Acórdão nº 397/11.4TATVR-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 12-09-2023

Data de Julgamento12 Setembro 2023
Ano2023
Número Acordão397/11.4TATVR-A.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação do Évora

I. RELATÓRIO
No processo comum n.º 393/11.4TATVR, do Juízo de Competência Genérica ... da Comarca ..., por decisão judicial datada de 10 de novembro de 2022, foi convertida em prisão subsidiária a pena de multa nele imposta ao Arguido AA, solteiro, guarda noturno, nascido a 20 de agosto de 1967, em ..., filho de BB e de CC, residente na Rua ..., n.º ..., ... andar, em ....

Inconformado com tal decisão, o Arguido dela interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]:
«a) O despacho recorrido onde se converte a pena de multa não paga em prisão subsidiária não se encontra suficientemente fundamentado.
b) O despacho recorrido violou o princípio do contraditório ao não proceder à previa audição do arguido, violando o art.º 61.º, n.º 1, al. b) do CPP.
c) O despacho recorrido violou o art.º 32.º n.º 1 e 5 da CRP, que consagra que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa e deve estar subordinado ao princípio do contraditório.
d) Mesmo havendo lugar à aplicação de prisão subsidiária esta poderia ainda ser suspensa, nos termos do n.º 3 do art.º 49.º do CP, ouvido que fosse o arguido, sendo certo que sempre é preciso dar, ao condenado, oportunidade de se pronunciar e eventualmente provar que o não pagamento lhe não é imputável.
e) O despacho onde se notifica o arguido da conversão da multa em prisão subsidiária enferma da nulidade prevista no art.º 120.º n.º 2, al. d) do CPP, por não haver procedido previamente à audição do arguido perante um juiz de direito e no Tribunal.
f) Mostram-se igualmente violados os princípios da proporcionalidade, da necessidade e da adequação, inscritos no artigo 18.º da Constituição ínsitos no artigo ao não considerar outra solução que não a revogação da suspensão da pena e a determinação sem mais da pena de prisão substituta da pena de multa sem a prévia aquisição do conhecimento das causas do incumprimento, tal e tanto implica a revogação da douta decisão ora recorrida e a sua substituição por outra que obedecendo aos citados princípios Constitucionais determina a audição do arguido recorrente por forma a exercer o direito do contraditório, justificar o incumprimento e podendo ainda requerer a aplicação de medida alternativa à da execução de prisão, nos termos do disposto no artigo 49.º n.º 3, do Código Penal Português.
g) Antes de o Tribunal a quo converter automaticamente a pena de multa não paga em prisão subsidiária e efetiva aplicada ao arguido, deveria ter ouvido o arguido sobre as razões do não cumprimento do pagamento da pena de multa em que foi condenado, em consonância com os termos e para os efeitos do artigo 61.º n.º 1 al. b) do CPP e do artigo 32.º n.º 1 e 5 da CRP.

Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência declarar nulo o despacho que converteu a pena de multa aplicada ao arguido em prisão subsidiária, sem prévia audição deste e em clara violação do princípio do contraditório violando o art.º 61.º n.º 1 al b) do CPP sendo que o despacho recorrido violou o art.º 32.º n.º 1 e 5 da CRP, ou caso assim não se entenda, considerar-se que o não pagamento da multa não pode ser imputado ao arguido e ser assim, a prisão subsidiária decretada, suspensa na sua execução, nos termos do n.º 3 do art.º 49.º do CP.
Assim se fará, certamente, a habitual Justiça

O recurso foi admitido.

