Acórdão nº 393/22.9YHLSB.L1-PICRS de Tribunal da Relação de Lisboa, 10-03-2023

Data de Julgamento10 Março 2023
Ano2023
Número Acordão393/22.9YHLSB.L1-PICRS
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam em conferência, na Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão, do Tribunal da Relação de Lisboa
1. A recorrente, no procedimento de registo da marca aqui em causa, que correu no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (doravante também INPI) apresentou, ao abrigo do disposto no artigo 222.º do Código da Propriedade Industrial (CPI), um pedido de registo da marca nacional n.º 681575, “Talho O Arouquês Penhalonga”, que foi recusado por despacho do INPI (cf. referência citius 104787 /Doc. 9).

2. Do despacho do INPI mencionado no parágrafo anterior, o recorrente interpôs recurso de impugnação judicial junto do Tribunal da Propriedade Intelectual (doravante também Tribunal a quo, Tribunal recorrido ou Tribunal de primeira instância), pedindo a sua revogação e substituição por decisão que conceda o registo da marca nacional 681575 (cf. referência citius 104101 de 26.9.2022).

3. O Tribunal da Propriedade Intelectual, por sentença de 23.10.2022 (referência citius 503446), julgou improcedente o recurso, mantendo a decisão do INPI que recusou o registo da marca em crise.

4. Da sentença referida no parágrafo anterior veio o recorrente interpor o presente recurso para o Tribunal da Relação, pedindo a sua revogação e substituição por acórdão que defira o pedido de registo da marca nacional 681575, “Talho O Arouquês Penhalonga”, por respeitar todos os requisitos legais.

5. A recorrente invocou, em síntese, que:

§ O conjunto das palavras que fazem parte da marca em crise conferem distintividade à marca de um ponto de vista semântico e fonético;
§ De um ponto de vista gráfico e fonético, a marca é nova e indica a origem dos produtos;
§ O INPI fez uma apreciação analítica de cada um dos elementos que compõem a marca em crise quando devia tê-la apreciado no seu conjunto, ter dado relevo ao seu elemento dominante e ter levado em conta, por um lado, os produtos e serviços para as quais foi pedido o registo da marca e, por outro lado, a percepção do público relevante, tudo nos termos dos artigos 222.º do CPI, do artigo 2.º da Directiva 2015/2436 e da jurisprudência quer nacional, quer do Tribunal de Justiça da União (TJUE), constante, designadamente, dos acórdãos C-53/01, parágrafo 41, C-363/99, parágrafo 34, C-468/01 e C-472/01 P, parágrafo 33;
§ Uma marca composta por elementos genéricos e descritivos, eventualmente presentes noutras marcas, pode não ser descritiva desde que crie no consumidor uma impressão suficientemente distanciada da que é produzida pela simples reunião dos seus elementos, como resulta do acórdão do TJUE 265/00, parágrafo 40, cuja jurisprudência versa sobre um caso análogo;
§ A marca em crise não é meramente descritiva, quando muito é sugestiva do serviço prestado/produto fornecido;
§ A decisão do INPI violou os princípios da igualdade e da legalidade, consagrados no artigo 5.º n.º 2 do Código de Processo Administrativo (CPA) e nos artigos 13.º n.º 2 e 266.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP), uma vez que já concedeu outras marcas – e.g. O Talho, Boa Carne, Talho Central Vale Figueira – compostas por elementos descritivos, dando oportunidade a esses concorrentes de usarem tais sinais de comércio, mas negando essa oportunidade à recorrente;
§ Mesmo que a marca da recorrente não seja inerentemente distintiva, adquiriu distintividade extrínseca ou secondary meaning, através do uso prolongado e intenso que faz com que a marca se converta na marca identificadora dos produtos ou serviços de determinado empresário.

Questão prévia

6. A recorrente juntou dois documentos às alegações do recurso interposto para a segunda instância (cf. referência citius 106198 de 25.11.2022, Doc. 1 e Doc. 2), datados, respectivamente, de 30.6.2022 e 11.7.2022.

7. Ora, sendo tais documentos anteriores à data da impugnação judicial em primeira instância (apresentada em 26.9.2022 como referido no parágrafo 2 supra), afigura-se não ser admissível a sua junção ao presente recurso uma vez que, nos termos do artigo 425.º do Código de Processo Civil (CPC) depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, o que não é o caso.

