Acórdão nº 397/21.9GDVFR.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-06-07

Data de Julgamento07 Junho 2023
Ano2023
Número Acordão397/21.9GDVFR.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. nº 397/21.9GDVFR.P1


I –
AA veio interpor recurso da douta sentença do Juiz 2 do Juízo Local Criminal de Santa Maria da Feira do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro que o condenou, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, a), do Código Penal, na pena acessória de cinco meses de proibição de condução de veículos motorizados.

Da motivação deste recurso constam as seguintes conclusões:
«A. - Ao abrigo do artigo 412.º, n.º2 b), do Código de Processo Penal, o Recorrente impugna a decisão proferida sobre matéria de direito, no que tange à duração e extensão da pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 5 (cinco) meses, sendo que considera incorrectamente julgado, sempre com a devida vénia e salvo melhor opinião, uma vez que a impossibilidade de suspensão na execução desta pena acessória, que apesar de tudo é consensual na Jurisprudência portuguesa, deveria ter sido decidida em atenção à circunstância de o aqui Recorrente,
B. - Necessitar imperiosamente de conduzir o seu automóvel, para o seu local de trabalho, situado na freguesia ..., na localidade de ..., concelho de Valongo, e a empresa onde exerce a sua actividade profissional por conta de outrem, dista 22 kms da sua habitação, a qual se situação na Freguesia ..., concelho de Gondomar, mas que não possui transportes públicos directos de ... para aquela freguesia do concelho de Valongo onde o ora Recorrente trabalha,
C. - Tendo que começa a trabalhar muitíssimo cedo, às 06h da manhã e não tem qualquer hipótese de cumprir o horário de trabalho, se não for com recurso a veículo próprio,
D. - Na verdade, e como confirmaram quase todas as testemunhas arroladas pelo aqui Recorrente no julgamento, para poder ir de transporte público desde ... e até ... para poder trabalhar, terá que utilizar autocarros da empresa de transportes Gondomarense a partir da localidade de sua residência, Freguesia ..., no concelho de Gondomar, até ao Porto e daqui para ... através de comboio suburbano até à estação de caminhos-de-ferro de ..., já que para se deslocar de ... para Valongo não existe qualquer outra alternativa de transporte público de passageiros, directamente, tem sempre que se deslocar até ao Porto ou até Gondomar.
E. - Sucede porém que, o problema surge decorrente da circunstância de o seu horário de trabalho por turnos ser das 06h às 14h, no período da manhã e das 14h às 22 no turno da tarde, e não existir compatibilidade de horários para conseguir entrar no seu local de trabalho a tempo, às 6h da manhã, no seu turno da manhã, uma vez que a 1.ª camionete (autocarro) da empresa Gondomarense só passa em ... pelas 5h41 da manhã, ou seja, apenas 19 minutos antes da hora de entrada e ainda por cima só permitiria que o aqui arguido e Recorrente chegasse ao seu local de trabalho apenas às 8h, duas horas após a hora marcada.
F. - Como se poderá comprovar pelo horário dos autocarros da Gondomarense já constante dos autos e confirmado por quase todas as testemunhas arroladas pelo Recorrente, o qual se considera integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos, o 1.º autocarro de manhã que sai de ... (freguesia do concelho de Penafiel) às 5h30 e passa posteriormente na Estrada Nacional ...08 (Estrada ...) em ... apenas às 5h41, chegando ao Porto às 6h25,
G. - Ora, como do Porto ainda tem de apanhar o comboio para ..., através de um comboio suburbano, apenas conseguiria estar em ... às 8h da manhã, isto porque não existem transportes públicos de ... para ... em qualquer horário que seja compatível com as suas obrigações laborais. H. - Significando isto um atraso de 2 horas em cada turno matinal, equivalendo por dizer que por cada dia de atraso e por cada duas horas de falta injustificada, bastariam 4 quatro turnos para ter um dia completo de faltas injustificadas,
I. - Atendendo também que, após 20 turnos com atrasos de 2 horas e falta injustificada nesse período, o aqui arguido perfaria 5 faltas injustificadas seguidas, o que daria direito a que a entidade patronal pudesse levantar um auto por falta de assiduidade, instaurar um processo disciplinar que provocasse a demissão e o despedimento por justa causa.
J. Algo que o aqui Recorrente sabe que a sua entidade patronal não deixará nunca de utilizar as prerrogativas legais ao seu dispor para penalizar o aqui Recorrente por esses atrasos constantes de duas horas diárias, pelo que o aqui arguido não tem qualquer alternativa que não seja sugerir e solicitar aos Venerandos Desembargadores a suspensão na execução do cumprimento da proibição de condução de veículo motorizado durante cinco meses, decidida pela Tribunal “a quo”
K. - Daqui que, para justificar e sustentar esta circunstância e esta necessidade imperiosa se socorra também o ora Recorrente da invocação da inconstitucionalidade das normas extraídas do artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, no sentido de:
(i) «não permitir a suspensão da execução de pena acessória, a sua substituição por prestação de boa conduta, ou o cumprimento da execução da referida pena acessória de forma descontínua»; e (ii) «com a condenação pela prática do crime previsto no artigo 292,° n.° 1 do Código Penal, te[r] lugar, sem necessidade de se apurar qualquer outro requisito, a aplicação da pena acessória consistente na inibição de conduzir veículos com motor».
L. - Uma vez que a sua carta de condução é necessária para a execução do posto de trabalho que o arguido ocupa (pintor) a circunstância de não poder conduzir em qualquer período durante o período de inibição que lhe foi fixado irá forçosamente determinar que este não possa exercer a sua atividade profissional e não lhe possibilitará chegar a tempo ao local de trabalho, onde começa a trabalhar a partir das 06h da manhã, por ausência de transporte público, o que colide com o seu direito a trabalhar, direito esse constitucionalmente assegurado.
M. - Considerando que a inibição de conduzir veículos com motor prevista no artigo 69.ºn°1 do Código Penal assume a natureza de uma verdadeira pena e está associada à prática de um crime - artigo 65°, n° 1 e 69°, n°1 ambos do Código Penal e que a aplicação da pena de inibição de conduzir veículos automóveis não constitui uma consequência automática da prática do crime a que está associada,
N. - Que a licença de condução revela-se indispensável ao exercício da atividade do Recorrente, que este confessou integralmente e sem reservas a prática do crime que lhe foi imputado e que demonstrou arrependimento, estão reunidos os requisitos para que se proceda à suspensão da execução da pena acessória fixada ao Recorrente,
O. - Ou que esta seja substituída por uma prestação de boa conduta, ou que o cumprimento da dita pena acessória se execute nos dias não úteis comprometendo-se o Recorrente a entregar e levantar a sua carta de condução no posto policial mais próximo da sua residência (conferir Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, com data de 15/12/1993, processo n.ºconvencional JTRL00005887, disponível em www.dgsi.pt)
P. O artigo 69.ºn.º1 a) do Código Penal viola os artigos 18.ºn.º2, 19.ºn.º1, 30.ºn.º4 e 58.º n.º1, todos da Constituição da República Portuguesa, quando interpretado no sentido de não permitir a suspensão da execução de pena acessória, a sua substituição por prestação de boa conduta, ou o cumprimento da execução da referida pena acessória de forma descontínua traduz-se e concretiza-se assim por uma ofensa do direito ao trabalho. O aqui Recorrente fica
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