 9.º da LAT.
L. Face ao exposto, nesta sede, se pugna pela revogação da douta sentença ora posta em crise, devendo decidir-se no sentido do evento lesivo em apreço não ser considerado um acidente de trabalho, por não aplicação da alínea b) de n.º 2 do referido artigo 9.º da LAT e, consequentemente, não seja a Seguradora/Recorrente responsável por reparar o evento lesivo em apreço, nem proceder ao reembolso dos montantes pagos pelo Instituto da Segurança Social, I.P.
SEM PRESCINDIR:
M. Caso se
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