Acórdão nº 3921/20.0T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2022-01-27

Ano2022
Número Acordão3921/20.0T8BRG.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

X, fundo de titularização de créditos legalmente representada pela E. G., S.A.S., sociedade gestora de fundos de participações, sociedade anónima simplificada de direito francês, inscrita no Registo Comercial e das Sociedades de Paris sob o nº ………, autorizada a gerir carteiras de crédito pela Autoridade dos Mercados Financeiros de França, com ao licença nº P 02-023, com o capital social de 751 014,00 €, com sede em .., Place …., França, intentou, no Juízo Local Cível de Braga - Juiz 3 - do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, a presente acção especial sub-rogatória, nos termos do disposto no art. 1041º do Código de Processo Civil, contra J. M., C. L. e S. R., pedindo:

a) Reconhecer-se que os créditos detidos pela Caixa ..., S.A. sobre o primeiro réu transitaram para a aqui autora, por força da cessão de créditos celebrada a 12/11/2019, julgando-se a Autora como parte legítima nesta lide;
b) Serem os réus condenados a reconhecer o crédito da autora sobre o primeiro réu, no valor de 330 014,73 € (trezentos e trinta mil e catorze euros e setenta e três cêntimos) e ainda no seu pagamento, acrescido dos juros e demais acessórios, dentro das forças da herança;
c) Ser declarado e os réus reconhecerem o direito de a autora aceitar a herança repudiada pelo primeiro réu, ficando aquela sub-rogada na posição deste, nos termos do artigo 2067º do Código Civil;
d) Ser declarado o direito da Autora, como credora do primeiro réu, a executar e indicar à penhora os respectivos quinhões hereditários;
e) Ser declarado que essa execução e penhora do quinhão hereditário o seja livre de ónus e encargos, podendo outrossim a autora praticar todos os actos de conservação decorrentes da aceitação da herança na medida do valor do seu interesse patrimonial, correspondente ao seu crédito;
f) Para a hipótese de a herança já ter sido partilhada, declarar-se a respectiva nulidade dos actos e registos daí resultantes, ou caso assim se não entenda, a ineficácia destes em relação à autora.