Respondeu o Ministério Público, junto do Tribunal recorrido, formulando as seguintes conclusões [transcrição]:
1. Discorda o recorrente da decisão de conversão da pena de multa não paga, em que foi condenado, em 133 (cento e trinta e três) dias de prisão subsidiária.
2. Compulsados os autos, verificamos que foi o arguido pessoalmente notificado da guia com vista a efetuar o pagamento da multa no valor de € 1000,00 em que foi condenado.
3. Contudo, o arguido nada disse ou requereu, tão pouco tendo pago, nem nada esclarecido quanto a esse mesmo incumprimento.
4. Nessa sequência, foi o arguido notificado, através de PD, para querendo, proceder ao pagamento da multa em falta e/ou provar que a razão do não pagamento da multa não lhe era imputável, sob pena da multa ser convertida em prisão subsidiária, que o arguido teria de cumprir; indicar bens penhoráveis que pudessem servir à execução coerciva da pena de multa, ou requerer a suspensão da prisão subsidiária.
5. Contudo, mais uma vez, nada juntou/comprovou, assim como nada esclareceu quanto aos motivos de não cumprimento.
6. Assim, da análise aos autos, constata-se que nada foi junto de forma a comprovar que o não pagamento do valor da multa se deveu por motivo não imputável ao arguido, o que em abstrato, poderia determinar uma suspensão da execução da prisão subsidiária.
7. Com efeito, o arguido pura e simplesmente nada esclareceu, revelando total e absoluto desinteresse pela situação em concreto.
8. Não obstante a inércia do arguido, o tribunal procedeu à “audição” do arguido para requerer, justificar ou comprovar o que melhor lhe aprouvesse.
9. Tal audição, com vista ao contraditório, basta-se com a notificação por via postal, não sendo necessário que a mesma ocorra de forma presencial.
10. Pelo exposto, entendemos que se deverá confirmar a decisão de conversão da pena de multa em prisão subsidiária, nos exatos termos que constam da decisão proferida.
11. Contudo, V. Exas. farão, como sempre, JUSTIÇA!»
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Enviados os autos a este Tribunal da Relação, a Senhora Procuradora Geral Adjunta emitiu o seguinte parecer [transcrição]:
«Pretende o arguido AA ver concedido provimento ao seu recurso ”e em consequência declarar nulo o despacho que converteu a pena de multa aplicada ao arguido em prisão subsidiária, sem prévia audição deste e em clara violação do princípio do contraditório violando o art.º 61.º n.º 1 al b) do CPP sendo que o despacho recorrido violou o art.º 32.º n.º 1 e 5 da CRP, ou caso assim não se entenda, considerar-se que o não pagamento da multa não pode ser imputado ao arguido e ser assim, a prisão subsidiária decretada, suspensa na sua execução, nos termos do n.º 3 do art.º 49.º do CP.”.
A este recurso respondeu o magistrado do Ministério Público junto do tribunal a quo em termos que consideramos suficientes e corretos, pelo que subscrevemos tal entendimento sem necessidade de mais aditamentos.
A alegada nulidade não existe, o arguido foi previamente notificado e nunca se pronunciou, nada informando ou requerendo nos autos, foi-lhe dada a oportunidade de exercer atempadamente o contraditório, mas nunca o fez.
A audição do arguido foi garantida devidamente, não tendo que ser presencial pelo que o recurso deverá improceder.»

Observado o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do Código de Processo Penal, nada mais se acrescentou.

Efetuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
De acordo com o disposto no artigo 412.º do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995[[1]], o objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

Posto isto, e vistas as conclusões dos recursos, a esta Instância são colocadas as questões:
- da insuficiência de fundamentação da decisão;
- da violação do princípio do contraditório;
- da suspensão da execução da pena de prisão.
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Com interesse para a decisão a proferir, o processo fornece os seguintes elementos:
(i) Por sentença proferida a 16 de maio de 2014 e transitada em julgado a 11 de novembro de 2020, foi o Arguido AA condenado, pela prática de crime de falsidade de testemunho, previsto e punido pelo artigo 360.º, n.ºs 1 e 3 do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), perfazendo a multa de € 1 000,00 (mil euros).

(ii) No dia 3 de maio de 2021, foi o Arguido notificado «para no prazo de 15 dias, proceder ao pagamento da multa penal (1.000,00€) e das multas por falta injustificada de comparência (408,00€) de sua responsabilidade, no prazo e montante indicados nas guias anexas, sob pena de execução não o fazendo
Esta notificação, porque não dirigida para a morada indicada no TIR do Arguido, foi considerada ineficaz, por despacho judicial datado de 28 de fevereiro de 2022.
Ordenou-se, então a notificação pessoal do Arguido.
E esta notificação foi levada a cabo no dia 11 de março de 2022.

(iii) No dia 6 de junho de 2022, na sequência de promoção do Ministério Público, o Senhor Juiz titular do processo exarou nos autos o seguinte despacho [transcrição]:
«Notifique o arguido AA para, em 10 dias:
a) Proceder ao pagamento da pena de multa em que foi condenado nestes autos (mil euros), com advertência de que, não fazendo o pagamento nesse prazo, e não sendo viável a execução coerciva, será a pena de multa convertida em prisão subsidiária pelo tempo correspondente (200 dias) reduzido a dois terços; ou
b) Caso não faça o pagamento, indicar bens penhoráveis que possua, livres e desembaraçados, que possam servir à execução coerciva da pena de multa; e
c) Sendo o caso, apresentar prova de que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, requerendo neste caso a suspensão da prisão subsidiária.
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