8. Pelo que o Tribunal não admite a junção dos documentos mencionados no parágrafo 6, que não serão levados em conta.

Delimitação do âmbito do recurso

9. Têm relevância para a decisão do recurso as seguintes questões:

A. Carácter distintivo da marca
B. Secondary meaning
C. Violação dos princípios da igualdade e da legalidade

Factos provados
Nota: este Tribunal mantém, a seguir à numeração de cada parágrafo, a numeração pela qual foram enunciados os factos provados na sentença recorrida, para facilitar a leitura e as remissões.
10. 1. Em 23/02/2022, a Recorrente pediu o registo da marca nominativa nacional nº 681575 “TALHO O AROUQUÊS PENHALONGA”. (cf. processo INPI).

11. 2. O pedido destinava-se a abranger os produtos/serviços da classe 29 - carne e produtos à base de carne (cf. processo INPI).

12. 3. O INPI recusou o registo da marca referida em 1.º, por despacho do Diretor do Instituto, de 30 de Agosto 2022. (cf. processo INPI).

13. 4. O requerente é fornecido ou pretende vir a ser fornecido pela entidade que titula a denominação de origem protegida (PDO) n.º PT-0235 «CARNE AROUQUESA»

Quadro legal relevante
14. Têm relevo para a decisão os seguintes textos legais:
Código da Propriedade Industrial ou CPI

Artigo 208.º
Constituição da marca
A marca pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais suscetíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, cor, a forma do produto ou da respetiva embalagem, ou por um sinal ou conjunto de sinais que possam ser representados de forma que permita determinar, de modo claro e preciso, o objeto da proteção conferida ao seu titular, desde que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.

Artigo 209.º
Exceções
1 - Não satisfazem as condições do artigo anterior:
a) As marcas desprovidas de qualquer caráter distintivo;
b) Os sinais constituídos, exclusivamente, pela forma ou por outra característica imposta pela própria natureza do produto, pela forma ou por outra característica do produto necessária à obtenção de um resultado técnico ou pela forma ou por outra característica que confira um valor substancial ao produto;
c) Os sinais constituídos, exclusivamente, por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica, a época ou meio de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos;
d) As marcas constituídas, exclusivamente, por sinais ou indicações que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio.
2 - Os elementos genéricos referidos nas alíneas a), c) e d) do número anterior que entrem na composição de uma marca não serão considerados de uso exclusivo do requerente, exceto quando, na prática comercial, os sinais tiverem adquirido eficácia distintiva.
3 - A pedido do requerente ou do reclamante, o INPI, I. P., indica, no despacho de concessão, quais os elementos constitutivos da marca que não ficam de uso exclusivo do requerente.

Artigo 231.º
Fundamentos de recusa do registo
1 - Para além do que se dispõe no artigo 23.º, o registo de uma marca é recusado quando esta:
a) Seja constituída por sinais que não possam ser representados graficamente ou de forma que permita determinar, de modo claro e preciso, o objeto da proteção conferida ao seu titular;
b) Seja constituída por sinais desprovidos de qualquer caráter distintivo;
c) Seja constituída, exclusivamente, por sinais ou indicações referidas nas alíneas b) a d) do n.º 1 do artigo 209.º;
d) Contrarie o disposto nos artigos 208.º, 211.º e 224.º
2 - Não é recusado o registo de uma marca constituída, exclusivamente, por sinais ou indicações referidas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 209.º se, antes da data do pedido de registo e na sequência do uso que dela for feito, esta tiver adquirido caráter distintivo.
3 - É ainda recusado o registo de uma marca que contenha em todos ou alguns dos seus elementos:
a) Símbolos, brasões, emblemas ou distinções do Estado, dos municípios ou de outras entidades públicas ou particulares, nacionais ou estrangeiras, o emblema e a denominação da Cruz Vermelha, ou de outros organismos semelhantes, bem como quaisquer sinais abrangidos pelo artigo 6.º-ter da Convenção da União de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial, salvo autorização;
b) Sinais com elevado valor simbólico, nomeadamente símbolos religiosos, salvo autorização, quando aplicável, e exceto quando os mesmos sejam usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais do comércio dos produtos ou serviços a que a marca se destina e surjam acompanhados de elementos que lhe confiram caráter distintivo;
c) Expressões ou figuras contrárias à lei, moral, ordem pública e bons costumes;
d) Sinais que sejam suscetíveis de induzir o público em erro, nomeadamente sobre a natureza, qualidades, utilidade ou proveniência geográfica do produto ou serviço a que a marca se destina;
e) Sinais ou indicações que contrariem o disposto na legislação nacional, na legislação da União Europeia ou em acordos internacionais de que a União Europeia seja parte, que conferem proteção a denominações de origem e indicações geográficas;
f) Sinais ou indicações que contenham, em todos ou alguns dos seus elementos, menções tradicionais para o vinho que se encontrem protegidas pela legislação da União Europeia ou por acordos internacionais de que a União Europeia seja parte;
g) Sinais ou indicações que contenham, em todos ou alguns dos seus elementos,
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