Para tanto, alegou, em síntese:
- que é um Fundo Comum de Titularização de Créditos regularmente constituído ao abrigo da lei francesa, cuja entidade gestora é a “E. G., S.A.S.” sociedade anónima simplificada gestora de fundos de titularização, com o capital social de 751 014,00 €, registada no R.C.S. de Paris sob o número ………, cuja actividade de gestão de carteiras de crédito foi aprovada pela Autoridade dos Mercados Financeiros de França sob o número GP
- que os fundos de titularização de créditos constituem um património autónomo, sem personalidade jurídica (cfr. arts. 5º, nº 1 e 63º, nº1 do D.L. 453/99 de 05 de Novembro, republicado pela Lei n.º 69/2019, de 28 de agosto e com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 144/2019, de 23 de setembro e pela Lei n.º 25/2020, de 07 de julho) mas com personalidade judiciária, legalmente representado pela referida sociedade gestora de fundos de participações (cf. art. 12º, alínea a) CPC).
- que no âmbito da respectiva actividade comercial, no dia 28 de Novembro de 2019, a autora adquiriu à Caixa ..., S.A. (doravante, abreviadamente designada por “CAIXA ...”), mediante cessão de créditos, o crédito que esta última detinha sobre a sociedade “Y SARL” que foi pessoal e solidariamente assumido pelo aqui primeiro réu, J. M..
- que por virtude da referida cessão, a autora passou assim a ser detentora do crédito sobre o primeiro réu, circunstância que lhe comunicou por carta de 04 de Fevereiro de 2020.
- que o primeiro réu J. M. é devedor da autora, da quantia de capital de 245.590,00€(duzentos e quarenta e cinco mil, quinhentos e noventa euros), dívida essa reconhecida por sentença já transitada em julgado, proferida pelo Tribunal de Comércio de Evry, França, no dia 14 de Maio de 2014 – cfr. sentença, tradução, certificação e apostilha, que junta como documentos nºs 04 e 05.
- que corresponde ao valor de 233 907,91€, ao qual acrescem juros moratórios, à taxa legal, contabilizados desde 09 de Dezembro de 2010, e a quantia de 2.500,00€ (dois mil e quinhentos euros) a título de indemnização – cfr. documentos nºs 04 e 05.
- que, a 14 de Maio de 2014, o Tribunal de Comércio de Evry julgou a acção totalmente procedente, proferindo a seguinte sentença (cfr. página 9 do documento nº 05):
• “Condena o Senhor J. M. ao pagamento à sociedade Caixa ... da quantia de 233.907,91 €, acrescida de juros à taxa legal, contabilizados a partir de 9 de Dezembro de 2010;
• Ordena a capitalização dos juros;
• Delibere que os pagamentos efectuados pelo Senhor J. M. serão afectados prioritariamente ao pagamento do capital principal em dívida;
• Declara improcedentes todos os pedidos mais amplos ou contrários formulados pelas partes;
• Condena o Senhor J. M. ao pagamento do montante de 2500 € à sociedade Caixa ... nos termos do disposto no art. 700º do CPC, absolvendo o primeiro réu do remanescente do pedido nesta matéria;
• Condena o Senhor J. M. às custas;
• Liquida as custas pela Secretaria, no montante de 81,80 Euros, dos quais 13,48 € serão de IVA.”
- que sobre o valor de 233.907,91€ (duzentos e trinta e três mil, novecentos e sete euros e noventa e um cêntimos) incidem: a) Juros moratórios civis, contados desde 09 de Dezembro de 2010, à taxa legal de 4% ao ano, e que, no dia de hoje, se cifram em 71 031,10€ (setenta e um mil e trinta e um euros e dez cêntimos); b)Juros compulsórios, computados desde a prolação da sentença, que ocorreu em 19/05/2017, até ao dia de hoje, que se computam em 13 393,63 € (treze mil, trezentos e noventa e três euros e sessenta e três cêntimos).
- que do atrás exposto, resulta que o primeiro réu J. M. é devedor da autora - que entretanto adquiriu o crédito à CAIXA ... - da quantia global que na presente data ascende a 330.014,73 € (trezentos e trinta mil e catorze euros e setenta e três cêntimos), montante ao qual acrescerão juros, moratórios e compulsórios vincendos, bem como as despesas com taxas de justiça, honorários de Agente de Execução e do mandatário.
- que à sentença francesa do Tribunal de Comércio de Evry foi reconhecida Executoriedade em Portugal, por sentença de 19/05/2017, proferida nos autos da Acção de Reconhecimento/Execução de Decisão Estrangeira, que correu termos sob o nº 1434/17.7T8VNF, do Juízo Local Cível, Juiz 1, do Tribunal da Comarca de Braga - cfr. sentença junta como documento nº 06.
- que a referida dívida é certa, líquida e exigível, e a sentença judicial do Tribunal francês, passada em julgado a 15/05/2014 (cfr. documento nº 02), à qual foi aposta o competente "exequatur", constitui título executivo suficiente em Portugal (cfr. art. 703º, nº 1, alínea a) do Código de Processo Civil).
- que a dívida adveio da actividade creditícia da cedente Caixa … que mutuou esses valores à sociedade comercial “Y SARL”, da qual o primeiro réu foi sócio e gerente e da qual se constituiu garante solidário perante a referida cedente, no pretérito dia 02 de Agosto de 2007, de todas as obrigações, presentes e futuras, da dita sociedade, até ao valor de 390 000,00 € (trezentos e noventa mil euros), pelo período de 60 (sessenta) meses – cfr. documentos nºs 04 e 05.
- que até hoje, a sociedade “Y SARL” e o primeiro réu não pagaram um cêntimo que fosse da dívida, pelo que o crédito, agora cedido à autora, inclui os seguintes valores:
a) 236 407,91 € (duzentos e trinta e seis mil, quatrocentos e sete euros e noventa e um cêntimos), correspondente ao valor de capital em dívida, conforme sentença proferida pelo Tribunal de Comércio Francês (cfr docs. 01 e 02);
b) 6 601,01 € (seis mil, seiscentos e um euros e um cêntimo) a título de juros moratórios, calculados à taxa legal, desde 09 de Dezembro de 2010;
c) 2 500,00 € (dois mil e quinhentos euros) a título de condenação em custas de parte/procuradoria (cfr. art. 700º da lei processual civil francesa);
d) 81,08 € (oitenta e um euros e oito cêntimos), a título de custas.
- que mesmo após o trânsito em julgado da sentença condenatória, o primeiro réu não pagou os valores em dívida, não detendo quaisquer bens ou rendimentos penhoráveis em França.
- que no dia 30 de Maio de 2013 – após o vencimento das dívidas e da propositura da acção no Tribunal de Comércio de Evry (que ocorreu a26/04/2013) - o primeiro réu doou (com reserva de usufruto) o único bem que possui à aqui segunda ré e sua filha, C. L., então menor - cfr. Escritura Pública de Doação de fls. 65 a fls. 75 verso do livro nº 114 de “Escrituras Diversas” do Cartório Notarial a cargo da notária M. C., sito em … - cfr. documento nº 07.
- que o bem doado à sua filha aqui segunda ré, consiste numa fracção autónoma, destinada a habitação, designada pela letra “F”, correspondente ao 1º andar esquerdo, frente, tipo T1, do Bloco ..., que integra o prédio urbano, constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., nº …, freguesia de ..., concelho de Braga descrita na Segunda Conservatória do Registo Predial de Braga sob o número .../19970203.F da freguesia de …, inscrito na matriz sob o artigo …, com o valor patrimonial tributário de 35.900,55 € - cfr. documento nº 07.
- que essa doação visou subtrair o dito bem do património do devedor a fim de escapar às investidas da então credora CAIXA ..., tendo esta intentado a acção de impugnação pauliana, no âmbito da qual foi declarada a ineficácia dessa doação em relação à cedente, por sentença proferida a 11/12/2017, já passada em julgado, no processo nº 2808/15.3T8BRG, no Juízo Local Cível, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga –cfr. sentença que se junta como documento nº 08.
- que no dia 20/07/2018, a CAIXA ... intentou execução para pagamento de quantia certa contra o aqui primeiro réu, munida de um título executivo composto: a sentença condenatória francesa (entretanto declarada exequível em Portugal) e a sentença da acção...

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